Em meio a tantas alegrias nesses dias da 34ª Feira do Livro de Gravataí, tivemos também que lidar com o preconceito de alguns conservadores, que ficaram com incomodados com o lindo logo do evento, que trouxe uma menina negra usando um laço colorido nos cabelos, junto do slogan “Todas as cores das palavras”.
Foi uma Feira marcada pela diversidade e representatividade. Com um patrono negro, o rapper e escritor Rafa Rafuagi. E os três palcos do evento traziam essa representatividade em seus nomes. O teatro homenageou Sirmar Antunes, um dos maiores atores negros do nosso Estado. O Espaço Musical foi batizado como Mestre Ivam, em homenagem ao músico que nos deixou recentemente, também um artista negro que muito nos orgulhou sempre. E a tenda de contação de histórias levou o nome de Denise Medonha, que partiu cedo mas fez história na nossa cidade ao lado do marido Waldemar Max, e deixou um filho negro.
Tivemos também um dia fortemente marcado por essa representatividade, como já ressaltei na coluna anterior, com a presença do Coletivo de Escritores Negros, a contação de Ângela Xavier de trechos do livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, e o show Brasil Quilombo, da diva Glau Barros.
Mas houve quem, mesmo diante de tantas coisas positivas, preferiu se ater às cores do arco-íris na fita da menininha que ilustrou o material gráfico da Feira. Para os “napoleões de hospício”, como bem chama o Rafael Martinelli, qualquer menção à arco-íris é vista como estímulo à perversão e imposição de uma suposta “ideologia de gênero”, coisa que nem existe.
Duas mulheres reclamaram com a equipe da Feira sobre o “absurdo” (no olhar distorcido delas) que era usar aquela fita colorida num evento que recebe muitas crianças. Uma delas, mais alterada, chegou a discutir com a diretora de Cultura da SMCEL, Aline Muniz, quase partindo para a agressão, precisando ser contida pela Guarda Municipal. A escritora Isab-El Soares também foi abordada de forma exaltada por outra visitante.
Mas pior foi o candidato ao Conselho Tutelar que postou em sua rede social um vídeo também criticando a fita e o slogan, alegando que “é uma agenda que vem sendo cumprida, que quer incutir na cabeça das nossas crianças, dos nossos filhos, as ideologias que deixam eles livres para fazer o que quiserem”. Não quero nem reproduzir aqui o nome desse homofóbico. Mas a matéria está no Seguinte:, com toda a indignação do Martinelli, em Não é homofobia crítica de candidato a conselheiro tutelar ao arco-íris da Feira do Livro de Gravataí? Como o senhor atenderia uma criança gay mutilada?.
E eu concordo com meu amigo e editor. Como uma pessoa que não tolera as diversas expressões de amor e gênero vai poder atender crianças? Quando receber um menor vítima de homofobia, ele vai dar razão ao agressor? Vai tentar “curar” essas crianças e jovens de uma doença que não existe?
Homofobia e transfobia matam. A expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de em média 35 anos. Homossexuais são espancados, ficando com sequelas físicas e emocionais. Pessoas que estão fora da heteronormatividade e dos padrões de gênero muitas vezes não aguentam a pressão e tentam tirar a própria vida. Estamos começando o Setembro Amarelo, mas não adianta postar frases bonitas e girassóis nas redes, e destilar preconceito.
Em 5 anos e meio morando no Rio de Janeiro, conheci pelo menos três pessoas que foram assassinadas por homofobia. O Adriano Cor e a Mateusa eu só conhecia de vista dos saraus. Mas o Vinícius foi um dos meus treinadores no Mensageiros da Alegria, visitamos juntos o Hospital Jesus para alegrar as crianças. Nunca esqueço dele vestido de Quico (do Chaves) e cantando “Que bonita sua roupa, que roupinha muito louca…”. As crianças amavam quando ele ia de palhaço também.
Vinícius saiu para curtir uma terça-feira de Carnaval, na Lapa, e não voltou mais. Foi espancado até a morte. Seu “problema” era ser um rapaz afeminado que gostava de maquiagem e roupas diferentes. Tinha menos de 30 anos. Um jovem bom, que fazia o bem. Mas incomodou por ser feliz e purpurinado demais…
Imagina se o menino Vinicíus, quando era uma “criança viada”, encontrasse um conselheiro tutelar como o tal que almeja o cargo? Talvez a vida dele fosse ainda mais curta. Por todos, todas, todes as meninas, meninos e menines fora dos padrões da sociedade cis/hétera, o citado candidato não poderia nem estar concorrendo ao cargo, quanto mais ser eleito.
E outra coisa: a Feira do Livro pretendeu ser um evento plural e aberto a todos os tipos de pessoas. A fita colorida também representa a diversidade de expressões de gênero e sexualidade, que eram todas bem-vindas na Feira. Mas resumir o desenho a isso é de uma pobreza na capacidade de interpretar uma imagem. Se bem que inteligência e preconceito não costumam andar juntos, não é?
Imagina se o pretenso conselheiro descobre a temática do livro que eu lancei no sábado, no estande do Clube Literário. Vai querer a volta da censura para proibir meu texto “imoral” (contém ironia, muita ironia). A dedicatória que escrevo em cada livro é “Viva o amor, do jeito que for”, porque é disso que se trata. A gente fala de amor e da liberdade de amar. Quem fala de ódio, perversão e maldade, são os preconceituosos. E eles não vão nos calar.