Apenas hoje, mais de um ano depois de voltar para a aldeia, consegui pisar no Parcão da 79. Fui a uma consulta médica lá perto, e não resisti a atravessar a avenida para aliviar as saudades.
A primeira sensação foi de “parecia que era maior” aquele espaço que era ocupado por shows nos idos de dois mil e não sei quanto. Foi uma época áurea no Parcão, de grandes shows nacionais. As emoções vividas naqueles dias até abafam as verdades pouco honestas sobre o financiamento daqueles eventos. Quem viveu, sabe… tanto o lado belo quanto o feio, que é melhor deixar de lado nesse texto.
Para contextualizar aos leitores de outros estados, Gravataí faz parte da região metropolitana e até hoje a gente sabe que a cultura acontece muito mais na capital do que aqui. Já evoluímos um bocado, desde 2007 temos uma unidade do SESC com um teatro de respeito, onde já assisti algumas peças nacionais. E ainda assim é difícil pensar em grandes bandas tocando na cidade. Imagina há quase 20 anos?
Por isso ter Titãs, Barão Vermelho e Paralamas tocando em Gravataí foram noites inesquecíveis. O primeiro lembro que foi em 2005, porque estava na companhia do meu então namorado. Ele, quatro anos mais velho do que eu, vibrava nos clássicos tipo Homem Primata, que eu ainda não era familiarizada (o acesso à internet ainda era bem limitado). Já eu fiquei emocionada ao ouvir Epitáfio ao vivo, confesso. Era bem a época em que os Titãs estavam colhendo o sucesso do Acústico MTV.
Mas Barão Vermelho e Paralamas foram alguns dos maiores shows que já assisti. Juro que vi o Frejat enxugando uma lágrima depois de Codinome Beija-flor, que teve o áudio do Cazuza e imagens no telão acompanhando. E a guitarra do Frejat fazia vibrar o corpo da gente, uma energia incrível. Showzaço de rock.
A apresentação do Paralamas foi na turnê em que o Herbert Vianna estava retornando aos palcos após o acidente que o deixou paraplégico. E meus amigos… a energia desse homem no palco era tanta que você esquecia que ele estava numa cadeira de rodas. Uma energia que não sai da memória. Foi uma noite de muita emoção também porque Meu Erro marcou as rodinhas de violão da minha adolescência. Sim, os olhos marejaram quando a banda tocou essa canção.
Teve um show do Skank também no Parcão, um tempo depois. Eu nem tinha me planejado a ir, não era tão fã, mas estava de bobeira num domingo nublado e decidi ir dar uma conferida. Logo no início já começou um chuvisco e me afastei mais do palco para me abrigar numa marquise, mas segui acompanhando. Lá pelas tantas me dei conta de que estava cantando junto todas as músicas e conhecia mais de Skank do que eu imaginava. Além de achar o Samuel Rosa um querido: ele pediu desculpas pelo tempo ruim umas três vezes, com toda a educação.
Não só de shows nacionais foram aqueles bons tempos. Teve Reação em Cadeia também, que estava bombando na época. Quem foi jovem nos anos 2000 no RS e não cantou “Me desgrace, me odeie, só não esqueça que eu amei você…”? Mas eu fui mesmo para assistir a banda local que ia abrir, Bruxa D’pano, que eu havia entrevistado um dos integrantes. Rock estradeiro, sabe? Foi engraçado ver duas tribos bem distintas lado a lado no Parcão: as adolescentes enlouquecidas pelos meninos da Reação, e os motoqueiros de jaqueta de couro fãs da Bruxa.
Em outras ocasiões teve também shows das bandas TNT e Chimarruts. Essas eu fui mais para acompanhar amigas, mas novamente vi o Parcão cheio. Por alguns anos lá também foi o endereço da Festa das Bromélias e da Feira do Livro de Gravataí. Quantos bons momentos passados andando de estande em estande! Inclusive foi lá, numa Feira do Livro, que dei entrevista para a revista Evidência (é tipo uma Caras da cidade) e tirei foto com o Fabrício Carpinejar (que me pegou no colo na hora da foto, momento histórico, haha).
Numa outra noite de Feira do Livro, em que fui assistir um bate-papo com o Vitor Ramil, voltei para casa com quatro gatinhos. Um de cada cor (amarelo, laranja, preto e cinza), bem bebezinhos, estavam começando a abrir os olhinhos. Alguém abandonou a caixa com os pequenos embaixo de um banco do Parcão, e eu não ia deixar os bichinhos lá para virarem jantar dos cachorros que circulavam pela área.
Tive que dar leite de conta-gotas na primeira noite, porque era o que havia disponível em casa. Depois comprei uma mamadeira, até que o Martinelli e a Thiane me ajudaram a conseguir uma mãe de leite pros bebês. Dois não resistiram, mas a amarela e a cinzenta ficaram gordinhas e lindas. Minha prima Júlia adotou a amarelinha e chamou de Madonna. Para combinar, apelidei a outra de Cindy (da Cindy Lauper, e também por ser cinza). Essa e a mamãe foram doadas com a ajuda da Thiane. Pelo menos duas vidinhas ajudei a salvar.
Voltando para hoje, o Parcão está bonito, parece bem cuidado. Já fiquei encantada com a plaquinha fofa logo na entrada, trazendo entre outras mensagens, uma frase que é um lema de vida: “A gente colhe o que planta”. Cheguei perto do laguinho, não vi nenhum bicho. Ainda tem os patos e capivaras? Mas com o frio que está fazendo, bicho esperto não sai da toca.
Queria ter dado a volta no laguinho, mas tive medo de andar sozinha por aquele lado mais escondido. É uma droga deixar de fazer as coisas por um medo que só existe porque sou mulher. Porque me sinto vulnerável a um idiota machista qualquer que se ache no direito de me tocar. Dá uma revolta no peito, mas a prudência fala mais alto. Dei meia volta e segui meu caminho pela avenida Dorival, lembrando de tempos em que o Parcão estava cheio e eu conseguia andar por ele sem medo.