A história é a maior professora que já conheci de como se faz jornalismo. Todas as manchetes que hoje ocupam os espaços nobres dos jornais devem começar a cair para o pé das páginas com o início da 30º Conferência da ONU Sobre Mudanças do Clima (COP30), nesta segunda-feira (10), em Belém (PA), no meio da Floresta Amazônica. Não é exagero afirmar que os olhos do mundo estarão voltados para o que os líderes mundiais vão decidir sobre o futuro do planeta. No Brasil, os moradores do Rio Grande do Sul acompanharão os debates da COP30 com especial interesse porque sentiram na pele o horror causado pelas mudanças climáticas. No intervalo de poucos meses, o estado foi devastado por uma sequência de três grandes enchentes, duas no segundo semestre de 2023, e a última, a maior de todas, em maio de 2024, quando o centro histórico da capital dos gaúchos, Porto Alegre, ficou submerso, assim com vários bairros. O Aeroporto Salgado Filho, a Estação Rodoviária, hospitais e diversos serviços públicos foram alagados e ficaram semanas e até meses fora de operação.
Até o ano passado, a maior enchente da história de Porto Alegre tinha acontecido em 1941, quando o Guaíba subiu 4,76 metros e invadiu o centro da capital. Em maio de 2024, o nível das águas alcançou 5,61 metros. O sistema contra as cheias, construído nos anos 70 para evitar o alagamento das áreas urbanas, colapsou. No total, as três enchentes deixaram um rastro sinistro: atingiram 459 dos 497 municípios gaúchos, afetando 2,4 milhões de pessoas. Morreram 189 pessoas, 25 estão desaparecidas. Os números de mortes e desaparecidos não são definitivos porque a Polícia Civil ainda vasculha locais da tragédia. Os prejuízos à economia foram enormes, com a destruição de estradas, pontes, indústrias, prédios, lavouras e a perda de animais. Toda esta história está documentada em textos, fotos, vídeos e relatos sonoros produzidos pela imprensa e disponíveis a um apertar de botão. A tragédia foi o cartão de apresentação das mudanças climáticas para os gaúchos. E mudou o seu modo de vida. Por exemplo, começaram a prestar mais atenção aos alertas de tempestade emitidos pelos serviços de meteorologia. Na sexta-feira (7) e no sábado (8), estava prevista a passagem por boa parte território gaúcho de um ciclone, com fortes chuvas e ventos. Na quinta-feira (6), várias pessoas suspenderam viagens e o assunto mais comentado na imprensa foi o ciclone. Isso não acontecia antes das enchentes do ano passado. Sempre que surge uma oportunidade costumo lembrar nos meus textos uma lição que aprendi procurando histórias pelos sertões do Brasil. Uma coisa é o repórter fazer a cobertura de um assunto com o qual ele não está envolvido. Outra é quando se trata de uma realidade da qual ele faz parte. Portanto, a visão dos repórteres gaúchos sobre a COP30 precisa ser diferenciada dos outros colegas brasileiros. Em Porto Alegre, o assunto que mais circula pelas rodas de amigos é se o conserto do sistema contra as cheias da cidade foi feito adequadamente e será capaz de resistir à próxima enchente do Guaíba.
Dias antes do início da COP30, o foco da cobertura da imprensa tem sido em assuntos sobre a infraestrutura do evento e a questão da maior potência militar e econômica do mundo, os Estados Unidos, estarem ausentes por decisão do seu presidente, Donald Trump (republicano), 79 anos. No primeiro mandato de Trump (2017 – 2021), eu acreditava que as suas ideias negacionistas em relação ao clima eram uma jogada para a plateia. Tive essa impressão porque ele falava muito, mas agia pouco. Mais tarde, ficamos sabendo que a maioria das suas ideias não foram levadas adiante porque uma ala do seu partido fez uma aliança com funcionários de carreira do governo para boicotar as decisões do presidente. Não foi por outra razão que, no seu segundo mandato, Trump teve o cuidado de colocar no governo pessoas que acreditam 100% nas suas propostas. E que são totalmente obedientes as suas ordens. Oficialmente, o governo americano está fora da COP30. Mas os seus empresários, cientistas e interessados no futuro do planeta estarão por lá. Vejam bem. Os Estados Unidos são o segundo maior poluidor do mundo, atrás apenas da China. O presidente chinês, Xi Jinping, também não estará em Belém. Mas a China terá uma delegação oficial de 80 pessoas ligadas ao meio ambiente. É sabido em todos os cantos do planeta que rola uma disputa comercial e tecnológica entre a China e os Estados Unidos. Até há alguns anos, o governo chinês tratava as questões do meio ambiente de maneira distante. Nos últimos anos começou a demonstrar interesse pelo problema. Por quê? Essa pergunta tem muitas respostas. A mais importante delas é que a luta por tecnologias limpas é o futuro da indústria. Todo mundo sabe disso, até os secretários (ministros) de Trump que não falam para não desagradá-lo.
Para arrematar a nossa conversa. Na segunda-feira (10) começou a rolar a COP30 e as coisas estão acontecendo. Lembram que falei na abertura da nossa conversa que o evento deverá ocupar as manchetes e os outros assuntos descerem para o pé da página dos jornais? Um dos assuntos que deverá sair das manchetes será a cobertura da megaoperação Contenção, a maior e mais letal já feita pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro contra a facção criminosa Comando Vermelho (CV). Realizada no final do mês passado, resultou em 121 mortos, sendo quatro policiais, e vários presos e feridos. Na ocasião, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), 46 anos, chamou a ADPF das Favelas de “maldita”, alegando ter dificultado as operações policiais na periferia do Rio, o que tornou a cidade esconderijo para bandidos de todos os cantos do Brasil. Confesso que não lembrava mais do assunto. O fato é que a ação não proíbe que a polícia entre nas favelas. Ela exige que sejam respeitados uma série de protocolos para evitar mortes e feridos ente a população civil presa no fogo cruzado com os traficantes. Foi o Partido Socialista Brasileiro (PSB) que entrou com esta ação no STF em 2019, que foi chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635), apelidada de ADPF das Favelas. O ministro Luiz Roberto Barroso, 67 anos, era o relator. Ele se aposentou. E o presidente do STF, Edson Fachin, 67 anos, passou a relatoria provisória para o ministro Alexandre de Moraes, 56 anos. Ele ocupará o cargo até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 80 anos, indicar o substituto de Barroso. O ministro Moraes se reuniu com o governador Castro e vários de seus secretários e deu um roteiro para explicarem o que houve na Operação Contenção. E recomendou sobre a operação policial: “preservação e documentação rigorosa e integral das provas”. É a história que estas provas vão contar que levará esse assunto de volta para as manchetes.





