a coluna da jeane

Voltar às aulas? Ainda não é hora

Quem acredita ser possível que as aulas presenciais retornem se forem seguidas as normas de prevenção, nunca entrou numa escola nem conviveu com crianças. Elas se abraçam, tocam no rosto uma da outra, trocam materiais e lanches (não duvido que fariam isso com as máscaras também), brincam com cuspe, limpam o nariz na roupa… e são rápidas, essas coisas acontecem num piscar de olhos. Imagina a professora com 20 ou 30 pirralhos coçando o nariz e esfregando a mão nos olhos ou no coleguinha?

Uma metáfora muito pertinente tem circulado nas redes sociais: se uma criança levar purpurina para a escola, todos os colegas voltarão com purpurina. Mais claro que isso… impossível. Ainda mais que estamos falando de um vírus com alta facilidade de transmissão, e que os cientistas ainda estão tentando entender como controlar. Podem me chamar de pessimista, mas acho que sou realista. E concordo com quem diz que o ano letivo pode ser recuperado, mas a vida não.

Também compreendo quem está quase arrancando os cabelos para dar conta das crianças em casa. É uma situação nova para todo mundo, natural que seja difícil. Talvez seja um momento de aprenderemos a não cobrar tanto de nós mesmos nem dos outros. Sou dessas que acredita que tudo na vida traz algum aprendizado. E numa época em que as exigências de perfeição são cada vez maiores, talvez essa pandemia possa nos ensinar a pegar mais leve e não ficar mal quando as coisas não saem como a gente gostaria.

Se está difícil para nós adultos, imagina para as crianças que estão privadas de encontrar os amigos, jogar bola na praça, brincar no parquinho, passear no shopping. Nesses dias, privilégio mesmo é ter um pátio em casa para não se sentir tão preso. Na vida adulta os dias correm, o tempo sempre está curto para tudo que precisamos dar conta. Para a maioria nem sobra hora para se entediar. Já o tempo dos pequenos passa mais devagar, porque a percepção deles é diferente. Nós, os grandes, precisamos ser compreensivos.

Alguém acha mesmo que depois de todos esses meses as crianças não vão entrar na escola querendo abraçar os coleguinhas? E como a professora vai organizar fila com distanciamento de dois metros, se precisa estar perto dos alunos, principalmente das séries iniciais? Se até nós adultos esquecemos às vezes de espirrar no cotovelo, como esperar que as crianças lembrem e não soltem uma chuva de saliva no amigo do lado? Como uma professora vai conseguir controlar várias crianças ao mesmo tempo quanto ao uso da máscara, se nem os pais dão conta?

Por falar na máscara, o que mais temos visto por aí é gente bem grandinha reclamando para usar, resmungando que incomoda, que embaça os óculos, que é ruim para respirar, deixando o nariz de fora, achando um absurdo serem obrigados ao uso… se nem os adultos estão tendo maturidade e responsabilidade com as máscaras, como vamos esperar que as crianças tenham? Não tem sentido nenhum, diante do comportamento que vemos nas ruas e nas notícias, achar que os pequenos vão seguir certinho as medidas de proteção. Até porque, vale lembrar, criança aprende pelo exemplo…

Sempre tem alguém para dizer: “ah, mas tem pouquíssimos casos com crianças, e neles a doença é mais leve…” Mas muitas vezes quem cuida dos pequenos são avós, que na maioria juntam dois fatores de risco: idade e comorbidades. E tem ainda os outros familiares. Voltar às aulas antes de termos vacina vai ser espalhar o vírus em progressão geométrica. Dá para perceber que muita gente não prestou atenção nesse conteúdo nas aulas de matemática, né?

E nem os adolescentes têm maturidade para todas as precauções que a pandemia exige. Muitas vezes são até mais difíceis de lidar do que os pequenos, justamente porque acham que já sabem cuidar de si. Adolescentes em geral se acham imortais e invencíveis. Faz parte dessa fase. Mas se fossem tão maduros e conscientes quando pensam (e quanto os adultos estão querendo acreditar agora), não teríamos tantos casos de gravidez precoce, né? Os jovens não se previnem nem de engravidar, que é algo simples e que muda a vida para sempre, vão se preocupar com um vírus invisível e que dá muito mais trabalho evitar?

Se acham que estou exagerando… falo com conhecimento de causa. Moro (e morei a maior parte da minha vida) a uma quadra de uma das principais escolas do bairro. Em dia de aula é um rio de crianças e adolescentes passando aqui na frente, falando alto, gargalhando, empurrando uns aos outros, dividindo biscoito ou salgadinho… Se a escola reabrir em meio à pandemia, vai ser vírus para todo lado. E na rua moram vários idosos. Não quero nem imaginar.

Chega a ser ingenuidade acreditar que seja possível retomar as aulas presenciais agora. E às vezes beira o egoísmo também, porque querer essa volta é não pensar na coletividade. Não que me surpreenda, porque o ser humano tem se mostrado cada vez mais centrado no próprio umbigo… Mas se falta bom senso na população, pelo menos os governantes precisam tê-lo. E por mais que se determinem protocolos de segurança, é preciso ter noção da aplicabilidade ou não dessas regras. Repito: quem já entrou numa escola sabe que não é tão simples.

Reforço também: ano letivo se recupera depois da vacina, a vida perdida não tem volta. O maior de todos os privilégios agora é estar com saúde e a salvo do coronavírus. Isso é mais importante do que qualquer conteúdo escolar.

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