Opino neste artigo sobre a prisão de Michel Temer, mas antes um pouco de contexto. Siga um diálogo possível, entre um campari, um chope e uns cigarrinhos, ali na 79.
– O que a esquerda mais quer?
– Lula livre!
– Ok, não é de se duvidar uma tornozeleira eletrônica. O que mais?
– Não à reforma da previdência!
Certo, então, em mais uma virada dramática da política brasileira, esquerdistas experimentam uma silenciosa síndrome de Estocolmo: não pela Senzala, mas o lavajatismo e o deep web das corporações do Ministério Público e do Judiciário, algozes dos canhotos e liberais, parecem atentar mais uma vez contra o fim de privilégios da elite concursada.
Ou não vale Emmy de roteirista para Sérgio Moro pelo House of Cards Brasil? Nem Beau Willimon faria melhor. Apesar de que a série pode estar se aproximando das últimas temporadas. Depois explico.
Antes, quem não concorda que, se não por ação, por influência metafísica do ex-juiz, eternamente um Olavo de Carvalho da Lava Jato, a reforma da previdência balança tendo como personagem dos próximos capítulos o mesmo vilão de 2017: Michel Temer?
Parênteses: não vem ao caso, pelo menos neste artigo, se a proposta de reforma é boa ou ruim, mas qualquer um que sabe fazer contas, por mais grossa couraça ideológica que tenha, há de concordar que algo precisa ser feito para garantir as aposentadorias futuras. E é preciso mexer com aqueles que, no funcionalismo público dos três poderes, recebem os mais altos salários. Aí se explica o desinteresse dos ‘acima do teto’ por mexer uma vírgula, como diz o candidato de estimação da maioria dessas categorias, ‘nisso que está aí’.
Poderia apostar que Jair Bolsonaro, presidente que parece mais preocupado com a Venezuela do que com o Brasil, por sua tímida defesa da proposta elaborada por seu ‘posto Ipiranga’ Paulo Guedes, deve estar adorando o rolo que, além de deixar no folclore do esquecimento sua viagem ‘Pateta na Disney’, adia o desgaste de desagradar quase todo mundo mudando as regras das aposentadorias quando está em queda livre nas pesquisas de popularidade.
A história mostra que ‘mitos’ populistas são mais facilmente seduzidos não pelo ‘deus mercado’, mas pela idéia ‘mundana’ dos ‘braços do povo’ – hoje medido em posts de milícias no Grande Tribunal das Redes Sociais. E a tomada de assalto da política brasileira pelo clã Bolsonaro identifica o caos no DNA. Quanto mais o país parecer uma grande rede social, e governado por ela for, melhor para os especialistas em fake e crazy news.
Voltando ao vilão Temer: a denúncia da Procuradoria Geral da República, na arapongagem armada por Rodrigo Janot e o magnata caipira Joesley Batista em 2017, já barrou uma reforma, lembram? Ah, e a reforma do presidente eleito para ser vice era bem mais branda como o andar de cima do que a dos Chicago Boys.
Inegavel é que – do atraque Netflix ao carro de Temer, no meio da rua, até a manhã deste sábado, quando o presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia, sogro do outro preso ilustre, Moreira Franco, disse que o presidente da República, em vez de ‘terceirizar’ a negociação da reforma, terá que largar o Twitter e ir ao Congresso conversar com cada deputado e senador, para explicar o que é ‘nova’ e ‘velha’ política – a prisão determinada pelo juiz Marcelo Bretas parou a reforma.
(Um sinal é que o pobrerio não pode comemorar no zap-zap bons números na Bolsa, sexta).
E é aí, no desafio do político profissional ao político que fala em ‘nova política’ (mesmo após três décadas de baixo clero), que dá para desconfiar do fim das temporadas da Lava Jato e suas – já – 59 operações.
O que uma coisa tem a ver com outra?
Parece claro que a Lava Jato prendeu Temer como uma demonstração de força após o Supremo, contra o entendimento dos jacobinos, cumprir o que diz o Código Eleitoral e manter na justiça eleitoral crimes conexos ao caixa 2; e isso num momento de baixa de Moro, não reconhecido pelo políticos e pelas redes sociais como o Deus de outrora.
– Moro é funcionário de Bolsonaro, não presidente da República – lembrou Maia, na noite antes da prisão de seu sogro e de Temer.
O roteiro do espetáculo ‘mexeu com Moro, mexeu comigo’ combina tanto com a toga de Bretas (ontem fazendo selfie no Instagram mostrando os gominhos bombados e amanhã quem sabe futuro prefeito do Rio) quanto com o gel do youtuber Deltan Dalagnoll, não?
A Lava Jato, ao prender mais um ex-presidente, pode estar unindo políticos e Supremo contra esse poder ilimitado da ‘República de Curitiba e além fronteiras’. Um sintoma: a fênix Renan Calheiros já tuitou que, contra o abuso de autoridade, apoia adversários como Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre e seja quem for que o lavajatismo arraste para o umbral.
Se fosse visitá-los, Bolsonaro possivelmente ouviria de Lula:
– Não se engane, até 2022 você estará sempre no GPS do Moro e daqueles meninos dele… o wifi do Moro conecta na CIA sem precisar colocar senha…
De Temer:
– Omertá não suportou a tradição da máfia italiana, quem dirá a chinelagem das milícias na República dos X-9. Não dá para manter isso aí, viu?
Spoiler? Bolsonaro consulta o príncipe Carluxo:
– 02, o Guedes me diz que sem reforma da previdência vai sair do governo; e o pessoal lá do Congresso diz que se eu não der a cabeça do Moro, não votam a reforma…
Se bem que não temos nem cem dias de governo e, possivelmente, Rosângela Moro e a Globo adorariam mais tempo de campanha.
Esperemos as cenas dos próximos capítulos.
Aos que não tiveram preguiça de ler até aqui, segue minha opinião sobre a prisão do Temer.
Não é preciso ter nascido aos nove anos de idade na Paragem Verdes Campos para prever que Temer será condenado por corrupção. Não só pelo Jornal Nacional, mas desde a justiça do Rio até o STF. Se Lula resta cumprindo há um ano pena em uma solitária de Curitiba, a partir de uma sentença sem nenhuma prova de ligação com a Petrobrás, e pela suposta propriedade de um ‘triplex Minha Casa, Minha Vida’, o que esperar do ex-presidente eleito para ser vice que é suspeito de comandar uma organização criminosa que girou um bilhão em quatro décadas?
Mas daí a concordar com uma prisão preventiva sem a fundamentação exigida pelo Código Penal é jogar para a torcida.
No caso do jornalismo, um perigoso exercício de caçar-cliques, enquanto cassam o estado de direito.
No atual contexto, para mim, hoje, é Temer Livre sim.
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