RAFAEL MARTINELLI

Modo-Greta no Mato do Júlio: autorizar desmatar para construir em meio a crise climática é mau negócio; Para onde vai e de onde vem a água em Cachoeirinha

Acordo do Mato do Júlio é bom negócio; Greta Thunberg fica para amanhã. Sob esta manchete escrevi artigo em 15 de junho de 2020. Hoje entendo o contrário. O amanhã chegou. A emergência climática obriga a ativar o modo-Greta.

Apelo, prefeito Cristian Wasem (MDB): o mais recomendável é congelar a polêmica ao menos até termos estudo, projetos e financiamentos para saber de onde vem e para onde vai a água na região metropolitana.

Fato é que o zoneamento da floresta no coração de Cachoeirinha pegou preço na revisão do Plano Diretor, cujo texto é de 2007 e a revisão está atrasada desde 2017, sob cobrança do Ministério Público, inclusive. A urbanização pode permitir, por exemplo, a construção de um condomínio de luxo, e/ou de espigões, ao custo do desmatamento de parte da área.

O Mato do Julio é uma área privada. Um acordo foi firmado em 2020, entre o prefeito Miki Breier e os proprietários, prevendo a troca de uma dívida judicializada de R$ 25 milhões em IPTU pelo repasse para a Prefeitura de 10 dos 250 hectares da área avaliada em R$ 200 milhões.

O parcelamento de solo previa 35% de terras para a Prefeitura: 20% para arruamento, 15% para área institucional – como um parque ecológico projetado para o entorno da Casa dos Baptista – e 10% de área verde, sem possibilidade de construção.

Pelo que apurei, os interesses convergiam – e assim seguem – para inscrever a floresta como zona urbana. Para isso é preciso alterar o Plano Diretor, a partir de projeto enviado pelo prefeito e aprovado pelos vereadores.

O que ainda barra empreendimentos imobiliários é o Mato do Julio aparecer como “área especial de interesse ambiental” no Plano Diretor. Algo como uma ‘floresta urbana’, já que restante dos 44 quilômetros quadrados de território de Cachoeirinha são considerados 100% zona urbana.

Na seção DAS ÁREAS DE ESPECIAL INTERESSE AMBIENTAL do Plano Diretor, dois artigos tratam disso.

Art. 153. As Áreas de Especial Interesse Ambiental são áreas naturais ainda preservadas, as quais podem ser tornadas Unidades de Conservação nos termos da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, de acordo com os procedimentos previstos na mesma, quais sejam, estudo técnico e consulta popular, conforme indicativo da participação popular no processo de elaboração desta Lei.

Art. 154. São Áreas de Especial Interesse Ambiental, além de outras que possam ser apontadas pelo Plano Setorial Ambiental, e que devem ser objeto de procedimento para criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, num prazo de até 3 (três) anos:

I – o Parque Municipal Tancredo Neves;

II – a área conhecida como Banhado do Shopping;

III – o Horto Florestal.

Parágrafo Único – As áreas conhecidas como Mato do Júlio e Fazenda Guajuviras, Áreas de Especial Interesse Ambiental, serão objetos de estudos técnicos e consultas públicas, de iniciativa do Poder Executivo, buscando determinar as características das mesmas, para certificar a viabilidade de criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral ou de Unidade de Uso Sustentável, no prazo de 1 (um) ano da publicação desta Lei, quando então será definida a sua destinação e utilização.

Há, ainda, estudo da Metroplan sobre prevenção de cheias, concluído em 2018 a partir do PAC Prevenção de 2012, que recomenda respeitar uma ‘mancha’ sem empreendimentos na região próxima ao Rio Gravataí.

Ao fim, insisto no apelo ao prefeito, porque tem maioria na Câmara de Vereadores para aprovar o que bem entender o governo ou outros interessados no Plano Diretor: entre um verão sem água e um inverno sob alagamentos, recomendável seria congelar a autorização para o desmatamento de uma floresta no coração da cidade.

Reputo prioritário criar um Plano de Drenagem para saber para onde vai a água que alaga Cachoeirinha, além de garantir investimentos junto à Corsan privatizada para saber de onde virá a água – tanto para a Anair, quanto para o Parque da Matriz ou o condomínio de luxo que um dia pode surgir por entre a Mata Atlântica desmatada no Mato do Júlio, que onde vive a comunidade indígena mbyá-guarani além de, conforme Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA), “40 espécies de répteis, anfíbios, mamíferos e aves”, “143 espécies vegetais” e, captado em uma armadilha fotográfica neste ano, até Leopardus guttulus, nome científico do gato-do-mato-pequeno, uma espécie em extinção.  

Por que a Prefeitura não desapropria e mantém a floresta?, leitores podem se perguntar. É inviável financeiramente. O custo para indenizar os proprietários corresponde a um terço de toda arrecadação de um ano de Cachoeirinha, incluindo verbas para salários, saúde e educação, por exemplo.

A solução? Deixa como está para ver como fica, prefeito. A legislação atual preserva o Mato do Julio e o direito coletivo. Os proprietários que busquem seus direitos individuais no Judiciário.

Eu já ativei o modo-Greta Thunberg.

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