– Mamãe, o que os passarinhos tão fazendo?
Era entardecer, os passarinhos voavam alucinados atrás dos insetos.
– Estão caçando mosquitinhos.
– Por quê?
– Porque é a jantinha deles, filho.
Nova pausa. Os olhinhos vidraram e, logo, veio a pergunta:
– Mamãe, depois os passarinhos vão tomar guaraná de mosquitinho?
Meu filho Augusto tinha dois anos quando esta história se deu. Projetou sua realidade no bebê passarinho. Costumamos achar isso lindo, sempre que presenciamos cenas parecidas. O olhar infantil nos comove, porque a forma como a criança vê o mundo tem profundidade na singeleza. Era apenas um passarinho? Não. Era um bichinho que também sentia sede, como meu filho sentia.
Já fomos capazes de olhar assim, mas nos esquecemos disso ao longo da vida.
Menos os poetas. Eles não esquecem de olhar diferente.
Com passarinhos e verbos delirantes, Manoel de Barros soube explicar bem esse olhar infantil, em sua poesia:
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.
(Manoel de Barros, in: O livro das ignorãças)
O verbo que delira e a criança que lhe muda a função são, para nós, ensinamentos. Precisamos sair do uso prosaico das palavras, para não sermos esmagados pelo excesso de realidade. De verbos alinhados e corretamente empregados já estamos cheios; rejeitemos a rotina das palavras que nos endurece.
Hoje o dia tem sol.
Vamos escutar a cor dos passarinhos enquanto eles tomam guaraná de mosquitinho?