entrevista

Sofri um golpe, diz Rita Sanco, nos 7 anos do impeachment

Rita Sanco, ex-prefeita de Gravataí

O Dia do Professor de 2011 é inesquecível para a professora Rita Sanco. Eleita três anos antes a prefeita mais votada da história de Gravataí, ela foi cassada pela câmara de vereadores num controverso processo de impeachment que arrastou também seu vice, Cristiano Kingeski. Siga a entrevista exclusiva ao Seguinte:, feita neste 15 de outubro, quando se completam 7 anos do afastamento. E, nos links relacionados em meio à reportagem, conheça mais sobre o episódio.

 

Seguinte: – Sete anos do impeachment, ou golpeachment?

Rita – Golpe. Gravataí foi um laboratório desse processo de cassação de governos e candidaturas populares, uma pequena célula do que depois se estendeu ao âmbito nacional. Fui afastada com base em 11 supostas denúncias todas arquivadas pelo ministério público ou derrubadas pelo judiciário. Talvez a mais simbólica seja a escola técnica, que diziam que não viria e está aí. Olha o que aconteceu com a Dilma: foi afastada por ‘pedaladas’ que antes valiam e, depois da cassação, puderam novamente. Nem em Gravataí, nem no Brasil houve infração política ou administrativa. Não observaram nem o decreto da ditadura que usaram para dar um caráter legalista ao golpe! Foi golpe contra o PT? Sim. Mas o mais assustador é que foram golpes contra o voto do povo. Cassaram 68 mil votos em Gravataí e 54,5 milhões de votos no país.

 

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Seguinte: – Há quem ache exagero comparar a situação local com a nacional, tanto em processos quanto consequências.

Rita – Os processos foram similares e posso listar os retrocessos que causaram. Mas basta medir a popularidade dos governos que assumiram em Gravataí e no Brasil para ter a resposta. Onde estão os empregos que a reforma trabalhista criaria? O que temos são gestantes tendo que provar que não trabalham em locais insalubres, e não o contrário. Com a reforma da previdência, que só não aprovaram com medo da reação do povo nas urnas, mas logo aprovarão se as elites continuarem influenciando o poder, teremos um país de desempregados, de empregos precários e dificuldades para comprovar tempo de serviço, com taxas crescentes de envelhecimento e as pessoas cada vez mais longe da aposentadoria. Some a isso a ‘PEC da Morte’, que congela gastos por 20 anos mesmo em educação e saúde, e teremos um país de doentes e desassistidos. Usando um exemplo da aldeia: se foi tão bom para os brasileiros, por que Jones Martins não foi eleito? Votou a favor da reforma trabalhista, defendeu como pode a reforma da previdência e se colou à tropa de choque de Michel Temer! Sem falar nos falsos patriotas, enrolados na bandeira do Brasil e vendendo patrimônio nacional, entregando nosso Pré-Sal justamente no momento em que temos tecnologia para torná-lo rentável. Aqui em Gravataí você vê uma cidade parada no tempo, que sacrifica políticas sociais e o funcionalismo, usando uma fórmula que deprime a economia e não deu certo em lugar nenhum do mundo. O caminho do golpe foi o jeito que esse pessoal encontrou para chegar ao poder sem passar pelas urnas.

 

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Seguinte: – Então a senhora credita a articulação do impeachment ao MDB do atual prefeito Marco Alba?

Rita – Sem dúvida. O MDB sempre foi Marco Alba e o partido assumiu o governo logo após o golpe, preparando o terreno para a próxima eleição. Usaram alguns oportunistas, descontentes do próprio PT, que depois ficaram pelo caminho. Além de me afastar, travaram uma guerra jurídica nunca antes vista para impedir a eleição de Daniel Bordignon. Ele nem está mais no PT, mas é impossível brigar com os fatos. A verdade é que ele, com toda história de feitos por Gravataí, foi impedido de concorrer por bobagens: um convênio de R$ 6 mil o qual depois se comprovou regular e a contratação de médicos e professores com aprovação da câmara de vereadores. O mesmo aconteceu com Dilma e com Lula. Apontar essas coisas não significa defender corrupção, mas sim que a lei seja cumprida e não usada politicamente. Qual o crime do Bordignon, da Dilma? Juristas renomados do Brasil e do mundo denunciam que a condenação de Lula foi sem provas. O Brasil está pagando caro por isso, com a barbárie que se aproxima.

 

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Seguinte: – A senhora se refere a uma provável eleição de Jair Bolsonaro?

Rita – Sim. Perderam o controle do monstro que criaram. As estratégias para matar o PT fizeram sair do armário o que de pior há na política e nas pessoas. Nunca houve eleição assim, com tantas mentiras, calúnias, fakenews. Estava vendo o programa eleitoral há pouco e enquanto um candidato apresentava propostas o outro falava que tinha feito vasectomia! Bote essa anomalia, essa possibilidade de um futuro obscuro, na conta do ódio criado contra o PT, contra movimentos sociais, programas sociais. Alguém poderia imaginar um candidato que lidera as pesquisas medindo negros em arroubas, desprezando índios, dizendo que bater em filho gay resolve o problema, que deu uma fraquejada e nasceu uma filha, que é justo uma mulher ganhar menos? Há algo mais nojento do que dizer que uma mulher não merece ser estuprada porque é feia? Ou explicar que usava apartamento funcional para “comer gente”? Ou que mulheres de direita são mais bonitas e cheirosas? E defender a tortura, então? Em nome de Deus? É triste, mas muitos aplaudem, enquanto crêem em absurdos como o nazismo ser de esquerda. Os avisos estão aí, vindos do mundo todo. Até Le Pen, a candidata de extrema direita da França, considera desagradável esse ideário de Bolsonaro. Me criei ouvindo Brizola falar dos filhotes da ditadura. Pois eles estão aí, saindo do armário. E com um cheque em branco, porque ninguém sabe o programa econômico do candidato.

 

Seguinte: – Voltando ao impeachment, fazes alguma mea culpa?

Rita – Da gestão não. A tal ‘herança maldita’ que há oito anos sustenta esse discurso de depressão do prefeito e do MDB, estávamos resolvendo. Nos seqüestraram dois anos de governo. E a coisa não é assim como contam. Criam dificuldades para vender facilidades. Em dois anos equilibrei as contas. Quantos adversários você não ouve dizendo: “a Rita estava pagando as contas”. E também enfrentamos perda de receita. Em 2009 assumi com um orçamento que tinha R$ 5 milhões a menos. Paguei dívidas do meu governo e R$ 18 milhões do governo anterior. É preciso dizer a verdade. O Ipag (instituto de previdência e assistência do funcionalismo) tinha dívida? Sim, mas estava renegociada. Bordignon parcelou e Sérgio Stasinski não pagou. Verdade. Mas estávamos retomando. E tudo cabia no orçamento. Essa dívida do Ipag, bom que se diga, não é oriunda de um desvio, de corrupção, de dinheiro jogado fora. O que não foi repassado para o Ipag foi usado para dar uma infra-estrutura mínima para a cidade, o que permitiria atrair investimentos, além das pessoas viverem em melhores condições. Em resumo: o dinheiro do Ipag foi para construir escolas, postos de saúde, asfaltar ruas, valorizar os professores. Isso sim é cuidar das pessoas. Pergunte a quem viveu a época. Não fui afastada por corrupção, nunca tive uma denúncia de superfaturamento, nada. Assumi num momento de tensão interna do PT, com o qual não soubemos lidar. Mas não recuaria no que fiz como prefeita, que foi fiscalizar contratos, cobrar atrasos em serviços, pagar os fornecedores dentro da ordem cronológica e não aceitar qualquer relação de toma-lá-dá-cá com a câmara de vereadores. Aconteceu que não nos ganhavam nas urnas e resolveram entrar pela porta dos fundos da prefeitura.

 

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Seguinte: – Adversários questionam a legitimidade da eleição de 2008, por Bordignon, impugnado, ter renunciado a candidatura em favor da senhora a pouco mais de uma semana da eleição. A foto dele estava na urna, inclusive.

Rita – De fato, eu era vice, e fui eleita numa situação muito específica, mas sempre fiz referência a isso na campanha e após eleita. O eleitor sabia o que estava acontecendo. Foi notícia em todos os jornais, rádios, TVs. E a transferência de votos não se daria se eu tivesse rejeição. Eu já tinha uma história reconhecida em Gravataí. O que estava em jogo era a eleição de um projeto, aprovado pela população nos dois governos de Bordignon. Cumpri à risca o programa de governo da nossa chapa, pelo menos até a câmara começar a me sabotar, antes com ‘pautas-bomba’, criando despesas, da mesma forma como Eduardo Cunha fez com a Dilma, e depois com dois processos de impeachment que duraram um ano, porque queria tomar a prefeitura de assalto, sem uma nova eleição.

 

Seguinte: – Faltou apoio de Daniel Bordignon ao seu governo?

Rita – Não. Não soubemos lidar com as tensões internas no PT e não acreditávamos na irresponsabilidade dos vereadores. Cassar um governo sem motivo? Analisando hoje, em retrospectiva, e com tudo que aconteceu no Brasil, tudo parece óbvio. Naquela época não era. Há quem acredite na democracia, há os que apenas a usam para seus interesses.

 

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Seguinte: – Diversos políticos, de vereadores que votaram a favor até o autor do impeachment, o advogado Cláudio Ávila, já disseram publicamente, de diferentes formas, que apesar da cassação, “a Rita é uma mulher honesta”. Consola, ou revolta?

Rita – É uma admissão de culpa dessas pessoas. Se não gostavam do governo, que convencessem o eleitor nas urnas. Muitos ficam constrangidos quando me enxergam. Eu durmo tranqüila. Não respondo a nenhum processo. Olha quantos estão aí hoje bem enrolados. A história faz seu julgamento, queiram ou não.

 

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