RAFAEL MARTINELLI

Vereador Deadpool terá que pagar 20 mil em custas mesmo após desistir de ação indenizatória de 200 mil contra Prefeitura de Gravataí, Dr. Levi e médica; O embrulho do Popular

Vereador Fernando Pacheco, o Deadpool, em seu gabinete na Câmara de Gravataí

O vereador Fernando Deadpool (União Brasil) vai ter que pagar R$ 20 mil em custas de ação de retratação e indenização de R$ 200 mil que ele próprio moveu – e depois retirou – contra a Prefeitura de Gravataí, o vice-prefeito Dr. Levi Melo (Podemos) e médica envolvida em incidente na USF Barro Vermelho.

Reportei a polêmica de março de 2022 em uma série de artigos como Vereador Deadpool é levado em viatura para registrar B.O. em Delegacia após incidente com médica em posto de saúde de Gravataí; O futuro ’Boca Aberta’?; No B.O. médica diz que vereador de Gravataí ’projetou-se em sua frente, esbarrando em seus seios’; Fernando Deadpool se defende em vídeo e Nota de repúdio a Deadpool: Prefeitura de Gravataí anuncia que buscará responsabilização criminal e judicial em incidente envolvendo vereador e médica; ’Conduta aviltante’, diz Dr. Levi.

A decisão da 4ª Vara Cível Especializada da Fazenda Pública de Gravataí é de que, mesmo que o vereador tenha desistido da ação, o que levou à extinção da mesma, é necessário o pagamento dos honorários sucumbenciais aos procuradores do município e do vice-prefeito na proporção de 10% da causa.

Deadpool não respondeu ao contato do Seguinte: feito ainda na semana passada.

O vereador retirou a ação ao deixar a oposição e aderir à base do governo do prefeito Luiz Zaffalon (PSDB).

Na ação indenizatória, em que à época pediu assistência jurídica gratuita, negada pela Justiça, Deadpool incluiu vídeos e áudios filmados pela sua assessoria para, conforme sua defesa, demonstrar ser ele alvo de uma “armação”; leia a íntegra da ação em Vereador Deadpool contra Prefeitura de Gravataí: o vídeo e áudio que embasam ação indenizatória de 200 mil.

Ao fim, é mais um batismo para Deadpool na política, suas causas e conseqüências. E, goste-se ou não, o vereador é hoje um político, não mais um outsider, alguém de fora da política, potencialmente eleito pela antipolítica.

Foi político ao ir à UPA na noite do incidente, foi político ao mover a ação de indenização e denunciar ser vítima de uma armação, foi político ao retirar o processo quando ingressou na base do governo, assim como vai pagar como um político o que agora lhe é cobrado.

Não resta uma crítica. É só uma constatação.

Lembro o alerta de Luis Fernando Verissimo, em “O Popular”:

Um número recente da Veja trazia fotografias sensacionais das (como diria um inglês) “incomodações” na Irlanda do Norte. Todas eram de ganhar prêmio, mas uma me impressionou especialmente. Nela aparecia a versão irlandesa do Popular.  

É uma figura que sempre me intrigou. A foto da Veja mostra um soldado inglês espichado na calçada, protegido pela quina de um prédio, o rosto tapado por uma máscara de gás, fazendo pontaria contra um franco-atirador local. Atrás dele, agachados no vão de uma porta, dois ou três dos seus companheiros, também em plena parafernália de guerra, esperam tensamente para entrar no tiroteio.  

Há fumaça por todos os lados, um clima de medo e drama. Mas ao lado do soldado que atira, em primeiro plano, está o Popular. De pé, olhando com algum interesse o que se passa, com as mãos nos bolsos e um embrulho embaixo do braço. O Popular foi no armazém e na volta parou para ver a guerra. 

Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas incomodações políticas, no tempo em que ainda havia política no Brasil, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular aparecia assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República…  

Sempre com seu embrulho debaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças. (O Popular irlandês veste terno e sobretudo contra o frio. O Popular tropical é muito mais Popular.) 

Não se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é que fica assistindo à sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos nos bolsos e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores do que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar momentaneamente com uma frase de comício ou um drama na rua, e aí o Popular é que fica olhando para o Transeunte.

O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando o rádio ou a televisão resolvem ouvir “a opinião de um popular” na rua, sempre se enganam. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmara. 

O Popular não merece nem os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é “socorrido por populares”, outro, menos feliz, que é linchado por populares… Engano.  

Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante da História e das coisas. Não é que o Popular desmereça o Poder e os grandes lances da Humanidade, é que ele tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascínio irresistível pelo insignificante. Nas revoluções, o que atrai o Popular é a estranha postura de um soldado deitado no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmara. 

O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E – este é o seu maior mistério, a chave da sua existência – ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. O dia em que pegarem um Popular para desvendarem um mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo a tudo.

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