“Não me infantilizem. Eu só fiquei idosa”. Essa é uma dentre outras declarações ouvidas por uma amiga ao atender pacientes idosos em seu consultório terapêutico.
Convivendo com pessoas de diferentes faixas etárias, tenho a percepção de que os idosos de hoje não lembram mais a dona Benta, do Sitio do Pica-Pau Amarelo, sempre envolvida com seu tricô e contando histórias para os netos.
São pessoas inquietas, muito inquietas mesmo, estas minhas amigas consideradas idosas no critério “data da fabricação”. Elas – e amigos velhinhos também – geralmente trabalham muito. Outra e outros, nem tanto, mas envolvem-se com projetos sociais, com netos e netas, viajam…
Tem quem voltou a estudar em cursos de pequena duração ou até mesmo em faculdades. Assistem palestras, visitam exposições de arte, respiram cultura e digerem novos conhecimentos.
Volta e meia tenho notícias de que fulano e beltrana estão em algum lugar espetacular que possa ser distante tanto por terra como por mar. Ou que fica logo ali, dobrando a curva da estrada, mas esconde surpresas incríveis. Quem viaja por prazer sabe que o destino escolhido é menos importante do que como nos sentimos naquele local escolhido.
Tenho a alegria de conviver com seres incríveis que andam pela cidade envolvidos com ações humanitárias. Não cabe fazer carinhas e boquinhas e dizer para elas e eles: “Que bonitinho, que bonitinha! Quanta energia!” Sem chances!
Quando uma quantidade significativa de anos já está empilhada nas costas é natural que tragam junto as dores próprias e limitações que lhes são próprias. Se a lucidez está preservada, não é o caso de tentar impor limites ou constrangimentos como se não soubessem distinguir o que lhes serve ou não. Quase sempre sabem. Aliás, esse foi outro apontamento que minha amiga registrou:
– “Não me façam dançar em festas que eu não tenha vontade de participar. Não quero fazer par com mulher. Não me forcem. Dancei a vida toda. Se eu quiser, me tiro para dançar”.
Achei genial essa fala da paciente! Você até pode definir como ranzinza. A intenção é boa: fazer com que a pessoa se movimente, se exercite. Mas a idosa não quer dançar e exige respeito a esta decisão. Respeito é a palavra chave em qualquer relação.
Estou encantada com as histórias das clientes da minha amiga! (É claro que ela preserva integralmente o sigilo profissional. Conta o milagre, mas omite o nome da santa.) Poderia citar outras, mas encerro com uma que você que está me lendo pode achar triste. Entendo-a como uma vigorosa manifestação desta pessoa idosa explicando que ela segue aberta para novas experiências e emoções:
– “Sim. Eu ainda sonho. Eu ainda gosto de comer chocolate… Que nossas saídas sejam também para tomar um café e não apenas ir ao médico.”