3º Neurônio | opinião

Taison se impõe contra o racismo e mostra que é maior que Messi

Colorado Taison respondeu em campo e nas redes sociais a torcedores racistas que o insultavam no clássico ucraniano

Depois de não se curvar a ofensas no estádio, atacante brasileiro entrou para o panteão dos jogadores que se distinguem pela postura antirracista. O Seguinte: reproduz o artigo publicado pelo El País

 

Há 10 anos, Taison virou motivo de piada nas redes sociais após um colunista gaúcho (o falecido Wianey Carlet) escrever um artigo em tom premonitório cravando que o então jogador do Internacional seria melhor que Lionel Messi. Àquela altura, o argentino já era titular absoluto do Barcelona e havia acabado de conduzir seu time ao título da Champions League. Taison, por sua vez, construiu boa parte da carreira no futebol ucraniano. Disputou a última Copa do Mundo com a seleção, mas como reserva. No entanto, ao responder com indignação a ofensas de torcedores rivais neste domingo, entrou para a seleta galeria de atletas que se notabilizaram por enfrentar o racismo, algo que Messi ainda não alcançou.

Durante o maior clássico da Ucrânia, os brasileiros Taison e Dentinho, do Shakhtar Donetsk, foram alvo de insultos racistas de torcedores do Dínamo de Kiev. O ex-atacante do Inter reagiu de forma sanguínea. Ao sofrer uma falta no segundo tempo, ele se voltou para a torcida adversária, chutou a bola e fez um gesto obsceno em sua direção. O árbitro Mykola Balakin paralisou o jogo a fim de que os cânticos racistas cessassem nas arquibancadas, mas, ao retomar a partida, expulsou Taison por sua reação às agressões. O jogador deixou o campo chorando, e o duelo seguiu normalmente até o apito final decretar a vitória do Shakhtar.

Após o jogo, Taison publicou um desabafo em suas redes sociais, citando trecho da música “Jesus chorou”, do Racionais MC’s: “Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor.” No texto, o jogador agradeceu pelas mensagens de apoio e ressaltou a firmeza que deve ser adotada no combate ao racismo. “Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível. Minhas lágrimas foram de indignação, de repúdio e de impotência. Impotência por não poder fazer nada naquele momento. Mas somos ensinados desde muito cedo a sermos fortes e a lutar. Lutar pelos nossos direitos e por igualdade. O meu papel é lutar, bater no peito, erguer a cabeça e seguir lutando sempre! Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas.”

Dentinho também se manifestou depois de sofrer ofensas racistas no clássico, o que qualificou como o pior dia de sua vida. “Durante o jogo, por três vezes, a torcida adversária fez sons que lembravam macacos, sendo duas vezes direcionadas a mim. Essas cenas não saem da minha cabeça. Não consegui dormir e já chorei muito. Sabe o que eu senti naquele momento? Revolta, tristeza e nojo de saber que ainda existem pessoas tão preconceituosas nos dias de hoje. Não posso me calar diante de algo tão grave.”

No fim de semana passado, Mario Balotelli voltou a enfrentar os racistas na Itália. Mas seus colegas de equipe, em vez de abandonar o campo com ele, preferiram demovê-lo da ideia. O técnico adversário desqualificou sua denúncia. Não existe rede de apoio a vítimas de racismo. As campanhas da FIFA e CBF contra o racismo são inócuas. Entidades coniventes e igualmente racistas. Só haverá mudança quando a resposta afetar a engrenagem financeira do futebol. Isso implica em boicote de todos os jogadores, com o devido respaldo de torcedores e imprensa, sempre que um companheiro for vítima de injúrias raciais ao exercer a profissão.

A expulsão de Taison depois de responder aos insultos racistas apenas escancara como cartolas brancos ditam regras que condenam jogadores negros à convivência pacífica com o racismo. O futebol reproduz o apartheid em forma de fair play. E ainda há quem exija heroísmo solitário dos negros… Seria importante que um craque branco se manifestasse com veemência diante de um companheiro ofendido por racistas. Que oferecesse suporte integral para que todo o time abandonasse o gramado, não apenas a vítima. Ou um treinador branco adotar discurso tão firme como o do Roger Machado. Isso é o que devemos cobrar, não apenas atitudes de quem sofre diariamente com o racismo.

Cristiano Ronaldo se manifestou contra ofensas racistas sofridas pelo zagueiro Koulibaly, do Napoli, no fim do ano passado. Porém, como principal jogador da Juventus, se calou meses depois quando o jovem Moise Kean ouviu insultos semelhantes, e seu companheiro Bonucci responsabilizou a vítima —que, segundo ele, carregaria 50% de culpa por ter comemorado um gol em frente à torcida adversária— em vez de defendê-la. O racismo corre solto no futebol italiano. E as principais vozes brancas do país, incluindo o astro português, silenciam num momento em que deveriam se engajar de forma permanente no apoio a colegas negros.

Lionel Messi, sempre discreto e resistente em apoiar causas sociais em público, tem um histórico ainda menos edificante no enfrentamento ao racismo. Já presenciou açoites racistas a amigos como Neymar, Daniel Alves e Semedo, mas jamais se prontificou a adotar um posicionamento contundente sobre os ataques. Em 2012, o lateral holandês Royston Drenthe o acusou de ter se referido a ele, por mais de uma ocasião, de maneira depreciativa e racista com o termo “negro”. Coube ao Barcelona o papel de defender o craque, alegando que “as acusações estão bem longe de ser verdade”, já que Messi, na época, não quis comentar o caso.

É sempre bom pontuar que a luta contra o racismo também pertence aos brancos. Como rememora Taison, em alusão ao pensamento difundido pela ativista norte-americana Angela Davis, “não basta não ser racista. É preciso ser antirracista”. Antes de se tornar jogador, o atacante do Shakhtar foi flanelinha, pintor e auxiliar de pedreiro para sobreviver a uma infância de privações em Porto Alegre. Hoje, rico e famoso, poderia se contentar em lidar pacificamente com o racismo, mas preferiu levantar voz para mostrar que sua resposta representa, na verdade, uma redenção de todos negros.

Nesse aspecto, Taison se revela maior que Messi e outras estrelas do esporte que não se sentem tocadas pelo racismo. Maior que as entidades da bola que relativizam ofensas racistas. O futebol é muito mais que um jogo. Justamente por isso, seus grandes ídolos deveriam ser muito mais que meros jogadores. Taison, ao contrário da profecia de uma década atrás, não entrou para o panteão dos supercraques. Mas, pela demonstração de caráter ao denunciar os racistas, atingiu um estágio como cidadão que poucos deles conseguem igualar.

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