Com milhares de Kennedys e Nixons, o país corre o risco de repetir a tradição com o novo xerife dos EUA. O cronista faz um apelo urgente aos pais. Compartilhamos o artigo do jornalista Xico Sá, publicado pelo ICL Notícias
Diante do horror dos primeiros dias da gestão de Donald Trump, lembrei da tradicional mania da família brasileira de colocar nomes de presidentes dos EUA nos seus filhos.
Vade retro. Que essa marmota alaranjada não leve pais e mães, mesmo no caso dos mais fanáticos casais bolsonaristas dos trópicos, a adotar tal modinha.
Imagina só a coitada da mãe, nas advertências caseiras à sua pequena criatura traquinas e diabólica:
— Deixa de ser malino, Trumpinho! Não bole com tua irmã, estrupício.
Pode parecer bizarro, mas o risco é real. Só de colegas de escola no Cariri, tive uma dúzia de Kennedys, uma penca de Nixons.
Na última visita ao Crato natal, conheci até um Ronald Reagan — o caubói que saiu dos filmes de faroeste direto para a Casa Branca. Também encontramos uma fartura dos mais antigões, como George Washington, Thomas Jefferson e Franklin Roosevelt.
Até o Censo do IBGE de 2010, John Kennedy batia qualquer um em popularidade, com 7.500 xarás brasucas. Richard Nixon aparecia em segundo, com 803 ocorrências.
Desde que não apareçam legiões de Trumpinhos por aí, não tenho nada contra. Isso só prova que o brasileiro é o povo mais criativo do mundo na hora de batizar os seus filhos. Há 15 anos, nosso país alcançou o recorde mundial com 130 mil nomes, entre comuns e exóticos. Os EUA do Kennedy original, mesmo sendo mais populoso, registrava somente 5.163.
No vasto folclore da nossa pia batismal, é comum homenagear personalidades estrangeiras. Desse hábito, surgiu o famoso Valdisnei (Walt Disney), pelo qual são chamados 349 brasileirinhos. Nos anos 1980 e 1990, a febre era o cantor e compositor Michael Jackson. Utilizando-se das mais diferentes grafias, existem Maicon (135 mil, incluindo um ex-lateral da seleção brasileira), Michael (66 mil pessoas), Maycon (32 mil), Maikon (11 mil) e Maycon (4 mil).
Registro do nome “Valdisnei” segundo o Censo IBGE 2010
Os anos 1980 também viram um crescimento de “Ladys, em homenagem à princesa Lady Di. No censo daquele ano foram registrados 847 Ladys (e 574 Ledis), contra 202 do censo anterior.
Há um fenômeno a ser decifrado no reino do futebol. Por que temos 14 mil Riquelmes, jogador do Boca Juniors e ídolo dos argentinos, nossos principais rivais na América? O cara deixa o gênio Maradona, com apenas 165 crianças homônimas no Brasil, no chinelo.
Arrisco um palpite: o Riquelme tri-campeão da Libertadores viu a sua marca se multiplicar por aqui quando deu nome a um menino cearense que viraria tão famoso quanto, o xará e músico da banda pop Aviões do Forró. Faz sentido.
Ideologia também é documento. Filho de uma família socialista, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914–1977) ganhou esse batismo em homenagem aos prenomes de Marx (Karl) e Engels (Friedrich). Na juventude, tudo soava perfeito — Lacerda era um ativo militante comunista. Na segunda metade do século passado, porém, virou um castigo. O então ícone da direita tupiniquim via a sua carteira de identidade se transformar em uma ironia biográfica. Os adversários políticos não perdiam a piada.
Proletariado de todo mundo, uni-vos nos cartórios tropicais. Existem no país, 735 Marxs, 655 Lenines e 478 Lenins em homenagem à Revolução da URSS de 1917. O mais famoso xará do líder soviético é o cantor e compositor pernambucano Oswaldo Lenine Macedo Pimentel, nascido no Recife em 2 de fevereiro de 1959.
Registros do nome “Marx”
O fascismo e o nazismo, pasme, também estão presentes nos registros civis. Há no país 41 Mussolinis e 188 Hitlers. E uma autoridade policial consegue reunir as duas correntes: o delegado Hitler Mussoline Domingues Pacheco, diretor-geral da Polícia Civil de Goiás nos anos 1990. Ele se tornou celebridade em 1998, quando foi demitido do cargo pelo governador Maguito Vilela (PMDB), acusado por crime de prevaricação — cometer abuso de poder, provocando injustiças ou causando prejuízo aos cofres públicos.
Presidentes americanos também recebem homenagem na máquina política brasileira. Quando Richard Nixon dos Santos (PMDB), prefeito de Bacuri, cidade no interior do Maranhão, a 125 km da capital São Luís, foi preso por envolvimento com uma máfia de agiotas em 2015, vários jornais do mundo deram a notícia por causa do batismo folclórico.
Faz parte, senhores pais. Só não me venham com uma multiplicação de Trumps. Nem Donald, sem o sobrenome, é perdoável nesse momento histórico altamente apocalíptico. Até a próxima.