“Quanto privilégio ter um filho com essa alma tão pura e abençoada, esse ser de grande luz, que encanta e ilumina a todos por onde passa.”
(Vanessa Lúcio)
No dia 03 de julho de 2011, às 14h13min, depois de 23h de um parto tão sofrido e induzido, nasce aquele que veio ao mundo para transformar a minha vida e a de muitos ao seu redor. Ele se chama Murilo Lúcio, um menino encantador. No primeiro instante, eu senti muito medo ao ver aquele bebê tão frágil e desprotegido, senti como um sussurro aos meus ouvidos: “Preste muita atenção, pois esta criança é especial”.
Mas o que isso queria dizer? Filhos são especiais! E foi naquele momento que também senti nascer uma mãe, uma mulher que até então era muito imatura e que, de repente, sem ter alternativa, torna-se forte, decidida e guerreira.
Os dias foram passando e eu continuei a prestar atenção, pois aquele sussurro ainda ecoava em meus pensamentos. Eu não tinha contato com criança, e elas não me chamavam a atenção, eu não tinha exemplos a comparar com o desenvolvimento do Murilo. Ao amamentar, eu sentia que ele não tinha um vínculo tão estabelecido e tão forte comigo, assim como as demais mães me relatavam, eu não identificava a troca de olhares e, por muitas vezes, eu me senti rejeitada por ele.
Era como se ele não quisesse estar ali nos meus braços, não quisesse ser o meu filho. Os meses foram passando, e os meus familiares e amigos tentavam interagir com o Murilo. Brincadeiras que muitas vezes me frustravam por perceber que ele não retribuía. Todos tinham a mesma resposta: “Não fica assim, ele tem uma personalidade muito forte. Ele não acha graça e não se agrada com brincadeiras simples e bobas”.
Mesmo assim, nada me convencia, algo era diferente.
Com 8 meses o Murilo ainda não havia despertado o interesse por musicais ou desenhos infantis. Só assistia a telejornais, o horário eleitoral e à abertura de novelas. Prendia-se a movimentos giratórios, não brincava de forma adequada. Em muitos momentos via o meu filho em volta de muitos de todos aqueles brinquedos sem demonstrar interesse por nenhum deles.
O que prendia sua atenção era roer as caixas de papelão. Adorava! Fica envolvido por horas naquela atividade tão prazerosa para ele.
Ao ver aquilo me sentia impotente e sem noção real do porquê de os brinquedos serem invisíveis para e ele, e uma caixa sem graça e sem cor era o objeto que mais lhe trazia satisfação. Por vezes, tinha uma gargalhada muito gostosa de bebê, mas eu percebia que não tinha uma contextualização adequada. Ria muito se alguém tropeçasse ou se machucasse, mas não ria se alguém se escondesse por de trás de um paninho, ou se fizesse qualquer outro tipo de brincadeira apropriada para aquela idade.
As minhas angústias só foram aumentando e me sufocando. O Murilo não conseguia ter um bom equilíbrio. Quando o colocávamos sentado, ele tombava até mesmo se estivesse apoiado em algo. Tentei desabafar com a pediatra sobre toda essa minha percepção, e ela me dizia que estava dentro da normalidade e que cada criança tinha a sua evolução, o seu ritmo e o seu tempo. Eu tentava desabafar com os amigos e familiares e também já relatava a possibilidade de ele fazer parte do transtorno do espectro do autismo.
Muitos fizeram uma tentativa de me consolar, dizendo “capaz, ele
não tem nada, ele é tão lindo”. E, mesmo assim, eu pensava, “desde quando o belo não pode ter essa deficiência”? É como comparar o bonito com o mocinho das histórias, considerando que o feio sempre será o vilão. Este tipo de argumento não me convencia. Decidi procurar uma segunda opinião clínica. Minha prima me indicou a
pediatra da filha dela.
Chegando o dia da consulta, entramos no consultório, e a doutora deixou o Murilo muito à vontade, solto pela sala e, enquanto conversávamos, ela o observava. Sem que eu falasse sobre os meus anseios, ela me questionou: “Mãezinha, você sabe o que é o autismo”?. Era tudo o que eu sempre quis ouvir mas, ao mesmo tempo, senti uma dor terrível, um aperto no coração, meu ar faltou por um instante, e desabei em lágrimas. Respondi que sim e que eu já tinha as minhas desconfianças.
A pediatra disse que em apenas uma consulta não teria como avaliar o caso, mas que eu deveria buscar um profissional especializado e já ir trabalhando com essa possibilidade deste diagnóstico. Saindo dali desabafei com todos os amigos, familiares e conhecidos. A sensação que eu tinha era a de que quanto mais eu falava sobre isso, mais leve o fato se tornava.
Até que, um dia, uma colega de trabalho me passou o telefone de um neuropediatra de uma cliente dela, que tinha feito à avaliação do filho. O dia da nossa primeira consulta com o especialista chegou, tive uma grande insônia durante a noite, devido a tanta ansiedade, mas acordei muito animada. O doutor, muito atencioso, explicou-me que o Murilo passaria por muitas consultas e avaliações e me adiantou que ele era uma criança muita tranquila e que, em um primeiro contato, era difícil perceber o autismo ou até mesmo algum traço, já que o Murilo não tinha ecolalias e estereotipias na época.
(Continua na próxima semana)