coluna da marcilene

Sobre envelhecimento e promessas de imortalidade

Autorretrato, de Paula Modersohn-Becker, 1906

Quando criança, ouvia minha mãe falar de como seria o mundo no ano 2000. Na verdade, ela falava sobre o fim do mundo. “Mil passarão, mas dois mil não chegarão”, era o que dizia. E eu fazia as contas para saber quantos anos teria no ano 2000. Trinta e cinco. “Seria uma velha!”, pensava. A velhice era algo assustador e o temor de envelhecer era alimentado diariamente pela minha mãe.

Lembro-me dela, em frente ao espelho, passando base e pó de arroz: “Velhice é uma praga. Não sei por que temos que envelhecer”. E seguia o ritual diário de maquiar, passar batom, pentear os cabelos, sempre tendo o cuidado de arrancar os brancos.

Não me lembro muito bem o que eu pensava na época. Fosse hoje, diria para ela que envelhecer é parte da vida e a única alternativa à morte prematura.

Minha mãe foi uma mulher bonita, de cabelos pretos e lisos, que passou a tingir de louro pouco depois dos 40, quando os brancos começaram a incomodá-la. Ela já tinha trinta e dois anos quando nasci, a segunda entre quatro filhas.

Não se preparou para envelhecer. Desejava tanto ser eternamente jovem que passou a acreditar nisso e negligenciou o tempo que não foi avisado sobre isso. Não posso julgá-la.

Ao chegar aos 50, me vi diante do espelho perguntando o que eu fiz nesses anos todos. Vejo minha história sendo contada ali, na minha cabeleira preta que insiste em branquear e nas rugas que não estiveram sempre ali.

Ao contrário da minha mãe, não penso em clarear os cabelos. Decidi assumi-los, para horror de algumas amigas. E assumir os brancos é, decididamente, assumir que estou envelhecendo.

Nessas horas, sempre me pergunto o que, de fato, isso significa e por que as pessoas temem algo do qual não somos capazes de escapar.

Há pouco tempo, li em algum lugar, que não vou me lembrar agora (um sintoma da velhice que se aproxima?), que os humanos irão viver cada vez mais e que isso fará com que sejamos obrigados a conviver com a velhice, com a idade e com as limitações que ela nos impõe.

Em uma conferência realizada em Nova Iorque em 2013 (Global Future 2045 World Congress), o engenheiro do Google Ray Kurzweil afirmou que o avanço da tecnologia permitirá reprogramar células para se “livrar” de doenças e, também, gerar tecidos em impressoras 3D.

A tecnologia não promete apenas nos livrar dos efeitos da velhice como nos tornar seres imortais.

Essa ideia subverte a lógica com a qual estamos acostumados a pensar a velhice: não mais como aquela que nos anuncia o final da vida, mas como uma parte significativa dela. Mais tempo de vida pode sugerir mais tempo para realizar, para produzir, para vivenciar experiências que não nos foram permitidas em tempos de juventude.

Ainda assim, a tecnologia não nos diz o que fazer com nossas vidas velhas. Também não mostra como iremos resolver questões como relacionamentos, trabalho, lazer, convivência.

Talvez, haja avatares, como no filme Substitutos, ou cérebros sendo reprogramados para “viver” como sistemas operacionais e corpos jovens armazenados e vendidos a quem puder pagar por eles.

O tempo dirá. Por ora, penso que se a velhice não nos levará mais a pensar na morte, resta saber para que servirá viver tanto tempo assim.

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