3º NEURÔNIO

A vitoriosa derrota da democracia

Sebastião Melo é prefeito reeleito de Porto Alegre

No final de semana diversas cidades voltaram às urnas para escolher seu prefeito, mas, em muitos casos, as abstenções superaram o primeiro turno.

As divulgações dos resultados eleitorais em votos válidos esconde um detalhe importante sobre o pleito: a indiferença ou insatisfação de boa parte dos eleitores, que acabam nem chegando às urnas. No primeiro turno em Porto Alegre, por exemplo, foi anunciada a vitória de Sebastião Melo com 49,72% dos votos, mas ao mesmo tempo também é correto afirmar que no primeiro turno 62,9% dos eleitores da cidade não votaram em Melo. Mas como podem estes dois cálculos estarem corretos?  A resposta se apresenta no alto número de abstenções, votos brancos e nulos, que em cidades como Porto Alegre já são maiores que os votos dos candidatos eleitos nas últimas três eleições municipais.

No segundo turno, Sebastião Melo foi eleito prefeito com pouco mais de 345 mil votos, o que em um cenário de mais de um milhão de eleitores, representa 37% dos votos. No Rio Grande do Sul e no Brasil, diversas cidades viveram experiências parecidas.

Em 2022 já foi observado um grande volume de abstenções nas eleições federais e estaduais, as ausências chegaram a quase 21%, mas nas eleições municipais os resultados chegam a passar dos 30%. O que quer dizer isso? Indiferença ou insatisfação? E como nosso sistema eleitoral lida com essa informação?


No Brasil, muitos ainda acreditam que se votos nulos atingirem mais de 50% em uma eleição, haveria um novo pleito com novos candidatos, isso devido ao artigo 224 do código eleitoral que diz: “ Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”. Mas o termo “nulidade”, a que se refere o artigo, não tem nada a ver com o voto nulo e sim com um candidato que teve mais da metade dos votos ser cassado ou ter fraude comprovada no seu processo de eleição. Então, quando se vota nulo ou branco não se gera nenhum efeito de desconsideração do voto. Por exemplo, um candidato que compra votos gera uma nova eleição se receber mais da metade dos votos, já uma população que não se sente representada em uma cidade não tem o mesmo poder de causar qualquer efeito que gere uma nova eleição com outras opções de candidatos.

O nosso sistema eleitoral, apesar da modernidade e segurança do processo eletrônico, precisa pensar na representatividade. Resultados em que abstenções, brancos e nulos superam os candidatos eleitos dizem muito sobre a falta de representatividade da população, pois o simples ato de se deslocar até a seção eleitoral mais próxima já não representa uma esperança de um futuro melhor, só a repetição de um processo ao qual parte dos eleitores já está indiferente. Em Porto Alegre, cidade que sofreu com as enchentes, onde os sistemas de contenção e as casas de bombas falharam por falta de manutenção, a soma de abstenções, brancos e nulos foi de quase 40%.

Porém, não é só à justiça eleitoral que cabe pensar em uma forma de escutar este recado, que aparece cada vez mais nas urnas. Também cabe aos partidos repensarem e renovarem seus quadros, assim como acharem formas de escutarem também a cidade e seus eleitores quando forem escolher seus candidatos. Uma reforma política vai muito além de combater práticas nocivas, assédio eleitoral e abuso do poder econômico, mas retomar a política além do fator eleitoral, voltar a fazê-la nas comunidades, em clubes de mães, associações de moradores, cozinhas comunitárias e etc. Durante um longo período de conquistas, lutas e polarizações, a boa política foi ficando institucionalizada, se prendendo dentro das paredes de gabinetes e perdendo sua força onde ela é mais necessária.

O silêncio vai tomando conta das urnas que em outros tempos recebiam os gritos por mudança, agora cabe a partidos e entidades entenderem que o silêncio também fala e captar a sua mensagem. Em tempos de bolhas, precisamos ser o elo de conexão entre elas e não o vendedor de sabão.

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