Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas do passado.
Isso é Karl Marx.
Mas isso também foi Daniel Bordignon na unção de seu nome a prefeito, na convenção do PDT que confirmou Cláudio Ávila como vice, e a coligação com PCdoB, Solidariedade, PPS, PTdoB, PHS, PR e o PPL.
O ex-prefeito disse isso, antes e durante o discurso eivado de comparações entre seus governos (de 1997 a 2004) e o de Marco Alba (PMDB):
– Não tínhamos dinheiro da GM no orçamento e fizemos mais com menos. Esse discurso de choradeira afasta investimentos.
Um discurso também permeado pelo velho estilo “nós contra eles”, no caso, "a elite", com uma nada sutil convocação à luta de classes, falando que sortearia “uma TV a cores” para quem conseguisse uma audiência com “o prefeito da Paragem Verdes Campos”.
– Jamais aceitaram um cara do Caça e Pesca eleito prefeito, depois reeleito e que elegeu outro prefeito e outra prefeita.
– Como não aceitam um guri do Beco do Mijo se formar advogado e agora ser o vice – disse, evocando sua história de vida e a de Ávila, mentor do impeachment que tirou o PT do governo após 14 anos, a quem creditou toda segurança jurídica de sua candidatura nas eleições de outubro deste ano.
– Eu não seria candidato novamente para ser impugnado.
Bordignon atacou o PT nacional, “cheio de dirigentes envoltos em mal feitos” e que, como FHC em 1998, "cometeu estelionato eleitoral em 2014”, além de também criticar o partido em Gravataí, onde esteve por 32 anos, por não estar junto a ele.
– Oferecemos o vice. Mas, por soberba e por só olharem para trás, cometem um erro histórico.
– Nosso único adversário deveria ser o filhote do Eliseu Padilha – disse, referindo-se a Marco, que tem como notório padrinho político o ministro chefe da Casa Civil do governo Michel Temer.
– Não há qualquer chance do Bordignon não estar nas urnas. E quem decide as candidaturas do PDT não são mentiras ou pesquisas, são nosso filiados e apoiadores – completou Ávila.
O Seguinte:, como sempre faz para tentar colocar o leitor dentro do acontecimento, traz mais sobre o discurso de Bordignon, além de outros detalhes da festa, que lotou um salão do CTG Aldeia dos Anjos na noite desta quarta-feira.
1.
“Agradeço a confiança, num momento em que os adversários só tem um discurso, que é o da minha impugnação. Pois não vai colar dessa vez. O apoio desses outros partidos, muito que deixaram o outro lado, é mais uma prova disso”.
2.
“Não há favoritismo, não podemos ter salto alto. Em 2000 tínhamos 63% na pesquisa, mas fizemos campanha até às 22h do sábado véspera da eleição, e no domingo fizemos nossas caminhadas cívicas. Ganhamos por 40 mil votos de diferença”.
3.
“Em 2008 fiz questão de chamar nossa coligação de frente trabalhista e popular, porque sempre achei que no Brasil e no Rio Grande do Sul não há possibilidade de governos de centro esquerda sem a participação do PDT e sua história. A política é uma tarefa de muitos, que se faz em atos, não apenas nos discursos. Se faz reunindo gente de bem de todos os partidos”.
4.
“Aqui reunimos partidos do povo, da luta dos trabalhadores, criados nas associações de moradores, nos sindicatos. Mas aqui falta um partido do povo, a quem foi oferecido o vice, e não teve a grandeza de fazer auto-crítica, de refletir sobre o volume de dirigentes envoltos em malfeitos, como diz a presidente Dilma. As pessoas diziam: voto em ti, mas para vereador não voto no PT de jeito nenhum. Por soberba, não foram capazes de compreender a magnitude da tarefa. Não pensaram nos pobres do Rincão que morrem sem esgoto, ou nos professores esmagados por uma educação privatizada ao instituto Positivo”.
5.
“O Cláudio Ávila não é vice por acaso. Eu busquei essa aproximação. Quando eu estava no PT, e era candidato a prefeito por unanimidade, não aceitavam coligar com ninguém, enquanto o prefeito reunia 17 partidos no governo. Com o PSB também não podia, porque tinham votado pela cassação (de Rita Sanco). Só olhavam para o passado. O Cláudio organizou o PDT, um partido do nosso campo político, que denuncia o golpe parlamentar contra a presidente Dilma e a democracia, mas também diziam não. Não aceitavam o Cláudio (mentor do impeachment de Rita), nem a Liege (Regina da Silva, diretora do Santa Rita envolvida em uma guerra onde denunciava que o PT queria fechar a escola). Mas um partido não nasce para ele, mas para mudar a sociedade. Entendo que nosso adversário único teria que ser o filhote do Eliseu Padilha”.
6.
“Em 2014 diziam (Dilma e o PT) que estava tudo às mil maravilhas. Foi assumir o governo para fazer igual ao adversário. Já tinha visto isso em 1998, quando logo após a reeleição, Fernando Henrique Cardoso quebrou o país. Isso é estelionato eleitoral. Em 2000 eu era prefeito e, no mês de julho, o pessoal da empresa de ônibus veio acertar o reajuste da tarifa. Disseram: se o senhor quiser esperamos para depois da eleição. Eu disse não. Não se mente para a população. A gente governa como ganha a eleição. E quando a gente vende a alma para o diabo, ele vem buscar”.
7.
“No governo vamos retomar a participação popular, com o povo decidindo as obras. Como fazíamos com o Orçamento Participativo, o prefeito estará lá para ser cobrado. Quer falar mal do prefeito? Pode falar. Na época, todos que queriam usavam o microfone e os vereadores de oposição tinham a palavra e eram chamados à mesa. Nunca, para fazer uma obra, perguntávamos o partido ou time que torciam”.
8.
“Jamais aceitaram um cara do Caça e Pesca eleito prefeito, depois reeleito e que elegeu outro prefeito e outra prefeita. Como não aceitam um guri do Beco do Mijo se formar advogado e agora ser o vice. Hoje temos um prefeito da Paragem Verdes Campos. Não que os bairros nobres não mereçam atenção. Nos meus governos, dei atenção a todos. Mas nós sabemos por onde começar, que é onde mais as pessoas precisam”.
9.
“Não há uma pessoa que possa dizer que não foi atendida por mim na Prefeitura. Nem cidadão, nem político. Se chegava um vereador, mesmo o mais crítico da oposição, eu parava a reunião e ia atender. É uma obrigação, tratam-se de eleitos pelo voto popular. Hoje sorteio uma TV a cores para quem conseguir uma audiência com o prefeito”.
10.
“O prefeito que está aí diz que não pode fazer por culpa das dívidas. Mas quando assumi a Prefeitura em 1997 Gravataí era o maior devedor de INSS do Rio Grande do Sul. Não se pagava há 30 anos. Mesmo período que não se recolhia o FGTS. Com a CEEE o calote era de 46 meses. Os professores não tinham recebido novembro e dezembro, nem o 13º. Agora assumiram com R$ 500 milhões de orçamento, salário em dia, e só dão desculpas”.
11.
“Prefeito não é para chorar. Quando assumi, nunca falei do governo anterior. Ou teríamos mandado a GM embora. Que empresário investe numa cidade nesse clima de depressão? Isso espanta investimentos”.
12.
“Já fizemos mais em condições piores. Não tínhamos o dinheiro da GM, que ainda não entrava no orçamento. São R$ 300 milhões hoje. Não existia isso”.
13.
“Governar é uma barbada para quem trabalhou na roça, no sol e na chuva, com duas horas por dia de folga, aos domingos, das 15h às 17h. Ser prefeito é uma felicidade, quando se tem o respeito das pessoas.
14.
“Peço aos candidatos a vereador que falem a verdade. Não prometam obras, porque é o povo quem vai decidir o que será feito. E não ofereçam empregos na Prefeitura. Ou depois vai dar problema”.
15.
“Quero deixar uma mensagem bem clara aqui: vamos tratar bem os servidores, os professores. Eles sabem disso. Nas escolas onde vou é uma festa”.
16.
“Se não fosse pelo Claúdio Ávila, não estaríamos aqui. Eu não seria candidato para ser impugnado de novo. É o vice que precisamos para organizar nossa campanha”.
17.
Vice, Cláudio Ávila segue o pitbull da campanha. Se Bordignon atacou Marco, ele não esqueceu de Anabel Lorenzi (PSB) e Levi Melo (PSB).
– Há quem tenha presidido a Câmara e o grande feito foi aumentar altos salários.
– A candidata que leva urnas às ruas já se mostra desleal, por fazer campanha antecipada. E, há 20 anos na política, precisa ainda perguntar o que é preciso fazer?
– Temos um candidato caindo pelas tabelas, que está fora antes de começar, que não sabe para onde vai, que vai decidir se é candidato por pesquisas. Nós vamos até o fim. Vamos até a Prefeitura.
18.
Foi a pré-candidata a vereadora Liege Regina da Silva quem, no palco, ao microfopne, apresentou Cláudio Ávila como vice.
19.
Alex Peixe, único vereador do partido, que estava ao lado do pai, o ex-vereador Carlinhos Medeiros, e uma grande comitiva da Morada do Vale, assistiu a tudo do público.
Não foi ao palco e não falou.
Quando saiu do PT para o PDT, Peixe acalentava o sonho de ser vice de Bordignon, tanto que já tinha lançado a esposa Rose Vargas para vereadora.
Sem o vice, recuou e concorre à reeleição.
20.
O presidente estadual do PDT, Pompeo de Mattos, lembrou a primeira reunião com Bordignon e Cláudio Ávila, na casa do empresário Décio Becker.
– Ali sonhávamos com tua vinda, depois reivindicada e quase exigida, Bordignon.
– E tu não precisou mudar de lado. Temos a mesma caminhada, ideologia, identidade, natureza. Somos água da mesma vertente, de Getúlio, Jango e Brizola.
O deputado federal também fez uma menção à filiação de Peixe, que garantiu uma cadeira na Câmara ao partido após mais de uma década.
– O PDT estava como tição que entra inverno, sai inverno fumaceando. Demos uma soprada na cinza e a chama voltou.
Em meio a trovas e repentes tradicionais em seus discursos, Pompeo provocou risos:
– Que babem de brabos!
– É só pegar um mapa da cidade e botar o dedão, que ali tem dedão, 10 obras do Bordinhão.
21.
Representando a bancada estadual, o deputado Eduardo Loureiro, que foi prefeito de Santo Ãngelo por oito anos, apontou as marcas do governo Bordignon como a certeza da vitória.
– Neste momento negativo da política, o eleitor não vai embarcar em aventuras.
22.
– Estou no lugar certo, na hora certa e com as pessoas certas – disse Joelson Cardoso, presidente do PPS, que saiu da coligação com Levi para apoiar Bordignon.
Ex-conselheiro tutelar pelo PMDB, ele criticou o governo Marco:
– Acreditei nas promessas e olha como está o Rincão?
23.
Abílio Alves, presidente do PTdoB, confirmou o apoio do partido.
– Com Bordignon na urna a vitória é certa.
24.
Eliseu Monteiro, o Carazinho, presidente do PPL, disse que saiu da base de Marco para apoiar Bordignon, porque “foi o melhor prefeito que Gravataí já teve”.
25.
Neio Lúcio Pereira, do PCdoB, reforçou a necessidade de elegeu uma bancada forte para dar sustentação ao governo.
– Só nosso trabalho incansável pedindo votos nas ruas pode enfrentar o poderio econômico.
26.
André Vargas, do PR, convocou a todos para “amassar barro” na campanha.
27.
Marcos Monteiro, do Solidariedade, lembrou o impeachment de Rita Sanco (PT), do qual foi o mentor ao lado de Cláudio Ávila.
– Em 2011 sonhamos tirar Gravataí das trevas. Temos que agora devolvê-la ao povo.
Ele também lembrou que tinha rompido com o PT e “avisado Bordignon” sobre os perigos do governo Sérgio Stasinski.
28.
José Lima, presidente do PHS, lembrou que ali, no mesmo CTG, em 2001 morria José Mota, líder histórico do PDT, que governou Gravataí entre 1989 e 1992.
– Agora ressurge o trabalhismo em Gravataí!
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Um amigo do PDT mandou perguntar, ironicamente, se na cobertura da festa este jornalista faria "poesia", como supostamente teria feito nas matérias sobre a campanha do PT.
Poesia ou não, os enredos são diferentes.
Se a aventura petista inspira a utopia de um Dom Quixote contra os Moinhos de Vento, a candidatura de Bordignon cerca-se de pragmatismo e realidade.
De poético, o sonho de um homem voltar ao lugar onde mais gostou de estar, fazendo o que mais gosta de fazer – amigos e inimigos sabem.
Mas, ainda assim, parafraseando Marx, um homem fazendo sua história dentro das circunstâncias.