Ontem, decidi descansar um pouco, para me recuperar do tal “soroche” (mal da altura), que me havia atacado no meio da noite, mas, logo depois do café da manhã, começou a haver uma grande movimentação de carros diante da casa em que minhas filhas vivem aqui em Quito.
Elas correram ao jardim e voltaram com a notícia de que Rafael Correa, ex-presidente do País, estava no prédio em frente, onde funciona a Coordenadoria de Meios Comunitários Populares e Educativos do Equador – Corape, para conceder uma entrevista de rádio no âmbito da campanha que vem realizando em favor do NÃO na consulta popular e no referendum que ocorrerão no próximo domingo.
Bruno, meu filho, que é correista declarado, correu a acessar seu site, para que pudéssemos acompanhar a entrevista, e, quando terminou, cruzou a rua correndo para abraçá-lo e tirar uma foto com ele.
As perguntas a que povo deverá responder, amplamente divulgadas em espanhol e em quéchua, e para as quais o governo de Lenín Moreno — que foi vice-presidente de Correa, mas rompeu com ele ao estabelecer alianças com partidos de oposição após eleito —, pede que votem SIM, dividem-se em dois blocos.
As da consulta popular referem-se a alterações na Constituição e as do referendum, a alterações de leis, que, segundo Correa, caberiam à Assembleia Nacional.
E, por outro lado, ele aponta que há perguntas da consulta popular que podem induzir o povo a aprovar todo o pacote, sem maior reflexão, como a seguinte: “Você está de acordo de que se emende a Constituição para que nunca prescrevam os delitos sexuais contra crianças e adolescentes? ” (atualmente, estes crimes prescrevem aos 40 anos).
Desta forma, tendem a ser aprovadas algumas alterações preocupantes, como a de que trata a penúltima das sete perguntas apresentadas aos eleitores: "Você está de acordo de que se revogue a Lei Orgânica para evitar a especulação sobre o valor das terras e a especulação de tributos, conhecida como a Lei da Mais-Valia?”.
Ocorre que, no Equador, não era taxado, até a promulgação desta lei de 2016 — que, naturalmente, afeta interesses das grandes construtoras nacionais, com as quais o presidente Lenin está comprometido até os ossos —, o lucro obtido na venda de terras adquiridas a baixo preço por especuladores.
Como não vivo aqui, apesar de serem visíveis os avanços ocorridos, durante suas gestões, sobretudo nas áreas da infraestrutura e do desenvolvimento socioeconômico, assim como alguns erros graves que cometeu, não tenho uma opinião conclusiva sobre o Rafael Correa. Cá entre nós, incomoda-me o tom colérico de suas intervenções públicas (um político jamais deveria deixar-se dominar pela cólera), mas a forma como as perguntas foram formuladas é, realmente, bastante capciosa.
Também no Brasil tenho visto mecanismos da democracia participativa serem utilizados para que o eleitor tenha a sensação de que sua opinião é importante, quando, na verdade, servem apenas para que sejam referendadas decisões já tomadas pelo gestor público.
A dominação histórica pela ignorância é um fato, tanto aqui, como em nosso país…
A propósito, fiquei sabendo, ontem, que, de acordo com pesquisas realizadas pelo Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe – Cerlalc, os equatorianos leem, em média, apenas meio livro por ano. Está claro que faltam, por aqui, polícias públicas efetivas para o fomento da leitura, que devem incluir, obrigatoriamente, a redução do custo do livro, que ainda é considerado produto de luxo.
Passado o rebuliço que gerou, na rua, a entrevista do Corrêa, que ainda tem um índice de aprovação popular bastante alto, fui com Bruno e Laura, sua namorada, almoçar em uma “mariqueria”, para matar a saudade do ceviche de camarão e, mais tarde, saí com a Carla para o Mercado Santa Clara.
Além de uma variedade incrível de frutas e verduras, o mercado conta com setores específicos para a venda de carne, de alimentos industrializados, de cestas de palha, de flores e folhagens e de pratos típicos.
De lá, fomos direto para a cafeteria do 8 1/2 — um espaço incrível do bairro Floresta, fundado por um grupo de produtores de cinema, cineastas e outros artistas interessados em promover a cultura cinematográfica—, onde encontramos a Nanda e seu sócio Paulinho.
E, à noite, a Frederica, amiga italiana das gurias, coordenou a preparação de uma receita de nhoques de batatas e abóbora, feita a várias mãos, e tivemos um jantar delicioso.
Amanhã tem mais…
O álbum de fotos:
: Carla, Frederica, Laura e Fernanda preparando nhoques
: Jantar com amigas das gurias, ontem á noite. Bruno não aparece porque estava fotografando o grupo.
: Nanda e Carla na cafeteria do 8/12
: Setor das cestas no Mercado Santa Clara
: Mais do setor da cestas no Mercado Santa Clara
: Casmari, loja de economia solidária, no entorno do Mercado Santa Clara
: Ceviche de camarão. Para conhecer a receita, clique aqui.
: Floricultura da Bessie, no entorno do Mercado Santa Clara. Bessie, como muitas outras pessoas que nos atendem no comércio, é cubana.
: Pitahaya – esta fruta é uma maravilha para fazer o intestino funcionar
: Plátanos verdes. Não seriam bananas mesmo?
: Toronja (grape fruit)
: Uvillas
: Granadilla
: Cacau
: Babacos