RAFAEL MARTINELLI

Prefeitura nega liberação de funcionamento de templo para Lúcifer em Gravataí; O Moleiro de Sans-Souci

Monumento de 5 metros já foi instalado na propriedade da Nova Ordem de Lúcifer na Terra

A Prefeitura indeferiu certidão de viabilidade para funcionamento da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T.). O caso está sob análise do juiz Daniel de Souza Fleury, do Juizado Especial da Fazenda Pública de Gravataí.

A polêmica ganhou noticiário nacional e até internacional após o anúncio da inauguração, em 13 de agosto, de um monumento de 5 metros para Lúcifer em um sítio de cinco hectares, pertencente à organização religiosa, na zona rural do município.

A celebração foi suspensa em decisão liminar do Tribunal de Justiça, a partir de ação da Procuradoria-Geral do Município, que impediu a inauguração sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

Após a decisão, em 14 de agosto a organização protocolou processo administrativo solicitando o Alvará de Funcionamento da Casa de Religião denominada N.O.L.T Templo de Religião.

O secretário em exercício da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo explicou o indeferimento ao Seguinte:.

Conforme Rodrigo Silva, houve uma análise de viabilidade, que antecede o processo de alvará, para verificar se as atividades estavam de acordo com o endereço apresentado.

Conforme ele, a organização religiosa não pode ser enquadada na Lei nº 4.104/2019, que regra o funcionamento de terreiros de Matriz Africana e Afro Umbandistas, por usar de “práticas diferentes” e não possuir filiação ao Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Gravataí (CMPTG), que é um dos documentos exigidos pela Prefeitura.

– No primeiro processo ingressado pelos requerentes, tivemos que solicitar outros documentos, para poder entender de qual atividade se tratava e onde se enquadrava, já que os mesmos não faziam parte de nenhum conselho e enquadramento de lei – argumenta.

O secretário explica que a análise de viabilidade solicitou a filiação, que foi aprovada por maioria do Conselho em 9 de outubro.

– Porém, a Procuradoria-Geral do Município constatou que conselheiros votantes não tinham legitimidade comprovada por documentos para ocupar os cargos e manifestar voto. Sendo assim, pela demora de analisar a documentação anexada ao processo, levou mais tempo para indeferir – informa.

Um dos fundadores da Nova Ordem de Lúcifer na Terra contesta a destituição dos votos de integrantes do Conselho.

– Alvarás já saíram e continuam saindo com autorização desse mesmo Conselho. Vão ser cassados? O problema é Lúcifer – critica Mestre Lukas de Bará da Rua, dizendo ter acompanhado, em meio à polêmica, a liberação de um terreiro em cinco dias.

– Agora está nas mãos da justiça – resigna-se, assim como outro fundador, Tata Hélio de Astaroth, identificando “perseguição e intolerância religiosa” por parte da Prefeitura de Gravataí.

– Desde o começo sempre deixamos claro que nossos cultos seriam realizados em local privado, pago com recursos próprios, sendo voltado exclusivamente para convidados e adeptos da religião. O templo está localizado em área rural e distante da movimentação pública. Mesmo assim, seguimos todas as solicitações. Agora, a dificuldade para liberação e tantos trâmites diversos, não previstos em lei, deixa clara a violação dos direitos previstos na Constituição, de livre exercício da religião – avalia.

Vamos à análise.

Em “Não é o Rock in Rio”: Gravataí vai ter templo para Lúcifer, goste-se ou não. É questão de dias, escrevi:

(…)

Por que antecipo que Gravataí terá santuário para Lúcifer em questão de dias, talvez antes de Vênus ficar mais visível no céu em setembro?

O próprio site da Prefeitura informa que, em processo de liberação de alvará, “quando a documentação está toda correta, o processo leva em torno de 3 a 5 dias” e “caso necessite de outras liberações, como alvará de bombeiros ou licença ambiental, por exemplo, existe, para algumas atividades, a liberação de um certificado provisório para funcionamento”.

Reputo não há vontade política, burocracia, toga ou oração que possa impedir o funcionamento do templo, caso os documentos sejam protocolados corretamente pela “Nova Ordem de Lúcifer”.

Ou restaremos frente a uma potencial perseguição, intolerância religiosa, o que pode custar revezes judiciais para a Prefeitura e agentes públicos.

Como observei no primeiro artigo sobre a polêmica, Com estátua de 5 metros, Gravataí terá o maior santuário dedicado a Lúcifer no Brasil; Os limites da polêmica, a garantia de liberdade religiosa está lá, na Constituição Federal, que diz que “(…)É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias(…)”.

Uma lei sancionada em 2022, que equipara o crime de injuria racial ao crime de racismo, também protege a liberdade religiosa. 

A legislação agora prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.

A pena será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. Antes, a lei previa pena de 1 a 3 anos de reclusão.

O Supremo Tribunal Federal (STF) garante ainda, além da liberdade de culto, a sacralização, o que como ativista da causa animal abomino, mas tolero obedecendo a lei dos homens, a partir de decisão de 2019 que negou recurso interposto pelo Ministério Público gaúcho e validou lei estadual que entende que o sacrifício ritual de animais não se enquadra como maus tratos.

É hora de um pouco de razão em meio a esse perigoso delírio coletivo, essa potencial guerra político-religiosa, sobre a qual alertei em Vídeo de Zaffa sobre polêmica da estátua de Lúcifer vale para intolerantes e aloprados da política, os dos outros e os seus.

(…)

Ao fim, parece que vou errar, caso a justiça aceite a argumentação da Procuradoria da Prefeitura, que considera estar a organização religiosa em um limbo legal.

Traduzindo do ‘jurídico-burocraciês’: como dar um alvará para uma atividade que não se enquadra sob legislação alguma?

Acho perigoso. Salvo melhor juízo, estamos tratando de liberdade religiosa, não apenas de requisitos burocráticos. Entendo uma polêmica desnecessária, por mais que o prefeito Luiz Zaffalon receba pressão, principalmente de sua base evangélica, para impedir um templo para Lúcifer em Gravataí.

O próprio Zaffa, nas primeiras entrevistas sobre a polêmica, admitia a liberação do culto.

Salvo melhor juízo, estamos diante daquele conto, “O Moleiro de Sans-Souci”.

Em versos, François Andrieux contava que em 1745, na Prússia, um moleiro tinha o seu moinho nas cercanias do palácio do rei Frederico 2º. Um dos puxa-saco do soberano tentou removê-lo dali, porque julgava que aquilo maculava a paisagem. Ele se negava a sair. Frederico o chamou para saber a que se devia a sua resistência. Ouviu a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim”. Para o moleiro, a Justiça, aquela com a qual contava, não haveria de distingui-lo do rei.

Reputo assim deveria ser em Gravataí. Até para os luciferianos. Mas não sou juiz. O juiz é o senhor Daniel de Souza Fleury, que julga o caso.

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