Jurista Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio, analisa a decisão do ministro do Supremo e traça possíveis cenários. O Seguinte: reproduz o artigo publicado pelo El País
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será solto ainda neste ano? A questão veio à tona mais uma vez após a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de conceder uma liminar (decisão provisória) determinando "a suspensão de execução de pena" e a "libertação daqueles que tenham sido presos" em segunda instância. A defesa de Lula, que está preso desde abril na sede da Polícia Federal em Curitiba condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entrou com um pedido judicial para que o ex-presidente seja solto pouco depois da decisão do ministro do STF. Ele poderia ficar livre ainda nesta quarta-feira, mas isso depende do que fará o presidente do Supremo Dias Toffoli.
Para o jurista Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio, a situação é muito complicada. Mas ele vê dois caminhos possíveis. O primeiro é que Dias Toffoli tome uma providência e suspenda liminar de Marco Auréio, que foi uma resposta a uma ação movida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e afeta não apenas Lula, mas também outras presos sem a condenação final, incluindo personalidades políticas e empresariais detidas por corrupção pela Lava Jato. O Supremo já entrou em recesso de final de ano às 15h desta quarta-feira, por isso, durante o plantão, cabe ao presidente do órgão decidir sobre as possíveis demandas. Nesta tarde, a Procuradoria-Geral da República se reúne nesta tarde para decidir se recorrerá da decisão de Marco Aurélio. Hartmann avalia que a decisão monocrática de Marco Aurélio é ilegal. "Primeiro porque ele está se manifestando individualmente sobre uma questão que o Plenário já decidiu diversas vezes, todas no mesmo sentido. Não há vácuo de decisão do Plenário. Então ele não pode tomar uma decisão individual contra o plenário", argumenta. Em segundo lugar, porque não há previsão legal de uma liminar individual, monocrática, em um processo de ação direta de constitucionalidade. "Em alguns processos esse tipo de liminar é permitida. Mas não nesse tipo de ação".
O jurista lembra que o plenário do Supremo já se posicionou quatro vezes sobre o assunto. Uma delas em abril de 2016, quando, por seis votos a cinco, entendeu que a execução da pena após uma condenação em segunda instância é compatível com a Constituição. Além disso, já estava marcado para 10 de abril de 2019 mais uma análise da Corte sobre o tema. E esse é um dos fatores que pode pesar em uma possível decisão de Toffoli.
Outro cenário possível é que Toffoli decida não caçar a liminar de Marco Aurélio. Com isso, Lula poderia ser solto ainda nesta quarta, avalia o jurista. A defesa de Lula se apressou em pedir para soltá-lo, algo que, para Hartmann, "à rigor nem seria necessário", já que um magistrado de ofício pode desde já atender a liminar do ministro do Supremo.
A libertação de Lula só não aconteceria caso o Ministério Público entrasse com um pedido de prisão preventiva (com argumento, por exemplo, de que a liberdade de Lula poderia interferir nos processos em que está envolvido ou fugir) e o juiz de primeira instância acatasse. "Mas um juiz não pode decidir isso por vontade própria. Deve haver um pedido do MP bem fundamento para isso", pondera. Os procuradores da força tarefa da Lava Jato condenaram a liminar de Marco Aurélio, mas não indicaram, em uma coletiva de imprensa feita nesta tarde, que devem entrar com uma ação contra a medida, pois afirmaram que confiam que ela será revertida pelo próprio Supremo.
Os argumentos de Marco Aurélio
A liminar de Marco Aurélio —que chega a citar o processo do ex-presidente Lula— tem duas argumentações que chamam a atenção de Hartmann. A primeira diz respeito à interpretação da execução da pena, já que o Código de Processo Penal diz que a execução da pena só começa quando há trânsito em julgado, quando já não há mais recursos possíveis. "Ele advoga que as normas são impossíveis de interpretar de outra forma. Ele não permite interpretação porque, para ele o texto é muito claro", explica o jurista. "Evidentemente isso está errado porque o próprio plenário já se dividiu sobre isso", acrescenta.
A segunda argumentação menciona a superlotação do sistema carcerário. "Ele é de fato um sistema desumano, mas as pesquisas mostram que a vasta maioria são presos em prisão preventiva antes de qualquer condenação. Portanto, é um argumento muito fraco", conclui Hartmann.
Quantos podem ser soltos
No documento em que recorre da decisão de Marco Aurélio, a procuradora-geral Raquel Dodge destaca que, com base nos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 169.000 presos poderão ser soltos. "A afronta à segurança pública e a ordem pública são evidentes", sublinha. Há mais de 700.000 pessoas encarceradas no Brasil, a maioria provisória ou temporariamente.
Contudo, Marco Aurélio diz que sua decisão não se aplica para as prisões preventivas previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, que dizem respeito a presos perigosos ou a quando é preciso manter a detenção para assegurar a ordem pública ou as investigações. Já perto de concluir o documento, ele diz: "Sob a óptica do perigo da demora, há de ter-se presente a prisão ou efetivo recolhimento, antes da preclusão maior da sentença condenatória, não apenas dos condenados em segunda instância por corrupção – pelo denominado crime do colarinho branco –, mas de milhares de cidadãos acusados de haver cometido outros delitos. Se essa temática não for urgente, desconheço outra que o seja".