Você, que um dia antes comemorou a chacina na Vila Cruzeiro, no Rio, é também um cúmplice moral da execução de um inocente, Genivaldo de Jesus Santos, aos 38 anos em uma câmara de gás da polícia brasileira, instalado em Umbaúba, a 100 km de Aracaju, Sergipe.
Era o companheiro de Maria Fabiana dos Santos, pai do Jr., de 7 anos, com ‘folha corrida’ apenas no SUS, por tratar por 20 anos esquizofrenia, cujos remédios carregava no bolso, como alertou aos policiais Wallison de Jesus, antes do tio ter sido preso no porta malas de uma viatura da PRF e asfixiado com gás.
O ‘crime’? Estar sem capacete. O mesmo delito, entre aspas, que, por exemplo, você testemunha em fotos do presidente da República, Jair Bolsonaro, com o ‘Véio da Havan’ na garupa, em uma rápida busca no Google sob o tema “motociata”.
Aos olhos do mundo, nossa república é pior que bananas, é de sangue. Sangue ‘de cor’.
Jornais internacionais compararam o caso com o do negro George Floyd, que morreu após abordagem policial em um 25 de maio, de 2020, exatamente dois anos antes do assassinato de Jesus pelo ‘guarda da esquina’; com você como potencial cúmplice.
Como bem lembrou o jornalista Reinaldo Azevedo, Pedro Aleixo, então vice ‘civil’ do ditador Costa e Silva, alertou-o sobre os efeitos colaterais do AI-5, a instituição oficial no Brasil da “ditadura escancarada”, como descreveu Elio Gaspari:
– O problema não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina.
É tão escancarado como a ditadura que, quando o topo da hierarquia vomita violência, a última ponta do poder, o guarda da esquina, regurgitará também o abuso de autoridade, perceberá a autorização para matar, o ‘excludente de ilicitude’, que já vivemos de fato, e tanto queriam de direito Jair e aquele que chamam hoje ‘juiz ladrão’.
Fugi por mais de um dia de tratar sobre a chacina do Rio, apesar de redes sociais às quais naufrago, e grupos nos quais adoeço, comemorarem.
Tenha esse meu texto a força de uma asa de borboleta, não consegui me omitir, após ouvir a entrevista da esposa de Jesus, em entrevista à jornalista Paloma Morais, da Band News, mesmo que uma distância de quilômetros una esses dois episódios do ‘Brasil da arminha’.
No Rio, reputo uma chacina sim, porque não é possível chamar ‘operação’ um rastro de 25 mortos; ah, com um ‘dano colateral’, a morte da cabelereira Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, carne preta, “a mais barata do mercado” e, invariavelmente, achada por bala perdida na operação que na nota oficial dizia ter como objetivo “diminuir a letalidade”.
Pergunte se foi ou não, mesmo que em off, ao vereador Policial Federal Evandro Coruja, de Gravataí, que, acredito, se valorizar a técnica policial, vai confirmar que algo deu errado. Hoje é bolsonarista, mas boto fé que tenha como norte eterno aquilo que no site oficial trata como ‘visão’ a sua amada Polícia Federal: “Tornar-se referência mundial em Ciência Policial”.
Já no Sergipe, mataram Genivaldo Jesus, que não era messias de nada, só um brasileiro inocente, torturado e asfixiado em uma câmara de gás do estado brasileiro.
Ao fim, políticos, empresários, médicos, jornalistas, DJs e toda misérielite da minha ‘bolha’, que incitam um tribunal de execução estatal em 2022, durmam hoje condenados; vocês são cúmplices da execução de um inocente.
As palavras matam.
Que nunca precisem experimentar as consequências dessa verdade.
– Ele está melhor do que nós, aí dentro está ventilado – disse um policial à esposa de Jesus, enquanto o assassinato era cometido.
Ouça a viúva de Jesus e tenha um “mau fim de semana”