RAFAEL MARTINELLI

Tragédia em Cachoeirinha: o caso de Mel e o melhor e o pior das redes antissociais

É uma tragédia. A morte da jovem Mel Machado Boeira, de apenas 19 anos, é uma daquelas notícias que desmontam qualquer estrutura emocional — sobretudo por revelar, de forma brutal, o quanto a dor invisível pode ser potencializada pela crueldade pública.

Segundo reportagem de Rodrigo Alves, publicada no site O Repórter, o corpo de Mel foi encontrado nesta quarta-feira (5), às margens do Rio Gravataí, em Cachoeirinha, após quatro dias de buscas. A jovem havia desaparecido no domingo (2). Ela deixou uma carta de despedida e enfrentava um quadro de depressão, agravado por mudanças pessoais recentes.

Mel fazia tratamento médico e mantinha uma rotina de estudos e trabalho, até que o desespero venceu o fôlego. Antes de desaparecer, publicou em uma rede social: “indo se encontrar com a vozinha”.

A família mobilizou as buscas, e a região se uniu em solidariedade. Foram milhares de compartilhamentos, correntes de esperança, autoridades da segurança pública mobilizadas e voluntários em campo, preces e empatia. Mas, junto com o melhor do ser humano, veio também o pior.

Os comentários nas redes sociais sobre o caso — sobretudo nas postagens de apelo feitas pela famílias, amigos e pessoas que se sensibilizaram com a campanha — revelaram o abismo moral que a internet escancara.

De um lado, mulheres, representando quase nove em cada dez mensagens, deixavam palavras de carinho, dor e compaixão. De outro, homens zombavam, insinuavam “fuga com namoradinho”, faziam piadas sobre “voltar grávida”, “esperar 9 meses” e até culpavam a vítima.

Talvez seja o espírito maternal, ou apenas o instinto humano mais íntegro, que moveu tantas mulheres a protegerem a memória de uma jovem que poderia ser filha, amiga ou irmã de qualquer uma delas.

Esses homens — e não há outro modo de nomeá-los — são, se não neste caso, cúmplices morais de tragédias passadas e futuras. Cada comentário desse tipo é uma pedra lançada sobre quem já está afundando no poço escuro da depressão. A vergonha e a humilhação, nesses casos, não só machucam: podem empurrar alguém para a morte.

O cyberbullying é uma das epidemias mais silenciosas do nosso tempo. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde, mostra que jovens do sexo feminino estão entre as principais vítimas de agressões virtuais. São meninas e mulheres reduzidas a alvos de chacota, julgamento moral e violência simbólica.

Os agressores agem com a segurança da covardia: escondidos atrás de telas, pseudônimos e ironias. Chamam de “opinião”, de “liberdade de expressão”, o que, na verdade, é crueldade pura — quando não, crime.

Tenho orgulho profissional de dizer que, nas redes antissociais, acumulo uma boa coleção de haters. É um sinal de que não me confundo com o rebanho que normaliza o ódio. A distância moral que se tem de certas pessoas é, na verdade, uma bênção.

Mas é preciso ir além do bloqueio e da ironia. É preciso dar não só nome às coisas, mas cobrar consequências criminais. E se a internet tornou-se o espelho da sociedade, talvez seja hora de encarar o reflexo — mesmo que o que se veja ali seja feio.

Que Mel descanse — e que a gente, ou melhor, essa gente, desperte.

Nas redes, o que se escreve pode ferir, restar fatal. E o que se cala, às vezes, também mata.

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