Quando no artigo Como ficou plano de incentivo a demissões na Pirelli, publicado pelo Seguinte: em 9 de setembro, elogiei o acordo para um Plano de Demissão Incentivada (PDI) firmado pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Borracha de Gravataí e a empresa que fecha a fábrica de Gravataí em 2021, li críticas.
Uma delas, por WhatsApp, do presidente subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Deivti Dimitrios.
Decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) neste mês confirma o alerta que fiz de que era “o momento perfeito para o acordo”.
– Sim, porque uma ‘tempestade perfeita’ se formava sobre os trabalhadores da Pirelli, já abatidos com o anúncio do fechamento da fábrica. Decisão deste ano do ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos trabalhistas envolvendo turnos de revezamento e intervalos, justamente o grosso das reclamatórias dos funcionários da fábrica de Gravataí – escrevi, explicando que “com as repercussões da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) os trabalhadores poderiam aguardar anos pelos processos e, ao fim, vê-los extintos e não receber um centavo”.
Agora se confirma que, com a decisão do TST, podem ser paralisados de 40% a 60% dos processos trabalhistas no país.
Dia 10, a Subseção de Dissídios Individuais 1 (SD-1) do tribunal decidiu por 8 votos a 6 que uma decisão de Gilmar Mendes, no STF, tem aplicação ampla. Ao analisar recurso da Mineração Serra Grande, de Goiás, no processo de 1 trabalhador que questionava uma cláusula sobre cálculo de horas extras, Gilmar havia determinado em julho de 2019 que devem ser suspensos “todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem em território nacional”.
A estimativa de reclamatórias paralisadas foi feita ao jornal Valor Econômico pelo ministro Vieira de Mello que, seguindo o entendimento do ministro Claudio Brandão, entendeu que a determinação de Gilmar deveria aplicar-se apenas a casos que envolviam a inclusão de horas de trajeto no cálculo de horas extras, tema do processo analisado pelo ministro do STF.
Foi voto vencido: a maioria do SD-1 entendeu que a decisão é mais abrangente e se estende a qualquer negociação entre empregados e contratantes.
O resultado suspende os processos até que o plenário do STF se debruce sobre o tema.
Ainda não há data definida para isso.
A ‘tempestade perfeita’ só não pegou os trabalhadores da Pirelli de Gravataí porque cerca de 700 aderiram à convenção coletiva, formulada sob supervisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
Como costumo dizer, não é torcida ou secação por sindicatos ou empresários, advogados ou magistrados: são os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos. Antes de opinar, consultei o juiz Eduardo Batista Vargas. O responsável pela conciliação, ao lado do colega Jorge Alberto Araújo, garantiu ao Seguinte:.
– Havia risco para os trabalhadores, tanto em ações individuais, como coletivas.
Integrante do Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc), que há dois anos e meio media conflitos entre capital e trabalho, empregadores e empregados, Vargas assegura que, independentemente de qualquer decisão, seja no TST, ou no STF, o acordo não pode ser anulado ou barrado na petição inicial, como já aconteceu com processos no TST ou mesmo na Justiça de Gravataí, após a liminar de Gilmar Mendes.
Traduzindo do juridiquês: não está mais em discussão o turno de revezamento ou intervalos, que poderiam estar sujeitos a revisão conforme decisão futura do STF, que já tem aplicação hoje com as suspensões de processos. Os valores do PDI já estão no papel, em comum acordo entre a Pirelli e o sindicato.
Ao fim, reafirmo: foi o momento perfeito para o acordo porque a Pirelli poderia ter saído da mesa de negociações em 28 de junho, quando Gilmar Mendes proferiu a decisão. Aí, mais do que ‘taliani bona gente’, entra o que chamo ‘ideologia dos números’. Os italianos não decidiram em Milão fazer caridade na Aldeia dos Anjos. Obviamente calcularam que seria maior o prejuízo de manter a ‘depressão no chão da fábrica’, que refletia na queda vertiginosa na produção de pneus em Gravataí, o que poderia piorar nos próximos dois anos, proporcionalmente à deterioração da relação entre trabalhadores e a empresa.
Assim, chegou-se a uma saída pacífica, e com a perspectiva de produção a pleno, mesmo em meio a uma tristeza do tamanho de Gravataí pelo fechamento daquela que era apontada como a melhor empresa para trabalhar, sonho de executivos até jovens da periferia.
O cálculo da ‘ideologia dos números’ também valeu para os trabalhadores.
Afinal, garantiram mais de R$ 70 mil, além das indenizações e outros benefícios que listei no início do artigo. Para conseguir esse valor líquido teriam que ganhar em uma ação individual pelo menos R$ 120 mil, já que precisariam ser descontados 30% de honorários advocatícios e 8% de INSS. E os valores serão corrigidos, na data da demissão, pelo IPCAE, índice que vem sendo usado pelo TRT-RS justamente após vitória de escritório de Gravataí, o Kahle e Bittencourt Advogados, hoje em 6% frente à TR, que é recomendada pela Reforma Trabalhista, e resta zerada neste 9 de setembro.
Valeu o esforço do sindicato da borracha, que já saudei em junho no artigo Tirando a bunda da cadeira para socorrer Pirelli; Eles Não Usam Black-tie. Foram ‘Otávios’ e não ‘Tiões’, do clássico Eles Não Usam Black-tie. Se em alguns meses, ou anos, ações individuais forem extintas, ou os trabalhadores perderem as causas, e, na crueldade máxima, forem obrigados pelas novas regras trabalhistas a pagar custas do processo e os advogados da empresa, os demissionários que aderiram ao inédito acordo poderão dizer que ganharam mais de R$ 70 mil 'de presente’.
E sem precisar torcer por uma decisão de Gilmar Mendes e do STF a favor dos trabalhadores.