Que vivemos num mundo conectado, já é mais do que uma informação batida, a começar por esta coluna escrita em meio digital.
Mas precisamos insistir: quanto nos falta de sensibilidade nessa Era de olhares direcionados a telas, nesse tempo de cegueira social?
Na última semana, peguei, mais uma vez, um ônibus lotado. Estava com meu filho Augusto e, por conta da proeminência de meus setes meses de gestação, decidi permanecer ali mesmo, na parte da frente, sem passar a roleta. Em pé fiquei, ao lado do banco preferencial, onde duas jovens mulheres estavam sentadas olhando para as telas de seus celulares. Não se desconectaram. Não me cederam lugar. Não.
Seria preciso um geolocalizador de gestantes? A pessoa estaria ali, acessando sua rede social ou seu novo jogo em busca de pokemons, e logo apareceria um aviso: gestante, idoso, pessoa com necessidade especial nas proximidades. Um software intitulado “Preferencial GO”. Será?
Creio que isso não resolveria o problema. Entre localizar uma gestante e ceder o lugar, não há apenas a ausência de um olhar: falta o olhar sensível, da gentileza. Falta pensar no outro como alguém que me afeta. Falta afeto.
Esse processo de intermediação demasiado imposto pelas mídias digitais está subjugando nossa condição de humanidade. Não vemos paisagens, vemos fotos de paisagens. Não sentimos o sabor da comida, salivamos pela foto da comida postada pelo amigo na rede. Sim, sim, já ouvimos isso. Essa consciência todos nós já temos. A questão é: como resistir a esse apelo?
Mais uma vez, insisto na arte como possibilidade de humanização, porque ela nos educa para esse olhar sensível. Não é com olhos fáceis que enxergamos um poema, um quadro. É com olhos atentos. E é disso que necessitamos para resistir à frieza do olhar que não vê.
Como disse Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta.”
Ainda bem.