RAFAEL MARTINELLI

Zaffa e Cristian não postaram vídeos ao lado de canalhas negacionistas, mas precisamos falar sobre a tragédia das vacinas; O patógeno discursivo que mata crianças

Luiz Zaffalon (PSDB) e Cristian Wasem (MDB) não soltaram vídeos ao lado de canalhas – de peruca loira ou não – negacionistas, mas a polêmica nacional de governadores e prefeitos de extrema direita fazendo palanque sobre a não-obrigatoriedade de apresentar carteira completa de vacinação no momento da matrícula escolar serve de alerta para os efeitos mórbidos do negacionismo também sobre as crianças de Gravataí e Cachoeirinha.

Não é por nada que as duas prefeituras fazem campanhas praticamente semanais e tem indicadores bem mais altos que a média nacional; leia em Gravataí aumenta cobertura vacinal de crianças e é destaque entre as maiores cidades do RS. Mas, para se ter uma ideia do tamanho da tragédia no país, o sarampo voltou e a cobertura vacinal da pólio caiu quase pela metade no Brasil nos últimos cinco anos.

É um evidente efeito do negacionismo em relação às vacinas contra a covid-19, cujo principal coveiro da pandemia foi o ex-deprimente da república, Jair Bolsonaro – que, em entrevista para youtuber português, entre uma, outra e mais uma mentira, voltou a questionar a eficácia das vacinas.

Gravataí e Cachoeirinha não tinham decretos obrigando a vacinação. Reputo seria inconstitucional, inclusive. Mas seus prefeitos não estão por aí falando em “liberdade” para os pais escolherem vacinar ou não, um discurso que não incentiva em nada a vacinação; muito pelo contrário.

“Liberdade” para cometer crimes, traduzindo as consequências dessa delinquência discursiva.

Aurelise Braun, secretária da Educação de Gravataí, explica que as famílias são orientadas a vacinar e o cartão SUS, obrigatório, é compartilhado com a Secretaria da Saúde.

Isabel Fonseca, secretária da Educação de Cachoeirinha, lembra que, além da orientação às famílias, no ano passado pediu que equipes da Secretaria da Saúde fossem até as escolas para completar a cobertura vacinal.

Diz o artigo 227 da Constituição:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Diz o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

“É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento que discutia se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade com fundamento em convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, fixou a seguinte tese:

“É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico (…) Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.

Ao ConJur, principal site especializado do meio jurídico, o especialista em Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Júnior sustentou que a omissão dos pais na vacinação por si só deflagra o sistema de proteção do estatuto, que pode acarretar em diversas sanções aos pais.

Criminalmente, os pais poderão ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do Código Penal:

“Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)”.

Em entrevista à Agência Brasil, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Renato Kfouri, lembrou que, no Brasil, nenhuma criança deixa de frequentar aula porque não está com a carteira de vacinação em dia.

– É uma discussão inócua – disse, sobre o palanque feito pelos políticos extremistas.

– Isso precisa ficar claro. A matrícula escolar é uma excelente oportunidade de checagem do status vacinal. De recuperação de atraso vacinal, de orientação de famílias sobre vacinas. Ninguém penaliza as crianças duplamente, sem saúde e sem educação. Não faz sentido você deixar uma criança fora da escola e sem vacina. A matrícula escolar é uma oportunidade de ouro pra gente checar status vacinal, quem está atrasado, orientar – acrescentou.

Para o pediatra, os anúncios feitos pelos governos de Minas Gerais e de Santa Catarina atacam diretamente a credibilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

– A obrigatoriedade da vacinação, segundo a nossa Constituição e o ECA, é diferente de compulsória. Ninguém deixa de ser matriculado por conta da carteira de vacina. Isso só traz problemas de confiança, problemas de desconfiança da população. É uma pena o uso político desses valores, do tipo ‘O corpo é do meu filho e ninguém mexe nele’. Completamente apelativo. Em pleno 2024, a gente discutindo se precisa ou não vacinar criança. É lamentável que a gente ainda tenha políticos fazendo uso dessa estratégia para angariar votos – completou.

Não tenho dúvidas ser crime o discurso mortal de negacionismo.

Diz o artigo 267 do Código Penal:

“Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena – reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 1º – Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º – No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos”.

Diz o artigo 268 do Código Penal:

“Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro”.

Ao fim, lamentavelmente o negacionismo que mata – e palavras são patógenos – também rende votos de napoleões de hospício.

Alguns não se importam que custe a paralisia ou a morte de uma criança.

Bom para Gravataí e Cachoeirinha que Zaffa e Cristian, mesmo com potencial para agradar alguns eleitores, não tem apelado para canalhices da extrema direita não só brasileira, mas mundial.

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2 Responses

  1. Caro Martinelli. Não creio que uma foto tenha todo esse peso. Ou nenhum para dizer que uma politica é negacionista ou não. A verdade é que o prefeito subiu num palanque no Parcão de Gravatai, nas vésperas da eleição presidencial, no dia 7 de setembro de 2022, para dizer que as pessoas deveriam ter lado. E que o lado dele era o lado do Bolsonaro. Das políticas do Bolsonaro. O prefeito tem todo o direto Democrático de se manifestar. E respeito esta manifestação. Mas é bem verdade que as políticas desenvolvidas em Gravataí coincidem, na sua maioria, com o NEGACIONISMO das políticas daquele governo federal. O sucateamento de várias políticas públicas, arrocho salarial dos servidores, terceirização de políticas na área da educação, atraso de repasses de verbas para escolas, tentativa de extinguir o Plano de Carreira dos Professores e o IPAG. Alterar a lei munipipal de aposentadorias e tentar criar a Lei da Mordaça. É provável que a política vacinal tenha se salvado. E só.

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