jeane bordignon

Sobre frutificar: como você iniciou 2022?

Como você iniciou 2022? Eu comecei respirando ar puro e fotografando as riquezas da terra. Fazia um tempo que eu não ia para lá, o lugar onde meu pai “recarrega as baterias”. E ele faz isso trabalhando na terra: plantando, arrumando canteiros, fazendo enxertos, limpando os matos, e claro, colhendo o resultado do trabalho.

E quem só viu frutas e legumes no supermercado não sabe a lindeza que é ver uma árvore carregada ou um canteiro recheado. Mesmo com a seca dos últimos meses, tem cada abobrinha, melancia, abacaxi, crescendo lá! E os pés de lichia e graviola estão cheios de frutas! Não faz muito, eram as árvores de pêssego e carambola que chegavam a estar com galhos descendo de tanto peso. Sem falar nos limoeiros e laranjeiras! Ah, e as acerolas já estão começando.

As verduras sofrem mais com o sol escaldante do verão, então a horta não está mais tão verde, mas na primavera as couves e repolhos estavam gigantes. E as cebolinhas nem podiam mais ser chamadas no diminutivo.

Ainda tem espaço para umas bananeiras e uns pés de milho no meio de tudo isso. E seu Sérgio está sempre querendo plantar alguma coisa nova. Principalmente se desafiar a cultivar plantas que não são nativas daqui. Não duvido que consiga, porque ele estuda a época certa (inclusive as luas), a forma de cuidar…

Justamente por plantar a vida inteira, meu pai conhece a sabedoria da natureza. Sabe que não adianta teimar em plantar fora do tempo, em terra não adequada, e não cuidar. Se as colheitas dele são fartas, não é só porque tem o que chamam de “mão boa”, mas porque respeita o tempo de cada etapa e as características de cada planta. Um bom agricultor sabe que ele é só instrumento…

E como todo instrumento, a terra vai vibrar boa música se for tocada do jeito certo. Esse jeito não é feito só de regras, mas de respeito e carinho. Plantas também reagem a afeto, não é loucura, quem já viu, nem que seja um vaso de flor, cuidado com carinho, sabe disso.

Será que nós, bichos humanos, somos tão diferentes das plantas e do solo? O que precisamos, no fundo, não é exatamente o mesmo? Que respeitem nosso tempo e nossas características, que nos tratem com carinho e, mais uma vez, respeito. Por que é tão básico, e ao mesmo tempo, tão complicado?

Meu pai cresceu na roça, e quando veio morar “na cidade”, sempre arrumava um terreno emprestado para plantar. Na minha infância ainda era assim. Em 1994, meu avô, também um homem da terra, comprou esse pedaço de chão no Passo do Pinto, e eles começaram o roçado lá. Quando o vô Osvaldo se foi, em 1999, meu pai herdou o sítio, e desde então só aumentou a variedade de plantas daquele lugar.

Acredito ser uma privilegiada por na maior parte da minha vida ter acesso a legumes, verduras e algumas frutas direto da roça. Melhor ainda: plantadas pelo meu pai. Foi a coisa que eu mais senti falta durante o tempo em que fiquei longe. Até porque hortifruti de mercado jamais serão a mesma coisa.

Também é um privilégio, desde sempre, acompanhar todo o processo de preparar a terra, cultivar, cuidar e colher. Talvez eu devesse ter prestado atenção antes nesse rico aprendizado, mas o importante é que hoje a terra me ajuda a ter mais calma na vida. Ao olhar para a horta e as árvores cheias de frutos do meu pai, entendi que se eu continuar semeando e cuidando da minha arte, vou colher os resultados.

Numa das idas anteriores ao sítio, nasceu esse poema:

 

LIÇÕES DA TERRA
Tudo na vida
é feito de
semear
regar
e saber esperar
o tempo certo
de colher.

Cada etapa
com sua sabedoria.
Escolher o chão.
Entender a dose do cuidado:
nem demais que afogue
nem de menos que falte.
Esperar o momento
de saborear
em plenitude
os frutos.

Compreender que somos
instrumentos, e não donos.
Aceitar que não temos
o poder sobre o tempo:
apressar cobra um preço
em sabores distantes
ou mãos vazias.

A vida é feita
de semear
regar
e colher.
Meu pai planta
laranjas, tomates e couves
(dentre outras cousas…)
Eu, na cidade,
planto sonhos
e esperanças.

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