RAFAEL MARTINELLI

Tornozeleira saiu barato para Bolsonaro

Associo-me ao artigo STF é generoso. Poderia ter sido preventiva. É falso que a fuga embase a decisão, do jornalista Reinaldo Azevedo, publicado no UOL. Sigamos no texto:

O Supremo Tribunal Federal decidiu aplicar medidas cautelares a Jair Bolsonaro. Como sabe qualquer advogado — talvez baste o primeiro semestre num bom curso de graduação em direito —, até que saiu barato. Ah, sim: na decisão, já endossada pelo tribunal, o ministro Alexandre de Moraes citou um presidente americano: Abraham Lincoln. A saber: “Os princípios mais importantes podem e devem ser inflexíveis”. E não! Não é o risco de fuga que está na raiz da decisão. Sei lá de onde saiu esse troço. Vamos ver.

Escrevi nesta madrugada um texto nesta coluna afirmando que Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ofereciam todos os motivos para ter decretada a prisão preventiva. Escrevo lá:

“O roteiro para a preventiva de ambos ––Eduardo certamente não se preocupa com isso hoje, estando onde está –– é arreganhadamente óbvio. A pressão que o filho exerce nos EUA –– admitida, explícita, motivo, inclusive, de orgulho pessoal –– busca interferir na ação penal em curso no STF. Como? Cometendo o maior de todos os sortilégios no que respeita ao rompimento da ordem pública: pressionar um juiz. Na verdade, juízes. Eduardo age em proveito do pai, que anui com suas investidas, elogia sua atuação e o financia”.

Como sabe todo operador do direito, medidas cautelares (Artigo 319 do Código de Processo Penal) são aquelas “alternativas à prisão”, de que trata o Artigo 312. Num tempo em que o sentido das palavras vai se perdendo porque a realidade factual não seria nada além de “narrativas”, também o do vocábulo “alternativa” se diluiu. Mas eu resgato: “Uma de duas ou mais possibilidades pelas quais se pode optar”. Logo, tudo o que pode embasar uma medida cautelar também pode fazê-lo para a prisão preventiva. O juiz escolhe se é o caso de optar pela ação mais gravosa ou pela menos. Assim, Moraes ainda foi generoso com Bolsonaro.

Escreve o ministro:

“As ações de JAIR MESSIAS BOLSONARO demonstram que o réu está atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita, conjuntamente com o seu filho, EDUARDO NANTES BOLSONARO, com a finalidade de tentar submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro, por meio de atos hostis derivados de negociações espúrias e criminosas com patente obstrução à Justiça e clara finalidade de coagir essa CORTE no julgamento da AP 2.668/DF. No curso das investigações, portanto, as condutas ilícitas de EDUARDO NANTES BOLSONARO não só permaneceram, como também se agravaram com o auxílio direto de JAIR MESSIAS BOLSONARO (…)”.

A confissão de Bolsonaro, em entrevista ao UOL, de que financia as ações de Eduardo no exterior está na exposição de motivos:

“Ressalte-se, ainda, que a investigação comprovou a participação de JAIR MESSIAS BOLSONARO nas condutas criminosas, não só incitando a tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado, com clara afronta à soberania nacional, mas também auxiliando, inclusive com aportes financeiros à EDUARDO NANTES BOLSONARO, a negociação com governo estrangeiro para que este pratique atos hostis contra o Brasil, com clara ofensa ao art. 359-I do Código Penal criminaliza.”

Prestem atenção! Não é risco de fuga que fundamenta as medidas cautelares, mas a manutenção da ordem pública e a interferência na instrução criminal, conforme dispõe o Artigo 312 do Código de Processo Penal para a imposição da preventiva. O Supremo, que decidiu ser bonzinho, resolveu optar pelo 319, cujos fundamentos são os mesmos –– lembram-se do sentido da palavra “alternativa”? Eis aqui os motivos:

“No curso das investigações do INQ 4995/DF e, considerando o final da instrução processual e o início do prazo para alegações finais na AP 2668, a Polícia Federal representou pela necessidade de decretação de diversas medidas cautelares em face de JAIR MESSIAS BOLSONARO (Ofício nº 2817463/2025 – CCINT/CGCINT/DIP/PF), em face de sua participação dos mesmos delitos de EDUARDO NANTES BOLSONARO, ou seja, pelos crimes de coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa (art. 2º, § 1 º, da Lei 12.850/13) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal).”

Em síntese: 1) interferência na instrução criminal (processual, no caso), mobilizando um governo estrangeiro para coagir juízes, por intermédio do filho, investigado por coação do curso do processo, e 2) preservação da ordem pública, uma vez que Bolsonaro se associa a novos atos criminosos.

Esse é o fundamento jurídico explícito, claro, sem ambiguidades, da decisão de Moraes, vitoriosa no tribunal.

Saiu barato para Bolsonaro. Poderia ter sido a preventiva, com base nos mesmos fundamentos. Mas a cadeia chega logo. Ele não precisa ficar tão ansioso.

Aplaudo de pé

E não posso me escusar (para empregar um verbo da predileção de Sergio Moro, que quase sempre erra ao fazê-lo) de aplaudir de pé a defesa que faz o ministro Moraes da independência do Supremo. A propósito, reitera as razões da decisão tomada, mais uma oportunidade para que néscios entendam:

“A INDEPENDÊNCIA JUDICIAL constitui um direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito à todos de uma tutela judicial efetiva e ao processo e julgamento por um Tribunal independente e imparcial, pois não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo para que exerça sua função de guardião da Constituição e das leis”.

“É um PRINCÍPIO INFLEXÍVEL da Constituição brasileira a independência do Poder Judiciário em defesa da Constituição brasileira, e a história desse SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL demonstra que jamais faltou coragem aos seus membros para repudiar as agressões contra os inimigos da Soberania nacional, Democracia e Estado de Direito, sejam inimigos nacionais, sejam inimigos estrangeiros”.

“Um país soberano como o Brasil sempre saberá defender a sua Democracia e Soberania e o Poder Judiciário não permitirá qualquer tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado, por meio de atos hostis derivados de negociações espúrias e criminosas de políticos brasileiros com Estado estrangeiro, com patente obstrução à Justiça e clara finalidade de coagir essa SUPREMA CORTE no julgamento da AP 2.668/DF, para criar verdadeira impunidade penal e favorecer o réu JAIR MESSIAS BOLSONARO, impedindo o Poder Judiciário de analisar, por meio do DEVIDO PROCESSO LEGAL, a imputação criminal feita pela Procuradoria Geral da República.”

Encerro.

A decisão de agora já estava na escrita nas leis. Já estava escrita nos fatos.

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