3° Neurônio | Ernani Ssó

Soleirismo ou filosofia de soleira

Minha amiga Maia Sprandel lamentou esses dias a falta de soleira na rede mundial de computadores. Não é maluquice dela, não, mas uma referência ao soleirismo, ou filosofia de soleira, corrente de pensamento que nasceu no final dos anos 70, começo dos 80, numa varanda em Santa Catarina. Foi muito influente na minha geração. Entre suas vítimas, podemos contar a Maia e eu mesmo.

O que era exatamente o soleirismo? Sei lá. Mas lembro direitinho daqueles momentos na soleira ou na rede com meninas bonitas, olhando o mar, com todas as horas dedicadas à arte mais difícil: não se levar a sério. Ou de vários filósofos empoleirados na varanda, rindo como uns loucos de si mesmos. Lembro também do nosso grande sonho: a construção de uma casa com varanda nos quatro lados, pra termos uma visão mais ampla da realidade.

Naturalmente fundamos uma revista, A Soleira, que tinha uma grande e socrática vantagem: não precisava ser escrita. Em todo caso, A Soleira continua em ação até hoje: cobrimos desde surf até gado vacum. E inclusive cobrimos…

Como a Maia, lamento a falta de soleiras nos dias de hoje, ou essas pobres soleiras com a parede do prédio ao lado a poucos metros, ou a necessidade de desperdiçar tempo com coisas menores, como correr atrás de três refeições diárias. Tudo isso é um baque no pensamento ocidental – no oriental também, com a atual ascensão da China. Mas, cuidado, os soleiristas continuam à solta, infiltrados onde menos se espera. Como dizia aquele velho hippie, somos como a ferrugem: nunca descansamos.

 

Soleirismo x Nadismo

 

Sérgio Fantini, escritor mineiro que realizou o sonho da rede própria de todo filósofo de soleira, me falou de um movimento chamado nadismo. Os nadistas pegam um cubo branco, vão pra um parque e ficam por lá, sem fazer nada por cinquenta minutos.

Os nadistas não estão com nada, digamos, pra cunhar uma frase. Eu, em meia hora num parque, ficaria com torcicolo se não tivesse uma cervical de coruja, vendo as mulheres bonitas passar. Nós, os filósofos de soleira – ou soleiristas, como ficamos conhecidos depois da defesa de nossas teses, tesinhas e tesões pelas varandas da costa brasileira –, propomos um não fazer nada ativo, se é que me entendem. Pra usar uma palavra muito feia, nós, soleiristas, desfrutamos.

Mas por que cinquenta minutos? Nós nunca olhamos pro relógio antes de não fazer nada, ou mesmo depois. Se há sol, se não deu nordestão, por que se preocupar? Pra mim a submissão burocrática dos nadistas foi a pá de cal. Não merecem o mínimo respeito.

Sem falarmos do cubo branco. Frescura nenhuma justifica isso.

 

Ernani Ssó é escritor, vive em Porto Alegre. Colabora com os sites Coletiva Net Sul21, e virou colaborador fixo do Seguinte:

 

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