3º Neurônio | comportamento

“Facebook usou técnicas para criar um vício, como cigarro”

Jaron Lanier, durante a entrevista em Berkeley

Analista do mundo digital e um dos pioneiros da Internet, Jaron Lanier diz que as redes usam teoria behaviorista para favorecer seus clientes, e defende que sejam pagas. O Seguinte: recomenda e reproduz o artigo publicado pelo El País

 

“Bem-vindo à jaula que o acompanha aonde quer que você vá.” O último livro de Jaron Lanier não tem rodeios, e essa é sua primeira frase. Lanier (Nova York, 58 anos) foi um dos pioneiros da Internet nos anos oitenta e ficou conhecido por ter dado os primeiros passos da realidade virtual. Mas é, sobretudo, um dos filósofos mais lúcidos acerca do mundo digital que inundou nossas vidas em poucos anos. Seu novo livro tem título de artigo viral: Ten Arguments for Deleting Your Social Media Accounts Right Now (“dez argumentos para deletar imediatamente suas contas nas redes sociais”). Marcamos com ele no Saul’s, uma conhecida deli judaica ao lado da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Entre um bagel torrado e uma salada de peixe, mobiliza sua eloquência contra os senhores das redes.

 

Pergunta. No livro você defende que apaguemos nossas redes sociais, mas ao mesmo tempo que aprendamos a usar bem a Internet. O que fazemos?

Resposta. Ainda acredito de verdade na Internet, mas algumas poucas companhias monopolistas tomaram o controle da Internet e a arruinaram. Nunca tive uma conta em uma rede social, nem Facebook, nem Twitter, nem nada. Nunca. Como faço? Porque esses serviços realmente não acrescentam nada ao que a Internet lhe dá. Usando as capacidades normais da Internet, como fazer um site ou mandar um e-mail, você não precisa dessas empresas. As pessoas chegaram à conclusão de que as necessitam, mas não é verdade. Ao que me oponho é esse controle por parte de monopólios gigantes, em que qualquer conexão entre pessoas só pode ser financiada se houver uma terceira pessoa que quer manipular essas duas pessoas. Acredito que isso seja a receita para a loucura e a negatividade. E espalhou-se tanto que talvez não sobrevivamos. A Internet em si continua sendo genial.

 

P. Mas o que explica o sucesso maciço do Facebook?

R. Não acho que o Facebook agregue qualquer utilidade. O que ele fez foi integrar técnicas behavioristas para criar um vício. É muito similar à expansão dos cigarros. É um uso deliberado de métodos behavioristas. Isto não sou eu quem digo, e sim alguns dos fundadores do Facebook, como Sean Parker. A razão de tanta gente usá-lo não é que agregue qualquer utilidade, o que ele agrega são técnicas de vício. Essa diferença é extremamente importante.

 

P. Há alguma forma de essas redes sociais fazerem o bem?

R. Sim. São necessários dois passos. Um deles é reformar o modelo econômico. Mudar as redes sociais de forma que o verdadeiro cliente seja o usuário, em vez dessa misteriosa terceira pessoa que está tentando manipular o usuário. Isso tiraria o incentivo perverso que amplifica toda a loucura, a aspereza, a paranoia, a tensão e a negatividade. E a outra coisa que temos que fazer é reforçar instituições intermediárias. Isto é mais sutil. Quando o Facebook começou, tinha um lema que era “mova-se rápido e quebre as coisas”. Concretamente, o que se quebrou foram as organizações intermediárias, como os jornais. Foram fragilizadas. E o fato é que essas organizações forneciam um recurso que era absolutamente necessário.

 

P. É paradoxal. Parece que o velho mundo, no qual os grandes meios de comunicação eram criticados por controlar o discurso, na verdade era mais saudável que o novo mundo.

R. O que ocorre é que, na tentativa de deixar tudo muito aberto, o que criamos são hipermonopólios que se tornaram controladores e autoritários. Tentamos torná-lo mais aberto e fracassamos. Tentando fazer o mundo melhor, e o tornamos pior. Foi isso que aconteceu.

 

P. Há uma rebelião, ou esse discurso é só para intelectuais e elites?

R. É difícil de medir. Eu também acredito que as pessoas comecem a perceber. Uma coisa incrível foi que, quando o Twitter e o Facebook expurgaram as contas falsas, criadas sobretudo por agentes russos malignos, suas ações caíram cerca de 20%. Algo está muito errado numa estrutura de incentivos em que você é penalizado por ser honesto e premiado por ser desonesto. Há uma geração de engenheiros jovens no mundo tecnológico que sentem nojo e vergonha e querem mudar isso.

 

P. As crianças que estão crescendo com isso, terão mais poder para controlar?

R. Infelizmente, não. Um indivíduo por si só pode fazer muito pouco. Precisamos nos organizar como sociedade. Vou ser bem claro: temos um problema de vício maciço. É muito parecido com o que aconteceu com o cigarro. Ou quando as pessoas dirigiam bêbadas. Nos dois casos havia grandes interesses corporativos nesse vício maciço. Mas de alguma forma pudemos ter uma conversa como sociedade e entendemos que aquilo era muito estúpido. E mudamos. Da mesma forma, aqui precisamos ter uma conversa como sociedade para mudar. É falso esse mito de que os jovens, por serem nativos digitais, de alguma forma podem usar os computadores tão bem que não caem sob o controle da tecnologia aditiva. Porque as técnicas de vício são poderosas e foram bem estudadas. Minha prova é que meus amigos no setor não deixam que seus filhos utilizem seus produtos. Se fosse assim, o pessoal do Facebook e do Google deixaria que seus filhos os usassem. Não deixam.

 

P. Qual é o elemento aditivo?

R. Eles utilizam um ramo da ciência chamada behaviorismo, que começa no século XIX. Baseia-se na ideia de que você pode alterar de forma confiável o padrão de comportamento de uma criatura, pessoa ou animal, através de um ciclo de feedback, e pode medir o que a criatura faz. O que é diferente de formas anteriores de meios de comunicação e de publicidade é que você pode medir constantemente tudo, desde sua expressão facial, com quem você fala, o que diz, e obviamente o que você procura. E coloca isso em algoritmos com os quais decide que tipo de alimentação essa pessoa recebe, nas redes sociais ou como informação, e buscas correlações, de que forma a mudança no feed altera seu comportamento. Mais concretamente, você busca essas correlações em milhões de pessoas que parecem compartilhar algum aspecto com essa pessoa. E gradualmente, por estatística, sem nem sequer entender por que, você percebe que pode mudar a pessoa através de mudanças no feed. E o objetivo número um é torná-las viciadas, de forma que continuem a usar, que sintam que têm que estar lá o tempo todo. O objetivo número dois é satisfazer os verdadeiros clientes, que são os que pagam para manipular e mudar as pessoas, talvez para que comprem algo, ou para que se desencantem e não votem. O negativo funciona melhor que o positivo, e é assim que o mundo vira uma merda.

 

P. Como se melhora? Como seria um Facebook melhorado?

R. Na virada de século, havia uma convicção geral de que tudo na Internet devia ser grátis, e que o único modelo de negócio era o da publicidade. Mas então empresas como a Netflix decidiram provar outra coisa. Viram que graças à Internet podiam ter uma relação direta com as pessoas, e arriscaram para ver se as pessoas pagariam para assistir ao que gostam. E isso trouxe um resultado muito positivo para a indústria e um cenário que muitos descrevem como a época áurea da televisão. Você passou de um modelo grátis para um modelo pago. Acho que, da mesma maneira, hoje acreditamos que o Facebook é o único possível, porque muita gente cresceu com ele. Se houvesse uma maneira de pagar, haveria mais acesso a informação de qualidade e mais jornalistas. Ninguém sabe exatamente como seria. Ninguém sabia como seria a Netflix. É preciso inventar. Mas assumir que não se pode fazer é ridículo.

 

P. As pessoas pagarão por informação confiável?

R. É preciso se perguntar por que pagavam pelos jornais no começo. Quando um jornal cria uma fama de confiável, isso é parte do seu valor. As pessoas que procuravam qualidade tinham onde encontrá-la. Esse foi um grande erro da primeira filosofia da Internet, que todos os intermediários deviam desaparecer. Isso o que fez foi dar todo o poder a um monopólio central.

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