“Começa a se formar uma onda legalista no Exército. É hoje de aproveitar e firmar alianças para expurgar os conspiradores bolsonaristas”. Recomendamos o artigo do jornalista Luis Nassif, publicado pelo GGN
Quando o relatório final sobre 8 de janeiro estiver pronto, a principal conclusão é que as forças de segurança do Distrito Federal – incluindo Exército, Polícia Militar e afins – contam com dois tipos de pessoas: os bolsonaristas radicais e os bolsonaristas legalistas. Este é o ponto de partida para se entender o que se passou. A tática do governo será confiar nos legalistas.
Peça 1 – os responsáveis pela intentona
A invasão da Esplanada dos Ministérios teve a participação direta de pelo menos quatro personagens-chaves: o ex-comandante do Exército, Júlio César de Arruda; do Comandante Geral do Planalto, General Gustavo Dutra de Menezes; do Comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, major Paulo Jorge Fernandes da Hora, e do Chefe do Departamento de Operação da Polícia Federal do Distrito Federal, coronel Jorge Eduardo Jaine Barreto.
Alguns pontos que deverão aparecer no relatório final sobre as investigações, a ser divulgado na próxima 4ª feira.:
1. Coube ao Coronel Naime, chefe do Departamento de Operações da PMDF, a tentativa de desarticular completamente o controle de entrada dos manifestantes. Colocou uma tropa insuficiente, tirou férias de 5 a 8 de janeiro. Chamado às pressas, quando houve a invasão, atuou ainda para atrasar o avanço das tropas sobre os terroristas. As tropas avançavam de metro em metro, sob as ordens (aos berros) do interventor Ricardo Capelli. Na opinião de observadores internos do episódio, é possível que o então comandante da PMDF, coronel Fábio Augusto Vieira, tenha sido atropelado pelos fatos.
2. Comandante do Comando Militar do Planalto, o General de Divisão Gustavo Henrique Dutra de Menezes desguarneceu o Palácio do Planalto com o Batalhão da Guarda Presidencial, ainda procurou tirar o interventor da frente da batalha, insistindo para que atendesse a uma ligação sua na Torre de TV do Planalto. O recado para o telefonema foi do coronel Naime.
3. Em meio às reuniões com representantes do governo, declarações do general Dutra de que poderia remover em ordem o acampamento, por conhecer fazendeiros e empresários que haviam levado banheiros químicos e providenciado alimentação.
4. Declaração do general Arruda de que, a invasão do acampamento de noite, poderia provocar um banho de sangue. Questionado pelos presentes se seria sinal de que havia pessoas armadas em uma área do Exército, recuou. Mencionou a presença de mulheres e crianças. Na conversa com o interventor Ricardo Capelli e, depois, com o Ministro Flávio Dino, da Justiça, chegou a avançar de dedo em punho, em tom de ameaça.
5. O fato do general Dutra, enquanto negociava com os representantes do governo Lula, ter mobilizado tanques do Exército com canhões apontados para fora do departamento. Foi ele que impediu a entrada da PMDF no acampamento, dando tempo para os suspeitos se safarem.
6. As declarações do general Arruda à Polícia Federal, na reunião com representantes do governo, sustentando ter mais soldados que eles – para demovê-los da tomada do acampamento à noite. De manhã, quando a PF entrou e levou os acampados, só havia “bucha de canhão”, na expressão de um policial da PF.
7. O Major Hora, desguarnecendo o Palácio e impedindo a prisão de terroristas.
De fato, a intentona mostrou uma articulação entre vários setores do Exército e das milícias bolsonaristas, junto com autoridades do Distrito Federal, visando forçar o governo Lula a recorrer a uma GLO (Garantia de Lei e de Ordem) – que colocaria os militares no comando do país. Essa estratégia já era de domínio geral, tendo chegado até ao tio do WhatsApp.
Uma das notícias veiculadas no período conta que o general Braga Neto (vice de Bolsonaro) teria debatido no Palácio o uso da GLO.
Portanto, houve, de fato, uma conspiração. Já se chegou em alguns terroristas na ponta e em alguns financiadores. Espera-se, agora, que identifique os financiadores maiores e, principalmente, os estrategistas.
Peça 2 – os riscos do coronel Cid
Por todos esses pontos, não bate a versão de que a gota d’água foi a negativa do general Arruda de impedir a nomeação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, o “coronel Cid”, da direção do 1º Batalhão de Ações e Comandos (BAC), que faz parte do Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia (GO), considerado uma “tropa de elite” da força terrestre.
O QG do setor militar urbano não tem contingente ou armamento capaz de manter o golpe em andamento, segundo me informa fonte que, nos governos de Joaquim Roriz, fazia toda a manutenção do DF. O QG do Setor Militar Urbano é eminentemente burocrático. O aparato bélico é bem reduzido. O grosso do armamento está em Goiás, inclusive, a defesa aérea da capital, que fica em Anápolis.
O batalhão comandado pelo coronel Cid teria a capacidade de agir com força máxima em seis horas, ou seja, é um batalhão de eterna prontidão, com a faca no pescoço de Lula. E Cid era considerado braço direito de Bolsonaro, a ponto de estar implicado com movimentações suspeitas com o cartão corporativo da Presidência.
Peça 3 – a punição dos responsáveis
Na verdade, as razões para a demissão do general Arruda eram palpáveis desde 8 de janeiro. Não haveria a necessidade de nenhum fato adicional. O caso do coronel Cid foi uma desculpa para despertar o sentimento de corporativismo do Exército. Mas não haveria nenhuma razão para manter um bolsonarista-raiz nas fuças de Brasília, depois dos eventos de 8 de janeiro. Só se fosse para reeditar a intentona.
O ponto central é avaliar a extensão dos crimes cometidos e de quem estaria sujeito a punições. O fato de um comandante ter autorizado um acampamento em região militar, bradando palavras de ordem contra a Constituição, justificaria seu afastamento?
O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel, além de ter permitido acampamentos em São Paulo, foi assessor do general Villas Boas no período em que se iniciou a conspiração militar – com o tuíte pressionando o Supremo Tribunal Federal.
Em relação à permissão para os acampamentos, os generais obedeciam ordens dos ex-Comandantes do Exército – Generais Freire Gomes e Júlio César de Arruda e do ex-Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
A questão central é estratégica.
Levar ao pé da letra a punição significa se indispor com todas as FFAAs e perder a oportunidade de aliança com os legalistas para segurar os bolsonaristas terroristas.
É importante notar que, a exemplo da Lava Jato, formou-se uma onda de acampamentos em todos os quartéis do país – inclusive em cidades sedes de meros tiros de guerra -, envolvendo a família militar e comandantes não conspiradores.
Agora, começa a se formar uma onda legalista, cuja maior manifestação foi o discurso do general Tomás. É o momento de aproveitar a trégua, firmar alianças, desarmar a conspirata bolsonarista, denunciar e providenciar afastamento imediato de militares que participaram ativamente da conspiração.