Lembrou-me Eles Não Usam Black-tie, ao ver na audiência pública sobre o ‘ciao Gravataí’ da Pirelli uma plateia de muitos Otávios, enquanto Tiões seguiram no chão da fábrica para não perder um fim de semana de folga.
– Fosse nos anos 80, isso aqui estaria um ABC – concordou Valcir Ascari, presidente do sindicato dos metalúrgicos, que cobre a GM, rememorando as históricas greves, enquanto manifestava apoio aos colegas do sindicato da borracha, na reunião conjunta entre a Câmara de Vereadores e a Assembleia Legislativa, que se estendeu por quatro horas nesta segunda.
Assista a íntegra da audiência; abaixo siga o artigo
O suposto silêncio dos governos municipal e estadual foi criticado pelo presidente do sindicato da borracha Flávio de Quadros – que soltou a bomba que o Seguinte: deu em primeira mão no artigo Prometeon pode seguir Pirelli e deixar Gravataí – mas ambos estavam ali representados, na audiência comandada pelo deputado estadual Dalciso Oliveira (PSB), da Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa; pelo coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Pirelli, Dimas Costa (PSD); pelo presidente do legislativo Clebes Mendes (MDB) e com a presença de 16 dos 21 vereadores: Alan Vieira (MDB), Alex Peixe (PDT), Bombeiro Batista (PSD), Carlos Fonseca (PSB), Demétrio Tafras (PDT), Dilamar Soares (PSD), Evandro Soares (DEM), Fábio Ávila (PTB), Nadir Rocha (MDB), Neri Facin (PSDB), Paulinho da Farmácia (MDB), Paulo Silveira (PSB), Roberto Andrade (PP) e Rosane Bordignon (PDT).
O prefeito Marco Alba (MDB) escalou um dos secretários de maior prestígio, Davi Severgnini, da Fazenda; o governador, Eduardo Leite (PSDB), a coordenadora da Sala do Investidor Gaúcho, Marília Félix. A cadeira do Ministério Público do Trabalho, reservada ao procurador Vitor Hugo Caetano, ficou vazia. E a Pirelli enviou uma melosa mensagem justificando que, no período em que a multinacional foi convidada, não foi possível escalar “alguém a altura” do evento.
Conforme apurei com o cerimonial da Assembleia Legislativa, a fábrica de pneus italiana foi convidada há 15 dias.
– A Pirelli não mandar representação mostra não enxergar mais que números nos trabalhadores que empenharam sua saúde para a empresa se tornar um grife mundial. Não pode no momento em que ganha incentivos fiscais anunciar a maior fábrica da América Latina, e em outro momento apenas comunicar o fechamento e a demissão em massa – reclamou Dimas.
– Hoje é a Pirelli que vai embora. E amanhã, a GM? – deu a senha para abrir a sessão o presidente Clebes, saudando o movimento que uniu as bancadas de todos os partidos que tem representação no legislativo municipal.
Na plateia, além de pirellianos, da situação e da oposição do sindicato da borracha, diretores dos sindicatos dos metalúrgicos e das tintas, além de políticos como o ex-prefeito Daniel Bordignon (PDT), a ex-vereadora Anabel Lorenzi (PDT), o ex-presidente da Câmara Elio Bitelo (PSB) e representantes de deputados estaduais e federais.
– Uso palavras do governador em campanha: “é preciso tirar a bunda da cadeira” para não perdermos a Pirelli e, também, a Prometeon. O governador poderia fazer como Geraldo Alckmin, de seu partido, que quando governou São Paulo editou decreto que reduziu ICMS. Ou logo o RS restará inviável – alertou Flávio de Quadros.
O sucessor de Moacir Bitencourt – histórico que entrevistei no artigo A estabilidade até 2021 na Pirelli; da depressão ao grito – no sindicato que é o segundo maior da região e tem entre os filiados nove a cada dez dos 1200 funcionários que serão demitidos pela empresa italiana até 2021 e outros 1600 dos chineses que compraram parte da fábrica de Gravataí, mostrou preocupação após reunião presidida pela presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Vania Mattos, com representantes do ‘Dr. Pirelli’ e do ‘Dr. Chem’, como os sindicalistas apelidaram os patrões.
– O representante da Prometeon falou sobre a possibilidade de rever investimentos – lamentou, pouco antes de subir à tribuna e alertar para a falta de competitividade do Rio Grande do Sul, com um ICMS de 18% no setor, enquanto, como referiu, São Paulo reduziu a alíquota para 12% em 2017.
– É uma tragédia anunciada. A Pirelli encheu seus cofres com uma venda de 7 bilhões de euros, 30 bilhões de reais, e agora está virando as costas para Gravataí. Logo é fácil entender a revolta de seus trabalhadores que após décadas de geração de lucros para os italianos recebem a notícia de que em dois anos serão demitidos e ponto. É uma sacanagem – relatou, lembrando que os indicadores da fábrica eram de 102% em 13 de maio, dia do comunicado de Milão, e caíram para 70%, abaixo dos 90% necessários para a participação nos lucros e resultados (PPR), como o Seguinte: já tratou nos artigos Pirelli vai fechar fábrica de Gravataí e demitir 900 empregados, Anúncio da Pirelli tem impacto maior no futuro dos empregados e Pirelli, uma fábrica em depressão; entenda o que está acontecendo.
– É um prejuízo social e econômico irreparável para Gravataí e o Rio Grande do Sul. Enganam-se os governos municipal e estadual se pensam que a saída é só da Pirelli. A Prometeon informou que estuda não investir mais em Gravataí – alertou, para um uau! geral da plateia.
– Isso é um aviso de que também essa fábrica está ameaçada e, provavelmente, quando acabar o subsídio e o ICMS for de 18%, poderemos perder a Prometeon, que tem em Gravataí a fábrica mais moderna da América Latina. Ou no mínimo verificar uma redução na produção, já que os chineses forneciam matéria prima para a italiana. Estamos aqui pedindo socorro! – apelou um aplaudidíssimo Flávio, cujo sindicato luta por estabilidade nos empregos até 2021, enquanto a Pirelli limita a garantia até dezembro deste ano.
O dirigente, que já esteve três vezes na Itália, agora conseguiu apoio da maior central sindical, como tratei no artigo Sindicatão italiano pressiona Pirelli por Gravataí, e nos bastidores confirma que a decisão do CEO de Milão pegou de surpresa os diretores brasileiros.
Só para ter ideia, em 2017, quando o grupo ChemChina comprou parte da Pirelli, o diretor de Recursos Humanos Joaquim Pinto chegou a brincar com diretores do lado italiano:
– Fiquem comigo que é sucesso!
(A assessoria dos chineses prometeu ao jornalista uma posição oficial da empresa nesta quarta-feira).
Marília Félix, representante do governador, citou relatórios que mostram que nem Pirelli, nem Prometeon usaram financiamento do Fundopem, via Badesul. Não soube informar, porém, se, ou até quando, italianos e/ou chineses experimentam redução no ICMS, como sugeriu a direção do sindicato da borracha.
O secretário da Fazenda calcula em R$ 6 milhões a redução no orçamento com o fechamento da Pirelli e em R$ 16 milhões em ICMS e R$ 1 milhão em IPTU uma eventual saída da Prometeon.
– Mas o que preocupa o prefeito é a questão social, o desemprego – lamenta.
As perdas são ampliadas quando se calcula que 90% dos funcionários são moradores de Gravataí e ajudam a girar a economia.
– Comércios esperam a cada ano o PPR da Pirelli e da GM.
O deputado Dalciso especulou sobre a migração do investimento da Pirelli de Gravataí para Campinas ser apenas uma ponte antes da transferência da produção para a Indonésia, cuja fábrica foi inaugurada em 2014 – o que, quando levantei a possibilidade em artigo no Seguinte:, foi desmentido pela direção nacional da empresa, e tratei em Pirelli já era; choremos juntos e shallow now. E apelou por ação do governador para evitar um ‘efeito cascata’ de desindustrialização do Rio Grande do Sul.
O principal encaminhamento da audiência veio do vereador decano, Nadir ‘Camerlengo da Sé Vacante’ Rocha (MDB), com um passado de anos de sindicalismo na área da saúde:
– Precisamos mobilizar a bancada federal gaúcha.
Ao fim, foi o funcionário da Pirelli Vanderli Marins que fez aquela que considerei a melhor intervenção da audiência pública:
– Moro em Gravataí há 45 anos e já vi várias indústrias indo embora da cidade, mas todas com problemas de falência – e citou Synteko, Wotan, Fundição Becker e Madepan – concluindo:
– Essa é a primeira vez que vejo uma empresa ir embora por ganância, porque os indicadores mostram que a culpa não é dos trabalhadores.
Cabelo branco, sem Black-tie, Vanderli lembrou-me a personagem do inesquecível Gianfrancesco Guarnieri. Enquanto falava, provavelmente os tiãos de hoje talvez estivessem reclamando no Facebook, culpando os sindicatos e com preguiça de ler como no Brasil foram conquistadas férias, horas extras, 13, licença maternidade e paternidade, FTGS, PPR…
É como insisto, a Senzala com complexo de Casa Grande.
E açoite de capitão do mato.
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