CARLOS WAGNER

Delator do PCC foi executado no estilo dos acertos de contas dos cartéis mexicanos

Esta é uma história com muitas interpretações e uma só certeza. É o seguinte. No Brasil chamamos de pistoleiros de aluguel, no México, sicários. Estou me referindo aos atiradores contratados para disparar seus fuzis contra o corretor de imóveis Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, 38 anos, na sexta-feira (8), às 16 horas, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, o maior da América do Sul, por onde circulam, em média, 120 mil pessoas por dia. No tiroteio, outras três pessoas, que não tinham nada a ver com a história, foram feridas, sendo que uma delas, o motorista de aplicativo Celso Araújo Sampaio de Novais, 41 anos, levou um tiro nas costas e morreu no hospital. Os outros dois estão bem. O corretor foi condenado à morte pela cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) por ter sumido com R$ 30 milhões da organização e mandado executar um dos seus líderes, Anselmo Bicheli Santa Fausto, o Cara Preta, e o seu segurança, o Sem Sangue, em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na cidade de São Paulo.

Nos primeiros meses deste ano, Gritzbach foi preso como mandante das mortes de Cara Preta e Sem Sangue. Depois de muita negociação, em março fechou um acordo de delação premiada com o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), que foi homologado em abril. Na segunda-feira (11), o MPSP pediu a rescisão do acordo, alegando o falecimento de Gritzbach. Mas as informações que ele forneceu seguem valendo. Basicamente, estava entregando para os promotores seus esquemas de lavagem de dinheiro para a organização. Fazem parte dessas informações os nomes de um grupo de policiais que trabalham para o PCC e que também tentaram extorqui-lo. Este grupo de policiais também é suspeito de ter mandado matar Gritzbach. Portanto, é o seguinte. Quem contratou os pistoleiros: a cúpula do PCC, o grupo de policiais ou os dois juntos? Estas perguntas estão sendo respondidas pela investigação policial que está sendo feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o MPSP, a Polícia Civil e a Polícia Federal (PF). A história dessa execução vem sendo acompanhada pela imprensa diária com uma tremenda riqueza de informações, está tudo na internet. Eu escolhi focar a nossa conversa sobre a mensagem enviada, ou seja, a maneira como foi feita a execução, em lugar muito movimentado como é o aeroporto paulista. Por dois motivos o PCC é o principal suspeito dessa execução. O primeiro é porque o delator sumiu com R$ 30 milhões da organização, além ter mandado matar Cara Preta e Sem Sangue. Segundo, porque o estilo da execução, que lembra o dos cartéis de droga mexicanos, é a marca registrada do PCC. Aqui cabe uma especulação. A rigor, instantes após Gritzbach se tornar delator, a cúpula do PCC já tinha como alcançá-lo e executá-lo. Por que não o fez?

A resposta é simples. Porque acontecia a disputa do primeiro turno das eleições municipais. A cidade de São Paulo tinha cinco principais candidatos. Houve um acirramento entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB), 57 anos, que concorreu à reeleição, Guilherme Boulos (Psol), 42 anos, e Pablo Marçal (PRTB), 37 anos. Só para se ter uma ideia do ambiente, em um debate na TV Cultura, em setembro, o candidato e jornalista José Luiz Datena (PSDB), 67 anos, deu uma cadeirada em Marçal. Em todos os debates apareciam referências ao PCC. Foram para o segundo turno Nunes e Boulos. No domingo (27/10 ), dia da votação do segundo turno, ao lado de Nunes, o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), 49 anos, sem apresentar provas, disse que circulou nos presídios um “salve”, uma ordem do PCC, mandando votar no “outro candidato”, no caso Boulos. Imagine em um ambiente com essa densidade a cúpula da organização criminosa mandar fazer uma execução pública. Seria como tentar apagar incêndio com gasolina de aviação. Nunes venceu as eleições e Boulos está processando Tarcísio pela história do “salve”.

Passadas as eleições, houve a execução do corretor e delator Vinicius Gritzbach, em lugar muito movimentado, como é o aeroporto em Guarulhos, para enviar uma mensagem de intimidação. Dirigida a um pequeno e bem remunerado grupo de pessoas que a organização criminosa utiliza para lavar o dinheiro: “não sigam o exemplo do delator”. O Gaeco calcula que o faturamento anual do PCC gire em torno de R$ 4,9 bilhões. Sendo que sua principal fonte de receita são os Estados Unidos e países da Europa, como a Itália, onde tem parceria com a Máfia. Ouvi de uma fonte uma avaliação que considerei muito importante. Falou que o sistema de lavagem de dinheiro é, para o PCC, a mesma coisa que oxigênio para os seres vivos. Sem os lavadores de dinheiro, a organização sufoca. Acrescento a essa avaliação que há mais um fator envolvido na história da execução no aeroporto. Em 17 de novembro de 2019, eu escrevi o post Cartéis de droga sul-americanos estão mexicanizando o tráfico no Brasil.

O que aconteceu no México ? Os produtores de cocaína da Colômbia, do Peru e da Bolívia incentivaram e financiaram a montagem de cartéis de distribuição de drogas no México, que tinham como principal missão abastecer o amplo e rico mercado de consumidores dos Estados Unidos. Há pelo menos uma década se estabeleceu uma disputa por território entre os cartéis de varejistas que transformou o México em um dos países mais violentos do mundo. É comum encontrar corpos mutilados pendurados em viadutos. No Brasil, o PCC, de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, já consolidaram o território nacional como rota de passagem para os ricos mercados consumidores de cocaína norte-americanos e europeus. No atual momento, PCC, CV e seus aliados regionais têm o controle desses mercados. Mas é muito dinheiro envolvido, portanto deverá, ao natural, atrair novos concorrentes para o negócio, como aconteceu no México. Tempos violentos vêm por aí. Pelas conversas do governador Tarcísio e do seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Muraro Derrite, 40 anos, eles não têm ideia do tamanho do rolo que têm pela frente. Com a execução do delator, o PCC lembrou às autoridades paulistas quem manda nos presídios.

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