Venho tentado escrever sobre a morte do Paulo Gustavo, mas estava difícil encontrar as palavras. A frase dele ainda pisca em minha mente como um luminoso: “Rir é um ato de resistência”. Mas como a gente ri num país que já conta mais de 400 mil mortos por uma doença que já tem vacina, e ainda tem um presidente negacionista, perverso e desumano?
Não tenho resposta, mas de algum jeito precisamos continuar a rir. O humor alivia a alma, mas também pode ser ferramenta de jogar luz em verdades que o poder quer esconder. O palhaço vai muito além do pum de talco. Há séculos os artistas denunciam por meio da sátira e da piada.
Copio do dicionário Houaiss: “Jogral, na lírica medieval, até o século X, era o artista profissional de origem popular – um vilão, ou seja, não pertencente à nobreza – que tanto atuava nas praças públicas, divertindo o público, assim como nos palácios senhoriais, neste caso assumindo o papel de bufão, com suas sátiras, mágicas, acrobacias, mímica, etc.”
Do site da Escola de Artes Celso Lisboa trago a definição do bufão: “O bufão é o artista do grotesco, da ironia, do disforme e do humor. Com origens documentadas na Idade Média, esse artista trabalhava com o jogo do corpo e da palavra para zombar e provocar sua audiência.”
Paulo Gustavo sabia ser um jogral ou bufão moderno. Quem nunca viu a “Senhora dos Absurdos” deve procurar os videos no YouTube. Na figura da socialite que não perdia a pose, Paulo mostrava todos os preconceitos e soberba da nossa elite. Qualquer semelhança com os “cidadãos de bem” que elegeram aquela criatura que se diz presidente, não é coincidência.
Mas fomos cativados mesmo por Dona Hermínia. Ela era exagerada e dramática, mas todo mundo em algum momento reconhecia a própria mãe na personagem. E mais importante, Dona Hermínia foi um exemplo para todas as mães de homossexuais. Um exemplo de amor.
O próprio Paulo Gustavo se tornou uma referência. Mostrou para nossa sociedade hipócrita e violenta que um gay afeminado pode ser respeitado, conquistar muito sucesso em sua profissão e construir uma linda família ao lado do homem que ama.
Tão injusto uma pessoa partir no auge da vida!
E pior, de uma doença que já levou mais de 400 mil brasileiros. Como não se revoltar com as notícias dos atrasos na vacinação, que segue aos trancos e barrancos? Como manter o sorriso diante da insistência de alguns em “voltar ao normal”, reabrir escolas e tudo mais? Como conter a raiva ao ler notícias de festas?
Muito difícil. E ainda mais sem um dos artistas que mais nos fazia rir. Mas enquanto tivermos os vídeos dele nas redes, podemos esquecer por alguns instantes desse mundo podre que nos cerca, e rir. Destravar os músculos e suavizar o coração.
Só a arte nos salva de enlouquecer nesses tempos em que não podemos abraçar as pessoas queridas nem passear livremente. Nesses tempos em que vivemos pisando em ovos, com medo de mais uma notícia de morte. Em que mesmo quem não pegou o vírus, mas tem um pouco de consciência, respira angustiado.
E nem a vacina nos tranquiliza. Hoje mesmo soube do falecimento do cunhado de uma amiga. Ele já havia tomado as duas doses da Coronavac, mas, mesmo assim, foi derrotado pelo vírus. Pode acontecer, nenhuma vacina tem 100% de eficácia. Ainda mais quando feita às pressas, para evitar uma tragédia ainda maior do que a que nosso país vem vivendo. Não é o cenário ideal de pesquisas, mas os profissionais envolvidos correm contra o tempo.
Devemos continuar usando máscaras, mantendo distanciamento e evitando sair sem necessidade. Entender que tão cedo não poderemos aglomerar. Não há jeito seguro de fazer festa. Claro que devemos celebrar a vida, mas só entre os mais próximos.
E como se não bastasse o corona, tivemos mais uma morte chocante essa semana. Bruno Covas derrotado pelo câncer. Independente de suas posturas políticas, era um homem jovem, também no auge da vida. Ele completou 41 anos em abril, eu completo em dezembro.
Paulo Gustavo tinha 42, também próximo à minha idade. Dá uma sensação estranha ver pessoas da minha faixa etária sendo arrancadas da vida de forma tão bruta. Uma sensação de que a vida é frágil como uma teia de aranha que se desfaz facilmente ao toque de um dedo.
O que se pode fazer? Viver. Como dizia o poetinha: “cada segundo como nunca mais”. Cada dia é uma dádiva. Cada amanhecer é um presente. Envelhecer, apesar das dores e das dificuldades, é algo a ser grato. Muitos não terão essa oportunidade.
É como bem cantou a Pitty tempos atrás:
“Não deixe nada pra depois
Não deixe o tempo passar
Não deixe nada pra semana que vem
Porque semana que vem
Pode nem chegar”