A perspectiva para o verão indica que, mais uma vez, não será bom negócio depender de São Pedro para garantir o abastecimento de pelo menos 1 milhão de pessoas na bacia hidrográfica do Rio Gravataí. Diante deste quadro, o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Gravataí, Sérgio Cardoso, sugere que a Corsan invista em minibarramentos provisórios, com pedras, ao longo do rio, para regularizar minimamente a vazão durante os meses mais críticos do próximo verão. A estimativa é de que cada estrutura custaria menos de R$ 50 mil. A estatal, por enquanto, não inclui as estruturas entre os investimentos para o verão.
Conforme o boletim especial da Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), as chuvas nos próximos meses serão irregulares e insuficientes para a recarga hídrica do rio, que já está em situação de declínio, e o que é pior, para o verão a previsão é do fenômeno La Niña, ou seja, com estiagem.
– O abastecimento público é prioritário. A solução dos minibarramentos ao longo do rio já foi aprovada e projetada pela Metroplan, mas para as obras definitivas saírem do papel, ainda dependemos de toda uma burocracia da política pública. Não podemos deixar a população sem água, e temos aqui na bacia uma companhia com capacidade de investimento e interesse em garantir o abastecimento – diz Cardoso.
Metroplan propõe minibarramentos
Ele refere-se aos estudos concluídos ainda em 2018, depois de três anos de estudos, pela Metroplan como parte do PAC da Prevenção a Cheias e Secas entre as bacias dos rios Gravataí e dos Sinos. A conclusão à época foi de que, para que o rio recuperasse a sua capacidade de reter água na região das nascentes durante o inverno e de liberar no fluxo adequado nos meses de seca, sem provocar maiores danos ambientais, seriam necessários 13 minibarramentos de nível entre o Banhado Grande, o Passo dos Negros e a Lagoa da Anastácia.
Foram dois anos para que o governo federal finalmente, em setembro do ano passado, liberasse a abertura da licitação para definir a empresa responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) das obras, com prazo de até um ano para a conclusão. Em maio deste ano, a empresa Ecossis Soluções Ambientais venceu o processo licitatório, e executará o estudo por R$ 400 mil (60% inferior ao que era estimado pela Metroplan). O objetivo do EIA-Rima será apontar os impactos à fauna, à flora e às propriedades ao longo dos trechos dos minibarramentos.
De acordo com a assessoria de imprensa da Metroplan, o contrato já foi assinado, no entanto, até agora não houve a liberação dos recursos pela Caixa Econômica Federal para início dos estudos, e não há prazo para que isso aconteça. Significa que, pelo menos até meados de 2022, não será possível dar início às obras propostas pela Metroplan. Ao todo, o PAC tem previstos até R$ 15 milhões para as fases de estudos e projetos de engenharia. Até agora, pouco mais de R$ 5 milhões já foram investidos.
– O que estamos propondo é uma solução provisória, ecologicamente viável, com pedras, e que poderia ser executada no curto prazo para reduzir os danos para toda a população e para a gestão da água na nossa região neste verão – aponta o presidente do Comitê.
Experiência funciona em Glorinha
Em março deste ano, a Sema autorizou, com aprovação do Comitê Gravataí, que fosse executada a primeira experiência com uma barragem de nível ao longo do canal do Rio Gravataí, na Fazenda Quatro Irmãos, em Glorinha. A obra, custeada pelos proprietários rurais, teve custos de engenharia, de transporte e colocação das pedras, e foi erguida em três meses.
Para que se tenha uma ideia, entre os dias 9 e 10 de agosto, quando houve o último volume de chuva naquela altura do rio, em menos de um dia o nível da água medido na Fazenda Quatro Irmãos subiu 6 centímetros em menos de um dia, e só voltou aos níveis anteriores à chuva três dias depois. No trecho mais abaixo do rio, no Passo das Canoas, onde a Corsan faz a captação de água e não há barramentos, neste mesmo intervalo de dias, a redução do nível do rio chegou a mais de 20 centímetros, em média.
– Ainda aguardamos estudos históricos, com dados de anos anteriores, para avaliarmos concretamente a consequência do minibarramento na Fazenda Quatro Irmãos. Mas, com o que já temos observado, aquela estrutura está ajudando muito. O rio está em um momento de declínio, que poderia ser muito mais acelerado se não tivesse sido erguido aquele minibarramento – diz Cardoso.
: Minibarramento na Fazenda Quatro Irmãos, em Glorinha, serve de exemplo para Sérgio Cardoso
Corsan investe, mas não ataca a seca no rio
De acordo com a assessoria de imprensa da Corsan, na lista de investimentos a serem concretizados nos próximos meses na região e que devem entrar em operação até o verão estão duas novas adutoras – uma em Gravataí e outra em Cachoeirinha – e um novo reservatório no bairro Morada do Vale I, em Gravataí.
Em relação a melhorias na captação de água no Rio Gravataí, a estatal informa que duas novas balsas, que permitem a retirada de água em áreas mais profundas do canal, estão em operação.
No entanto, até o momento, a Corsan não tem em seu cronograma qualquer investimento previsto para lidar com uma possível insuficiência de água para o abastecimento.
Para recuperar o efeito esponja do banhado
A região de banhados nas nascentes do Rio Gravataí começou a perder sua capacidade de funcionar como uma esponja (retendo água no período de cheias e liberando no período de secas) no final da década de 1960, quando foi aberto o canal do DNOS, cortando o terreno úmido e transformando o trecho alto do rio em uma espécie de ralo por onde a água desce rapidamente no verão.
Durante alguns anos o movimento ambientalista da região defendeu a construção de uma grande barragem, que alagaria áreas ao redor do canal e provocaria maiores impactos ambientais. Os minibarramentos, cada um deles com um nível maior para recuperar aos poucos a forma original da mata ciliar e do terreno alagadiço, são recomendados pelos especialistas da Metroplan como obras com danos reduzidos ao meio ambiente.
Nos últimos anos, a cada verão é firmado um acordo, aprovado pelo Comitê Gravataí e mediado pela Fepam, entre usuários da água do Rio Gravataí. O entendimento é de que, quando o manancial atinge um nível crítico, a prioridade é do abastecimento público, forçando a interrupção de captações para a agricultura e indústrias.
– Estamos em fase de conclusão dos processos de regularização de outorga, que é a autorização para uso da água do rio pelo Estado. Mas qual será a serventia desta ferramenta de gestão se não tivermos água? – questiona o presidente do Comitê.
O prazo para que usuários de água do Rio Gravataí regularizem as solicitações de outorga pelo Sistema de Outorga de Água do Rio Grande do Sul (SIOUT-RS) para retirada de água superficial encerra daqui a dois meses. Na última semana, o Comitê Gravataí iniciou as discussões para um novo acordo entre usuários a ser colocado em prática no próximo verão.
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