Acidentes acontecem e – pelo menos em sã consciência – ninguém gosta de atropelar um animal. Inadmissível é, se realmente ocorreu, como relatam protetores, o deboche por parte de funcionário da Prefeitura após atingir um cãozinho dentro da área do Canil Municipal de Gravataí, nesta terça.
Deu até na GaúchaZH, o que de certa forma mancha a imagem de Gravataí como ‘cidade amiga dos animais’ – uma menção que, para além de premiações, é verdadeira, pelo que tem sido feito em investimentos pelo governo Marco Alba e em dedicação por nossa ‘Palmira da Aldeia’, a coordenadora do canil Márcia Becker.
Vamos à notícia, depois acrescento o que apurei para além da reportagem de Lucas Abati, inclusive com uma entrevista com o funcionário. O diretor-presidente da Fundação Municipal de Meio Ambiente (FMMA) Rafael Evaldt não atendeu ao celular e nem respondeu WhatsApp enviado pelo Seguinte: nesta tarde.
Também comento – sempre alertando que, ativista da causa, quando escrevo sobre ocorrências envolvendo animais, me esforço ainda mais para que minha paixão não atrapalhe meu senso de justiça.
Siga trechos do que reportou ZH em Filhote de cachorro é atropelado por servidor da prefeitura no canil de Gravataí:
“(…)
O filhote ficou gravemente ferido após ser atropelado por um carro conduzido por servidor da Prefeitura, na terça-feira. Conforme a coordenadora do estabelecimento, Márcia Becker, o atropelamento ocorreu numa área em que a entrada de carros não é permitida.
O servidor, que é lotado na Fundação Municipal do Meio Ambiente, estava no canil para entregar medicamentos para os cães. O filhote foi levado para a sala de cirurgia do próprio canil e foi operado por dois veterinários.
— Ele está estabilizado. Está no oxigênio. Teve edema pulmonar, mas como foi atendido rapidamente sobreviveu — disse Becker.
No momento do atropelamento, um grupo de protetores de animais estava no canil, o que acabou gerando um princípio de confusão. A coordenação do canil encaminhou um relatório para a Fundação do Meio Ambiente e registrou um boletim de ocorrência.
(…)”
A Prefeitura de Gravataí divulgou nota:
(…)
Trata-se de um acidente. Um servidor da Prefeitura acabou atropelando um cachorrinho, que imediatamente foi atendido pela equipe médica do próprio canil. No local estava um grupo de protetores dos animais. Deu-se uma discussão. O cãozinho está sendo tratado e medicado. Gravataí é uma cidade amiga dos animais e mantém um canil que é referência no Rio Grande do Sul.
(…).
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Vamos ao que apurei hoje. Não usarei nomes, porque só interessam ao Grande Tribunal das Redes Sociais.
Para começar, o principal. O cãozinho, batizado de Pequeno, ainda corre risco de vida, mas minutos atrás já começava a conseguir sentar, após mais de um dia apenas deitado. Caso sobreviva, será adotado pela própria Márcia Becker, que o levará para fazer companhia à família de centenas de animais, entre cães, gatos, cavalos e até porcos, que resgata das ruas, grande parte idosos ou com deficiência causada por acidentes, em seu sítio, onde cuida dos animais com recursos próprios.
O animalzinho estava solto – e, como a coordenadora reafirma: numa área onde é restrito acesso de veículos – e não nas baias do Canil por ser filhote e correr risco de, em contato com cães adultos, contrair alguma doença. Pequeno, junto a outros dois irmãos, tinha sido resgatado nesta semana de um morador de rua, atendido pela Secretaria da Família, Cidadania e Assistência Social, que os carregava no sol em uma minúscula gaiola.
Uma das testemunhas que estava no Canil relata que depois do atropelamento o CC da Prefeitura teria debochado:
– Quer que eu ore pelo cachorro?
Em post em seu perfil no Facebook, acusou o CC de, fotografado enquanto descarregava o carro, ter rido dos protetores e dado um carteiraço, dizendo que, como era funcionário da Prefeitura e dirigia um veículo oficial, o caso “não ia dar nada”.
O Seguinte: localizou o CC, que é funcionário do Canil cedido à FMMA.
– Foi um acidente, já tinha feito carga e descarga ali naquele local. Como o Fusca é barulhento, só percebi o atropelamento quando uma senhora gritou comigo ao abrir a porta do carro. Pedi perdão, mas admito que, depois de cercado e xingado de assassino por um monte de gente, posso ter me excedido nas respostas – lamenta o servidor, que conta ter há 12 anos um trabalho com dependentes químicos junto à sua igreja evangélica.
– Não foi de propósito. Deixo nas mãos de Jesus – diz, alegando após o incidente estar sofrendo ameaças, a ele e sua família.
Comento.
Em minha avaliação, Gravataí é uma ‘cidade amiga dos animais’. Não é um paraíso, porque não existe um lugar além do arco-íris onde vivem felizes para sempre os cães negligenciados por proprietários, ou que perambulam pelas ruas revirando lixo, famintos, com sarna ou feridos. Resgatados, vão para o Canil. Recebem tratamento veterinário, são castrados, mas se não houver adotantes, envelhecem em baias de 3,80 por 7 metros. No dia de hoje, há 320 cães lá, esperando uma família. E mais 33 cavalos para os quais a Prefeitura procura fiéis depositários que tenham campo para aposentadoria, já que foram retirados de trabalhos forçados nas ruas.
Em uma cidade que no passado já fez ‘limpeza’ de cães das ruas, aos moldes da Rússia na última Copa do Mundo, e existem fotos em inquérito do Ministério Público para provar, há de se aplaudir o investimento de R$ 100 mil mensais no Canil, onde dois veterinários fazem em média 30 consultas por dia e castram 150 animais por semana, além de realizarem cirurgias como retirada de tumores e, inclusive, o que é comum na zona rural, retirada de espinhos de ouriço. Há ainda a coordenadora, outro servidor administrativo e 11 tratadores, que alimentam os cães com ração Premium – quem tem animais, se preocupa com a saúde deles, e tem condições financeiras, sabe bem a diferença, para melhor, e no preço muito mais caro, em relação àquelas rações coloridas e cheias de sal e resíduos que se compra em balaios de agropecuárias.
Inegável é que incidente assim, com repercussão na mídia estadual e nas redes sociais, mancha essa boa imagem da política de Gravataí para os animais. Mas o caso precisa ser bem apurado, inclusive por um expediente administrativo ouvindo todos os envolvidos. Impensável crer que o atropelamento tenha acontecido de propósito. Mas, se avaliado que o CC realmente debochou da fatalidade, e não consegue se relacionar com gente envolvida com a causa animal, me parece óbvio considerar que está no lugar errado ao prestar serviços ao meio ambiente.
Canil não pode ser cadeira no cemitério.
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