Há bem pouco tempo Joice Hasselmann era a heroína dos bolsonaristas. Agora foi reduzida a objeto de escarnio num momento de fragilidade. O Seguinte: reproduz o artigo de Fábio Ribeiro, publicado pelo GGN
Abro um livro ao acaso:
“… observei que desde que a rede social decolou, os babacas estão tendo mais voz no mundo.” (Dez Argumentos para você deletar agora suas redes sociais, Jaron Lanier, Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2018, p. 63)
Após ser agredida em casa e de exibir o rosto todo machucado no Twitter, a deputada Joice Hasselmann começou a ser cruelmente agredida por bolsonaristas.
Eis dois exemplos de agressões morais que ela sofreu no Twitter:
A observação de Jaron Lanier sobre a trollagem na internet parece ter se tornado uma realidade indiscutível. Todavia, e isso precisa ser dito, em se tratando de política a maldade parece ser uma regra desde a Antiguidade. Eis dois exemplos típicos desse fenômeno:
“O próprio Nero fez uma observação memorável: os cogumelos são a comida dos deuses, pois foi comendo-os que Cláudio se tornou um deles.” Dião Cássio, História Romana, 61.35
“Entre prazer e felicidade, pretende Sócrates no Górgias, uma distinção nítida e rigorosa: abominável, infamante, infeliz, o modo de vida dos pervertidos obriga a uma nítida distinção entre bons e mais prazeres. O que está em jogo não é a vida sexual do adversário, mas sua conduta moral, enegrecida por uma injúria que, na sua referência anal e passiva, convém particularmente à poesia iâmbrica, à poesia da invectiva.” (Eros na Grécia Antiga, Claude Calame, Editora Perspectiva, São Paulo, 2013, p. 140)
Entre nós, é bem conhecida a tradição da poesia de maldizer de origem Portuguesa. Ela vicejou bastante durante a Ditadura Militar, época em que meu avô escreveu o soneto “O pardal do rabo torto” em homenagear a Jarbas Passarinho.
Vampiros sociais e aleijados morais. Essa pode ser considerada uma boa descrição das pessoas que zombam de uma mulher que teve várias fraturas no rosto, que agridem um advogado algemado, que chamam o Embaixador Chinês de macaco e que fazem ameaças à democracia. Há bem pouco tempo Joice Hasselmann era a heroína dos bolsonaristas. Agora foi reduzida a objeto de escarnio num momento de fragilidade.
Esse desprezo pelo bem-estar das pessoas não é normal, nem é ensinado nas Faculdades de Direito. Ódio, sadismo e violência foram alçados à condição de argumentos políticos-jurídicos legítimos. Ameaças à democracia, agressões a um advogado algemado, ofensas raciais ao Embaixador da China, espancamento da deputada que deixou de apoiar Bolsonaro e a glorificação virtual da barbárie… tudo isso ocorreu num único dia.
Flávia Ferronato é advogado, mas não creio que ela será punida. De certa maneira, a OAB dilapidou sua credibilidade ao aderir ao golpe de 2016. Na época, se não estou enganado, o único Conselheiro da entidade que votou conta o pedido de Impeachment de Dilma Rousseff foi agredido em Brasília.
Bolsonaro é um pedagogo do ódio, da tortura, do assassinato e da violência política. O sucesso dele é tão evidente quanto o fracasso econômico-político-humanitário em que o Brasil está sendo mergulhado. Tortura econômica em escala monumental, genocídio pandêmico conduzido com precisão militar e uma evidente falta de vontade do Sistema de Justiça de interromper o processo de bestialização institucional.
A sinergia entre o Sistema de Justiça brasileiro e o Sistema de Justiça norte-americano é evidente. Lá e cá, os juízes proferem decisões eloquentes para proteger gays e transgêneros, mas a violência estrutural e policial cotidiana contra os pobres, negros, índios, etc… não chega a causar indignação judicial. A fragilidade desses grupos condena-os a viver nas gretas de uma civilização ocidental que está se tornando mais e mais informatizada, monetarizada, ecologicamente desolada e humanitariamente esvaziada.
Jaron Lanier obviamente está errado. Os babacas sempre comandaram o mundo. Mas a babaquice de Flávia Ferronato não fou apenas ostentar o desprezo pela dignidade humana. Ela forneceu prova da ofensa moral que cometeu e eventualmente será responsabilizada pelo dano imposto à deputada Joice Hasselmann. Mas quem indenizará as vítimas da pedagogia bolsonarista? O próprio Bolsonaro, os filhos e netos dele ou o Exército que educou o capitão nos anos 1970 e 1980?