Em política o que te dizem nunca é tão importante quanto o que você ouve sem querer. Assim, o chato aqui vai tentar traduzir aos leitores o que talvez não tenha parecido evidente com a apresentação e aprovação de requerimento proposto pelo vereador Alan Vieira (MDB) “solicitando ao Corpo de Bombeiros de Gravataí que informe à Câmara a relação dos integrantes (nome e matrícula) que fizeram parte da Corporação no período entre 2012 e 2015, os quais foram subordinados ao ex-comandante Iremar Nogueira Charopen”.
Um pouco de contexto.
Major da reserva do Corpo de Bombeiros, Charopen foi preso preventivamente nesta quarta por determinação da Justiça Militar. Ex-comandante dos batalhões de Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada, o militar foi denunciado pelo Ministério Público (MP), em diferentes processos, pelas práticas de corrupção passiva, estelionato e falsidade ideológica.
São atribuídos ao militar, que tem julgamento marcado para o dia 21, como a suposta venda de plano de prevenção contra incêndio (PPCI) para empresários e proprietários de grandes imóveis que teriam retribuído com benesses, inclusive depósitos na conta do próprio Charopen.
Baseado na quebra do sigilo bancário, o MP diz que o militar recebeu R$ 113,1 mil em propinas somente em quatro casos investigados, ocorridos entre 2012 e 2014, ocasiões em que ele comandava unidades dos bombeiros na região metropolitana.
Mais detalhes estão na reportagem de GaúchaZH Réu por receber propina para liberar PPCI, major da reserva dos bombeiros é preso.
O que a Câmara tem a ver com isso?
Alan não atendeu ao Seguinte: e nem respondeu áudio enviado pelo WhatsApp. Mas falou ao Giro de Gravataí, após a aprovação na sessão de quinta:
– Depois da tragédia na Boate Kiss, muitos de má índole se beneficiaram com a rigidez da lei sobre prevenção. O julgamento compete ao poder judiciário, mas cabe a nós fiscalizar estas situações, que prejudicam não só o empresário, mas o município. Temos que saber quem participava disso como um todo, se tem mais envolvidos que na época contribuíram para estes supostos crimes. A corporação não pode pagar o preço por conta de alguns.
Nos corredores e elevadores do kinder ovo da José Loureiro, e nas trocas de WhatsApps em grupos de políticos, inclusive em mensagens apagadas segundos após a postagem, já se insinua uma CPI.
A polêmica resta em que um vereador ter sido subordinado de Charopen, em Gravataí. É Bombeiro Batista (PSD). O próprio parlamentar, em entrevista exclusiva ao Seguinte: nesta sexta, identifica indícios de perseguição política, pelas críticas que tem feito desde que saiu da base do governo na ‘crise do Ipag’, amplificadas pela série de páginas e grupos que administra ou se associa no Facebook.
– Sei que sou o mais atingido por esse pedido irresponsável, essa politicagem que mancha toda categoria. Não é função da Câmara investigar um caso que já tem até julgamento marcado. O proponente do requerimento era vereador quando o ex-comandante foi indiciado. Por que não fez nada à época? Desse jeito parece que todo mundo é culpado. Sabemos que há bons e maus em todas as atividades humanas.
Bombeiro não participou da votação do requerimento por ter enfrentado um drama familiar na quinta pela manhã. No horário em que ocorreu a sessão antecipada devido ao feriadão, sua filha de 7 anos precisou ser hospitalizada após parar de respirar por alguns instantes. Sem risco de vida, a menina permanece no Hospital da Criança Santo Antônio.
– Se propuserem CPI eu assino. Como assinei a CPI para investigar CC do governo filmado em flagrante recebendo propina na praça de alimentação do shopping, mas cuja investigação não foi adiante pela falta de assinaturas de vereadores.
Bombeiro faz uma revelação preocupante, sem entrar em detalhes:
– Ontem (quinta) recebi uma ligação anônima me ameaçando.
Analiso.
Inegável é que evitaria qualquer conotação política que, antes de pedir o nome de todos os bombeiros que trabalharam com Charopen, a Câmara aprovasse requerimento pedindo cópia do inquérito, onde há, para o Ministério Público, robustas provas do esquema de propinas, e para a advogada Camila Kersh Rodrigues de Moraes, fartas provas da inocência de seu cliente?
Não tive acesso ao inquérito e à denúncia. Bombeiro me garantiu não ter nenhum envolvimento nas denúncias, apesar de subalterno do ex-comandante no Quartel de Gravataí. Por isso, até ler o processo, vou tratar uma eventual CPI com o devido cuidado. Como sempre escrevo, não sou caça-cliques, não me associo aos que usam do mau humor do eleitor para criminalizar a política, camicases com mandato ou cidadãos, e tenho a mania de não seguir as turbas do Grande Tribunal das Redes Sociais que permitem aos políticos apenas a presunção de culpa.
Ao fim, políticos podem até sonhar ser, mas deveriam cuidar um pouco mais porque não são, como as cobras, autoimunes ao próprio veneno.