Em março de 2000, vim viver em Cachoeirinha por razões estritamente econômicas. Havia voltado ao país com três filhos debaixo do braço, três anos antes, depois de ter passado 17 no Equador. E, embora tenha tido a sorte de conseguir, em pouco tempo, um trabalho legal, estava gastando demais com aluguel em Porto Alegre.
Então, decidi reformar uma casa que havia herdado de meu pai, e nos mudamos de mala e cuia para cá “por pouco tempo”. Minha ideia era voltar a Porto Alegre, onde nasci e me criei, assim que nossa situação financeira se estabilizasse, mas que nada!
Logo, logo, estava envolvida até o pescoço com a cidade e, anos depois, quando meus filhos fizeram o caminho inverso (primeiro para Porto Alegre e depois para Quito, onde vivem atualmente), fiquei aqui, não para sempre, pois esta é uma expressão que evito, mas “até um dia, até talvez, até quem sabe”, como diz a canção do João Donato.
Cachoeirinha tem tudo pra dar certo: uma localização privilegiada, indústrias de ponta, um comércio pujante, artistas de primeira… Mas há áreas que não deslancham, o que tem a ver não só com problemas de gestão, mas também com a falta do sentimento de pertencimento de boa parte dos cidadãos com relação à cidade.
Esta questão sempre me intrigou. Basta um de nós anunciar que está fazendo ou vai fazer algo que pode tornar a cidade um lugar mais aprazível para se viver, e aparece alguém para garantir que “não vale a pena perder tempo com isto” ou que “isto jamais funcionará por aqui”. Complicado, né?
Esta síndrome do caranguejo, que leva algumas pessoas a “puxarem para dentro do balde” quem se recusa à inação, precisa ser superada. Mudanças de comportamento são possíveis e podem ocorrer em menos tempo do que imaginamos. Eu já vi isto em outros lugares. Por que haveria de ser diferente por aqui?
Naturalmente, isto passa por investimentos e melhorias que cabem ao poder público, mas há uma série de coisas que nós mesmos podemos fazer, em parceria ou não com a Prefeitura.
Aqui vão algumas possibilidades:
– Adoção de praças, áreas verdes e outros espaços públicos, de acordo com a Lei 3424/14, em troca por visibilidade. Com uma boa campanha neste sentido, estou certa de que em pouco tempo qualificaríamos várias praças da cidade, tornando-as espaços mais adequados para a convivência social, o esporte, a cultura e o lazer.
– Adoção de paradas de ônibus – Embora não haja uma lei específica sobre este assunto, há um precedente, pois foi firmado termo de cessão com vistas à instalação da Parada da Leitura na Flores da Cunha. Agora, a Smed estuda a viabilidade de adotar uma parada, para divulgar textos literários e informações de interesse para a cidadania, e soube que um empresário da cidade está disposto a adotar a que fica diante de sua loja, para disponibilizar WiFi ao público. Se realizada, esta ação tende a inibir os furtos em sua loja e em seu entorno, pois certamente atrairá público o dia inteiro, como ocorre na Praça Telmo da Silveira Dornelles, onde acabaram as depredações que ocorriam no local desde que o Ponto de Leitura Sol e Lua colocou este serviço à disposição da comunidade. Por outro lado, as paradas, devidamente adotadas e recuperadas, poderiam ser um espaço ímpar para a divulgação de informações por meio de murais.
– Promulgação de uma Lei do Artista de Rua, nos moldes da de Porto Alegre, que permita a realização de manifestações culturais em espaços públicos, desde que gratuitas e não patrocinadas, sendo permitidas doações espontâneas. Isto certamente daria vida à Flores da Cunha e a outras vias comerciais da cidade, assim como a algumas praças.
– Adoção de espaços para instalar parklets nos trechos da Flores da Cunha em que a calçada é mais ampla, para suprir a carência de espaços de convivência social naquela região da cidade. :
– Criação da Associação de Amigos da Casa da Cultura, para funcionar como braço captador da entidade com vistas à instalação de um teatro com todas as condições técnicas para a realização de shows e espetáculos teatrais.
– Criação da Associação de Amigos da Biblioteca Pública, com vistas à captação e recursos para a construção da nova sede da entidade, para o que já existe área disponível e projeto pronto.
Paro por aqui, para não correr o risco de que deixem a leitura de lado, mas lhes garanto que nada do que sugeri acima é impossível de realizar.
Feliz ano para todos nós!