No afã de mostrar serviço, ganhar curtidas no Grande Tribunal das Redes Sociais e viabilizar futuras candidaturas, os vereadores precisam cuidar para não desinformar as pessoas e expor o parlamento da quarta economia gaúcha ao rebaixamento. O vereador Roger Correa (PP) voltou de viagem a Brasília anunciando que “assegurou” junto ao senador Luiz Carlos Heinze (PP) e o deputado federal Pedro Westphalen (PP) R$ 450 milhões em investimentos antienchente e seca em Gravataí e região. Reputo é uma informação imprecisa, uma fake news – que, caso o vereador ajude, ainda pode caber como uma meia verdade (sempre lembrando que toda meia verdade tem uma metade que é mentira, não?).
Os recursos são do Novo PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo Lula, como já reportei em uma série de artigos – o mais recente na semana passada: Da Holanda ao Caça e Pesca: como andam dique de R$ 100 milhões, barragens e projetos antienchente na bacia do rio Gravataí.
Não há relação alguma com garantias do senador ou do deputado, ou mesmo emendas parlamentares.
São R$ 2,9 bilhões em recursos federais, já definidos desde o 2024 da catástrofe da enchente no Rio Grande do Sul, destinados a obras de prevenção a enchentes e estiagens na Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí. O megaprojeto inclui diques, barragens e sistemas de bombeamento, além de recomposição da vegetação nas margens do rio em Gravataí, Cachoeirinha, Porto Alegre e Alvorada e Santo Antônio da Patrulha.
O principal projeto para Gravataí é a construção de um dique com casas de bombas automatizadas no bairro Caça e Pesca, orçado em mais de R$ 100 milhões. A estrutura visa conter cheias e escoar água retida durante eventos extremos. Além disso, 13 microbarragens no Rio Gravataí estão em fase avançada de estudos, com Licença Prévia pendente na Fepam. Essas barragens têm dupla função: reduzir a velocidade das águas nas cheias e armazená-las durante secas, combate crucial à escassez hídrica crônica na região.
O prefeito Luiz Zaffalon ainda busca incluir um dique adicional no Arroio Barnabé, que beneficiaria bairros como Vila Rica e Vale Ville. A proposta depende de negociações com o governo estadual, que coordena a execução das obras.
– Não importa quem faça, desde que a obra aconteça – resumiu ao Seguinte: Guilherme Ósio, secretário de Parcerias Estratégicas, Projetos e Captação de Recursos de Gravataí, que em fevereiro buscou informações sobre os projetos em Brasília e destaca a necessidade de sincronia entre municípios, estado e o governo federal.
Os R$ 2,9 bilhões foram confirmados como prioritários em janeiro, em reunião do Conselho de Monitoramento das Ações para Reconstrução do RS, com participação dos governos Lula e Leite.
– Uma vez licitada, a obra não terá risco de continuidade por falta de recursos – garantiu Rui Costa, ministro da Casa Civil, após a reunião do conselho em Porto Alegre.
Contudo, prazos seguem indefinidos: as obras devem começar apenas em 2026, dependendo de atualizações técnicas pós-enchente de maio, que alteraram cotas de inundação. Os estudos da Metroplan se arrastam desde 2013.
A atualização é também o motivo do atraso de quase um ano na conclusão do Plano Municipal de Drenagem de Gravataí, essencial para orientar investimentos de R$ 300 milhões em redes de macro e microdrenagem. Estudos preliminares apontam a necessidade de realocar 40 famílias na Vila Rica e construir bacias de amortecimento para conter alagamentos.
LEIA TAMBÉM
Desafios financeiros e lições do passado
A escala do investimento requerido esbarra na realidade orçamentária local. Nos últimos quatro anos, Gravataí investiu R$ 250 milhões em todas as áreas, incluindo saúde e educação.
– Sozinho, não sei se consigo investir 50 milhões [em drenagem] – já disse ao Seguinte: Zaffa, com o característico ‘sincericídio’.
Especialistas alertam que obras estruturais só trarão resultados se combinadas a políticas de ocupação do solo.
– Respeitar a ‘mancha de inundação’ é fundamental. Construções em áreas de risco anulam investimentos – destacou Sérgio Cardoso, presidente do Comitê da Bacia do Gravataí.
A revisão do Plano Diretor municipal, adiada para 2025, será crucial para evitar novos assentamentos vulneráveis. A análise pela Câmara de Vereadores deve se dar já com um Plano de Drenagem concluído, conforme projeção do prefeito.
LEIA TAMBÉM
Armadilhas do desassoreamento
Apesar de demandas populares por dragagem do Rio Gravataí, especialistas e instituições como o IPH/UFRGS contraindicam a medida.
– Desassorear sem estudos aprofundados empurra a enchente para outras áreas e acelera a seca – explicou Cardoso.
Em vez disso, as microbarragens e diques são apontadas como soluções cientificamente embasadas para equilibrar fluxos hídricos.
Ao fim, enquanto diques e barragens avançam no papel, a população cobra respostas rápidas.
– Enterrar canos não parece realização, mas é essencial – entende Zaffa.
O desafio nas três esferas de governo é transformar projetos em realidade antes que novas tragédias exponham falhas estruturais. Como definiu Ósio: “É uma obra que interfere na outra – e no futuro de milhares”.
Ao fim, são os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos: não é correto o vereador Roger creditar a seus parceiros políticos a garantia dos investimentos. É uma informação imprecisa, fake news.
Ainda caberia como meia verdade caso o senador e o deputado tivessem votado a favor do Orçamento federal para 2025 – o que ainda pode acontecer, caso a oposição, onde restam os dois políticos (apesar do PP ter ministérios e cargos no governo Lula), permita a votação, o que ainda não ocorreu e já entramos no terceiro mês do ano.
Roger ajuda Gravataí se pedir para Heinze e Westphalen agilizarem a votação. Sem Orçamento, não há dinheiro algum. Aí, não importa o pai ou mãe da criança.
Clique aqui para acessar a apresentação dos R$ 6,5 bilhões aprovados para o Rio Grande do Sul para obras de drenagem urbana.
LEIA TAMBÉM