Uma boa história é meio caminho andado para um bom livro. Há exceções evidentemente. Um livro em que a forma sobressai diante da trama, pode ser o caso de Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. Nesta obra, a beleza e a arte da escrita são tão fortes que o enredo fica em segundo plano.
Não sei se foi por isso que Nassar escreveu apenas esse belo livro e se recolheu as lides de sua fazenda no interior de São Paulo. Trata-se de escritor de um livro só. Talvez Nassar concluiu que não poderia superar sua arte e desistiu de escrever outros livros. Preferiu a reclusão do campo.
Mas claro, o melhor acontece quando estamos diante de um livro com as duas coisas: arte na escrita e uma boa história. Um livro em que estão presentes esses requisitos é no pequeno grande livro de João Ubaldo Ribeiro, Sargento Getúlio, publicado em 1971. Trata-se de uma história universal adaptada as mazelas dos nossos costumes políticos, da nossa gente. Uma novela dos que mandam e dos que obedecem. Neste livro predomina a força da história.
Depois desse primeiro romance de João Ubaldo, escrito quando o autor tinha menos de 30 anos, outros livros foram escritos por ele, como o aclamado Viva o Povo Brasileiro de 1984. Mas, na minha modesta opinião, seu melhor é esse pequeno – 171 páginas – grande livro: Sargento Getúlio.
A primeira frase do livro resume a trama: “Nesta história, o Sargento Getúlio leva um preso de Paulo Afonso a Barra dos Coqueiros no sertão de Sergipe. É uma história de aretê”. Encarregado de escoltar um preso político de uma cidade a outra, no meio da viagem recebe uma contra ordem do chefe político. Na capital a situação política se alterou e seu chefe perdeu o poder. Diante deste fato mandam um recado para libertar o preso.
Acontece que na cabeça do sargento não há espaço para contra ordens, para mudanças ocasionais no poder, para as circunstâncias políticas que mudam ao sabor dos ventos. Na sua vida sempre cumpriu suas tarefas até o fim. Assim decide cumprir sua missão a despeito da nova ordem. Para um sertanejo a palavra empenhada tem que ser cumprida, mesmo que isso coloque em risco sua própria vida.
Getúlio não compreende a mentalidade dos poderosos, a linguagem do poder, os conchavos, o jogo de interesses. Para ele o mundo é linear, uma ordem deve ser cumprida e ponto, mesmo que o cumprimento dessa ordem o leve a morte.