O Supremo Tribunal Federal praticamente aterrou qualquer chance da Estre instalar uma central de resíduos e uma termelétrica para gerar energia a partir do biogás em Glorinha. O tribunal confirmou que aterros sanitários não poderão mais construir em áreas de proteção ambiental. O município a 28 minutos de Gravataí tem nove a cada 10 de seus 323,6 km² de território dentro da chamada APA do Banhado Grande. A área de 230 hectares, localizada na Vila Nova, a seis quilômetros do Centro, adquirida pela gigante do lixo na América Latina por R$ 5,5 milhões no ano passado, perpassa a área protegida desde a edição do Decreto Estadual n° 38.971, de 23 de outubro de 1998.
A polêmica explodiu no ‘paraíso entre a Capital, a Serra e o Mar’ como gás metano quando o Seguinte: revelou as negociações entre o prefeito Darci Lima da Rosa e o ‘Rei do Lixo’, o bilionário Wilson Quintella Filho, por motivos óbvios muito bajulado e mecenas de altos políticos, que no ‘mercado’ tem como cartão de visitas o padrinho Olacyr de Moraes, ex-rei da soja, hoje atual-mineração.
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Atualmente, a Estre – que está entre as 200 maiores do Mercosul, tem ações a um valor de mercado inicial de 1,1 bilhão de dólares na Nasdaq, a bolsa norte-americana e representa 10% do que é movimentado anualmente no setor em todo Brasil – faz ajustes ao projeto para passar pela análise da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão com poder de autorizar ou barrar o megaempreendimento de R$ 100 milhões.
Avalista da promessa de mil empregos entre a fase de instalação e o chão da fábrica, e entusiasta das projeções de que, em quatro anos o orçamento do município dobraria até os R$ 60 milhões, o prefeito em terceiro mandato e que via na Estre a ressurreição da Goodyear que desistiu de Glorinha após a Ford pinotear do Rio Grande, também já protagonizou um recuo político, em 20 de dezembro, em entrevista exclusiva ao Seguinte:, ainda dolorido das críticas por abrir as porteiras para o empreendimento:
– Se a Estre for poluente, não sou louco de aceitá-la em Glorinha – disse, de seu jeito sempre direto, um Darci que cinco meses antes, ao lado de seis vereadores, voltou de Fazenda Vargas, no Paraná, maravilhado com a tecnologia do aterro da empresa a 30 quilômetros da capital Curitiba.
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Sem utilidade pública
O que o STF decidiu na quarta-feira é que as obras destinadas à gestão de resíduos sólidos não são de utilidade pública e, portanto, não poderiam ocupar essas zonas de preservação ambiental. Nos tapetes ocres da suprema corte a decisão já era prevista: restava apenas o posicionamento do ministro Celso de Mello, que também votou pela inconstitucionalidade da permissão, ao lado de outros oito ministros.
Também sem surpresa foram os votos de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que defenderam a maior flexibilização para instalação dos empreendimentos tanto de ‘lixeiras’ nacionais como internacionais.
O Seguinte: tenta desde a manhã desta segunda contato com o prefeito Darci Lima da Rosa e com a direção da Estre, mas não houve retorno.
Mas a mudança assustou as empresas de resíduos sólidos, já que aproximadamente 80% dos aterros regularizados passam, ao menos parcialmente (como seria o caso de Glorinha, no caso da Estre), por essas regiões, segundo estimativa da Abetre, associação que representa as companhias do setor.
Hoje, essa autorização é prevista em um artigo do Código Florestal de 2012, cuja constitucionalidade foi questionada no STF, juntamente com outros dispositivos do texto.
Segundo advogados da entidade, as empresas pedirão embargos de declaração para esclarecer pontos considerados obscuros, principalmente na decisão do relator do caso, Luiz Fux, cujo voto foi seguido por parte dos ministros.
5 anos no lixo
Os aterros construídos não deverão sofrer punições, mas a restrição limitará a construção de novos aterros e dificultará a expansão daqueles já existentes, segundo as empresas.
– Corre-se o risco de perpetuar o que ocorre hoje, que é 45% dos resíduos indo para lixões – afirma Fabricio Soler, sócio da Felsberg Advogados especializados na área e que representa a Abetre.
– Pela experiência, é difícil encontrar áreas aptas que não interfiram em áreas de proteção – alerta.
A escolha da área em Glorinha custou cinco anos de estudos, como o próprio ‘Rei do Lixo’ revelou na entrevista exclusiva ao Seguinte:, em agosto. Desde a revelação do negócio, a instalação da central de resíduos é criticada por um movimento de moradores, empresários e ambientalistas, além de acompanhada pelo Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do Ministério Público (Nucam), que tem a frente a Anelise Grehs. Filha do renomado geólogo Sandor Grehs, um dos primeiros a alertar nos anos 80 que o projeto do Shopping Iguatemi provocaria reflexos, e alagamentos, quilômetros adiante em todo eixo norte de Porto Alegre e Cachoeirinha, é a promotora responsável por inquérito que há três anos barra a instalação em Viamão de um empreendimento da Solvi – outra ‘lixeira’ gigante que atualmente detém o monopólio dos aterros no Rio Grande do Sul e, com a chegada da concorrente, trava uma silenciosa guerra do lixo nos bastidores da política e dos órgãos ambientais de estado – pelas três áreas indicadas estarem num raio de 10 quilômetros da área de proteção integral no Refúgio Silvestre Banhado dos Pacheco, onde ocorreram os últimos avistamentos dos quase extintos cervos do pantanal.
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Os argumentos contrários à flexibilização destacam os riscos de contaminação do solo e dos lençóis freáticos. Isso Brasil afora, não só na Glorinha que receberia, com a vinda da Estre, o lixo de aproximadamente 40 municípios num raio de 150 quilômetros, da Grande Porto Alegre, Serra e Litoral, conforme os estudos iniciais apresentados à Fepam.
Um dos votos contrários à ocupação de áreas de proteção, dado pelo ministro Marco Aurélio, destaca que o uso de substâncias químicas inerentes à operação dos aterros pode gerar danos ambientais. A ministra Carmen Lúcia ressaltou que, neste caso, as desvantagens de desmatar as áreas superariam os benefícios dos empreendimentos.
Para Sérgio Gonçalves, diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), o próprio processo de licenciamento ambiental pelo qual os empreendimentos precisam se submeter já dá conta de analisar se o impacto compensa ou não os benefícios da obra.
– Nem todas as áreas de proteção são próximas de cursos d´água, onde haveria mais risco de contaminação. A maior parte das áreas de preservação onde há intervenção de aterros são regiões próximas de montanhas e não de cursos d´água. Você cria restrições que dificultam a construção. Não pode ter empreendimentos de resíduos perto da cidade. E agora também não poderá ter perto dos morros. É preciso ter algum local para a disposição desses resíduos.
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Opinião
A decisão do Supremo, além de cair como bomba na ‘guerra do lixo’ travada pelas empresas, também antevê problemas políticos para os prefeitos. As ‘lixeiras’ projetavam garimpar ouro fácil nesse mercado com tantos zeros após a vírgula por 2018 ser o prazo final para cumprimento das regras previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2004 para vigorar em 2014, e já adiada para este ano.
O Brasil tem 679 aterros sanitários, contra 1.794 lixões ou aterros com controles menores que os sanitários, segundo dados de 2015, os mais recentes divulgados pelo Ministério das Cidades. Só aqui no nosso quintal, significa que, pela última estimativa do Tribunal de Contas do Estado, feita em 2014, quase metade dos 497 municípios gaúchos terão que acelerar processos de adequação da destinação do lixo, sob o risco de perder repasses do governo federal e arcar com multas milionárias.
Para quem sente de longe o cheiro dessa polêmica, a única certeza é de que os bilhões gastos pelos municípios para dar destinação aos resíduos de mais de 200 milhões de pessoas se reproduzirão mais que sacolas esperando o caminhão passar pelas ruas do Brasil afora. E os suspeitos de sempre ganharão cada vez mais. Afinal, é lei do mercado: quanto mais difícil, mais caro.