Como antecipei no artigo Ipag Saúde será extinto, publicado terça no Seguinte:, o plano de saúde dos servidores de Gravataí vive sua Quarta-Feira de Cinzas. O sindicato dos professores alertou em “comunicado de urgência” na noite deste domingo sobre a ameaça de suspensão dos atendimentos médicos no Dom João Becker, afixada nas dependências do único hospital de alta complexidade do município e distribuída em mensagens apócrifas pelo WhatsApp.
Às 17h desta segunda, novo comunicado do SPMG informa que "atendendo a um pedido dos representantes do SPMG/Sindicato no conselho deliberativo do Ipag e sensibilizados com a situação enfrentada pelos servidores municipais e suas famílias com a suspensão dos atendimentos, a direção do Hospital Dom João Becker informa a retomada dos atendimentos de emergência até quarta-feira".
Siga o texto distribuído pelo SPMG nas redes sociais no domingo de Carnaval; a reprodução de ofícios enviados ao prefeito Marco Alba, à diretora-presidente do instituto Janaína Balkey e à direção do HDJB; o que dizem Prefeitura, Ipag e Santa Casa; e depois comento.
A NOTA DO SPMG
“(…)
Na sexta-feira, dia 1º de março, o SPMG/Sindicato recebeu, pelo whatsapp, algumas mensagens com uma imagem que “imita” o nosso estilo de divulgação dos informes aos trabalhadores em educação. Esse “tal comunicado”, sem assinatura, afirma que o Hospital Dom João Becker não atenderá mais o IPAG Saúde, a partir do dia 4 de março (amanhã, segunda-feira de Carnaval).
A direção do SPMG buscou informações que comprovam a veracidade do “tal comunicado”, que está fixado nas dependências do HDJB.
Em defesa do direito dos beneficiários do IPAG Saúde ao atendimento hospitalar, e também dos ambulatoriais, consultas e exames, acionamos a assessoria jurídica do SPMG e oficiamos a presidência do IPAG e o prefeito municipal, para que imprimam agilidade na resolução das dívidas, criadas em 2018, do IPAG Saúde com os prestadores de serviço, haja vista que há recursos na conta do IPAG Saúde, o que permite estabelecer negociação e parcelamento dos débitos.
Consideramos que, se a presidência do IPAG, indicada pelo Senhor Prefeito, cumprir com as funções do cargo que ocupa e estabelecer o diálogo com a representação dos servidores, é possível superar a crise do IPAG Saúde.
Lembramos que os usuários do IPAG Saúde, servidores públicos do município de Gravataí, mantém o pagamento de suas contribuições em dia, com desconto direto no contracheque, somando um pagamento de mais de R$ 15 milhões ao ano.
Esperamos, por parte dos gestores do IPAG Saúde, Senhor Prefeito e Senhora Presidenta do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais de Gravataí (IPAG), que o atendimento hospitalar em Gravataí não seja suprimido para que não venham a ser responsabilizados pelo risco imposto à vida das mais de 10 mil pessoas assistidas pelo benefício IPAG Saúde.
(…)”
OFÍCIO DO SPMG AO HDJB
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OFÍCIO DO SPMG AO IPAG
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OFÍCIO DO SPMG AO PREFEITO
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O outro lado
Procurado pelo Seguinte:, o HDJB/Santa Casa não se manifestou até o fechamento deste artigo. Assim que houver resposta, atualizo.
Janaína Balkey, diretora-presidente do Ipag, escreve:
– As alegações feitas pelo SPMG são de responsabilidade do sindicato. Como é sabido, existe um valor do final do ano passado em aberto (seis milhões e meio), que está sendo avaliada forma de resolver para que não comprometa o orçamento deste ano já nos primeiros meses. A reunião requerida pelo sindicato está pré-agendada para dia 15 de março.
O prefeito apenas confirmou a audiência entre governo, Ipag e SPMG para o dia 15.
Comento.
Na prática, confirmou-se a ameaça de suspensão de atendimentos que alertei, e apesar de nem governo, nem Ipag ou Santa Casa confirmarem ou explicarem os motivos em detalhes, certeza é que acontece pela falta de pagamento por parte do instituto aos fornecedores.
A polêmica está só começando.
No comunicado de urgência, além de denunciar fakenews na comunicação da suspensão do atendimento no hospital, indiretamente, usando de uma negativa, a direção do sindicato insinua uma estratégia do governo para “fragilizar o instituto” e “facilitar a tomada de medidas drásticas”.
E contesta a falência do plano de saúde, que trata como “suposta insolvência”, pedindo cópias de extratos de contas e aplicações bancárias do Ipag Saúde.
Os sindicalistas cobram a falta de ações da direção do instituto para uma negociação que consideram possível com hospitais, clínicas, médicos, dentistas e laboratórios para o pagamento da dívida do ano passado e a retomada dos atendimentos.
Ao constatar o início do fim do Ipag Saúde, escrevi:
“(…)
O Ipag Saúde vai ser extinto.
Explico, recomendando aos descrentes observarem o jeito Marco Alba de governar. Não diferente dos últimos seis anos, o prefeito não vai mudar sua forma de fazer gestão a partir da receita, e não da despesa, só porque se avizinha a eleição. Enfim, não vai deixar a bomba armada para o sucessor.
O plano de saúde que cobre 8 mil pessoas, entre servidores e seus dependentes, quebrou e não há reforma que o sustente sem mais dinheiro da Prefeitura. Um socorro que Marco não vai autorizar, porque quem o conhece já ouviu dele mais de uma vez que não considera justo o bolso da maioria da população pagar a conta para o funcionalismo.
Só para tapar o rombo no caixa em 2018, foram necessários R$ 7 milhões a mais do governo. Que já colabora com 4,5% sobre a folha. Ou R$ 11 milhões, que somados aos 5,5% descontados dos funcionários, perfaz a receita anual de R$ 25 milhões. É um orçamento que, novamente, não será suficiente e dependerá do aporte de pelo menos outros R$ 7 milhões, para que atendimentos não sejam suspensos.
(…)”
São elementos que permitem considerar tarefa difícil para os sindicalistas convencer o prefeito a manter o Ipag Saúde como está: a cada ano dependente da Prefeitura para fechar as contas.
No primeiro semestre do ano passado, o alerta já tinha sido dado. Na justificativa ao projeto de lei que aumentou a contribuição dos servidores para o Ipag Saúde, Marco Alba argumentou que “recepcionava” a decisão aprovada em assembleia pelo funcionalismo, mas alertou que a alternativa escolhida não equilibrava as contas.
À época, a mesma advertência foi feita pela Lumens Atuarial, empresa que venceu a licitação aberta por Gravataí para apresentar soluções para o Ipag Saúde: a opção escolhida não resolveria definitivamente o desequilíbrio entre a receita e despesa.
Como solução definitiva, o governo e o atuário tinham preferência pelo chamado “cenário 2”, que criava uma tabela de valores conforme a idade, aos moldes de nove em cada dez planos de saúde privados.
Em outras palavras, o prefeito advertiu à época que o Ipag precisaria se virar com os R$ 25 milhões que tem, das contribuições patronais e dos servidores, para pagar a dívida milionária e manter um atendimento semelhante a bons planos de saúde. E, mesmo que os funcionários e dependentes sigam tendo suas contribuições descontadas nos contracheques, correriam risco de ficar sem atendimento caso convênios sejam suspensos por hospitais, clínicas, médicos, dentistas e laboratórios credores.
Este é um dos fatores que, na avaliação de políticos e técnicos do governo, pesa a favor da extinção: há o temor de que, sem o encerramento formal do Ipag Saúde, a Prefeitura seja obrigada, por decisões judiciais, a autorizar atendimentos e pagar dívidas do plano de saúde a partir de seqüestros de receitas que hoje já são usadas para cobrir outro déficit: o do Ipag Previdência.
O efeito cascata levaria a perda das certidões negativas de débitos previdenciários, o que barra qualquer tipo de financiamento e operação financeira da Prefeitura para realização de obras e serviços.
Ok, mas para além da ‘ideologia dos números’, a solução é jogar milhares de famílias para o SUS, que só nos últimos dois anos atende dois milhões de pessoas a mais, que não puderam mais pagar planos de saúde privados? Afinal, os ‘mais ricos’ já deixaram o Ipag Saúde em 2014, quando a contribuição por dependentes mudou, e para os servidores com salários mais altos compensou mais pagar pelos melhores planos privados do mercado.
Não há confirmação oficial, mas para não deixar o funcionalismo desassistido o governo pesquisa planos de saúde privados para uma adesão coletiva e, nas negociações com os sindicatos, deve sinalizar com reajuste nos salários usando pelo menos parte dos 4,5% sobre a folha que hoje desconta para o Ipag Saúde como contribuição patronal – foram R$ 11 milhões no ano passado, que se somam aos 5,5% descontados dos servidores, R$ 15 milhões em 2018.
Ao fim, por opção e não obrigação, pagar o ontem hoje e o hoje amanhã é uma ideia que não agrada a Marco Alba – isso não é torcida ou secação, mas uma constatação pragmática de quem acompanha a trajetória do político há mais de duas décadas. Ele não é adepto de “o orçamento é só um pouco daquilo que se vai gastar”.
Nesta Quarta-Feira de Cinzas orçamentária, talvez o Ipag Saúde não sobreviva nem caso o funcionalismo aceite mexer mais no bolso em seu fim de mês perpétuo. Infelizmente, tristezas não pagam dívidas. Mas, que até uma solução definitiva, se busque uma alternativa para que, pelo menos usuários que precisam de serviços emergenciais, não restem desassistidos.
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