política

Vereadores querem mexer com 276 mil cada por ano; Cachoeirinha e o pior do Brasil

A Câmara pode abrir as porteiras de Cachoeirinha para práticas de corrupção tão comuns em Brasília. Caso seja aprovada emenda à lei orgânica que cria as chamadas emendas parlamentares impositivas, nos assombrarão eternamente fantasmas de Anões do Orçamento e da Máfia dos Sanguessugas – casos clássicos do propinoduto, do barganhômetro político e da compra de votos, historicamente inscritos no DNA desse ‘mecanismo’.

Só troquei Gravataí por Cachoeirinha na abertura deste artigo em relação ao que escrevi em abril de 2018 em Vereadores podem abrir portas de Gravataí para corrupção. Em junho daquele ano, os vereadores derrubaram o projeto, como reportei em Câmara de Gravataí diz não ao pior de Brasília.

O início da tramitação da proposta de Emenda à Lei Orgânica, apresentada pelo vereador Juca Soares (PSD), foi revelado na reportagem Vereadores querem R$ 4,7 milhões da Prefeitura para seus projetos, de ORepórter.

Como detalha o jornalista Roque Lopes, 1,2% da receita corrente líquida do município seria destinada a emendas, metade para saúde. A Prefeitura seria obrigada a executar 0,65%. Com base nos dados do TCE dos últimos 12 meses, de um orçamento de R$ 390 milhões, a Prefeitura precisaria destinar R$ 4,7 milhões para as emendas e seria obrigada a executar R$ 2,5 milhões. Só que os recursos teriam que sair de uma fatia menor, os recursos livres, cerca de R$ 150 milhões, já que as chamadas verbas carimbadas, como para saúde e educação, não podem ser desviadas.

O jornalista projeta que cada um dos 17 vereadores teria R$ 276 mil em emendas a cada ano, com obrigatoriedade de execução de R$ 150 mil.

Leis semelhantes aprovadas em outros municípios e assembleias legislativas, como a gaúcha, já foram considerados constitucionais. Mas a possibilidade de execução parcial das emendas, e também a brecha para justificativas dos prefeitos, como, por que não, “faltou dinheiro”, permitem favorecimentos aos velhos ou novos amigos do rei da vez que estiver no trono da Prefeitura.

Mesmo que a itenção do autor seja a mais nobre, e legal, será o ‘toma-lá-dá-cá’ institucionalizado em Cachoeirinha.

É o mesmo projeto derrubado em Gravataí, onde os 21 vereadores cuidariam do destino de R$ 9 milhões por ano.

Menos mal que é uma Emenda à Lei Orgânica Municipal e necessita de quórum qualificado. Então é necessário que 11 dos 17 vereadores queiram importar essa prática dos ralos do Congresso Nacional, piorando ainda mais a imagem dos políticos.

Ainda há tempo para você questionar a posição do seu eleito.

À época escrevi, usando personagens daquele 2018 pré-eleição de Jair Bolsonaro, que “até o juiz Sérgio Moro sabe que as emendas são usadas pelos governos, legislativos e grupos econômicos que os orbitam para exercitar a secular corrupção nacional, instalada desde que Dom João VI se ‘hospedou’ na Quinta da Boa Vista. Nos palácios da terra dos candangos, seja o partido que for no poder, político que não está ‘alinhado’ com o governo vai para o fim da fila”.

Segui: “Michel Temer, por exemplo, usou e abusou da estratégia. Salvou assim a faixa presidencial que usurpou da eleita para o cargo nas urnas. O Intercept Brasil fez um levantamento e mostrou que os 10 ‘campeões’ em emendas liberadas são congressistas que ajudaram a barrar o impeachment após as delações dos poderosos bandidos caipiras da JBS”.

Alertei: “Aprovar o projeto não significa que estará instituído que vereadores tomarão de assalto o orçamento municipal e o dinheiro escapará pelo ladrão via emendas combinadas por tenebrosas transações entre empresas que farão os serviços, governos e parlamentares. Também não é certeza de que as emendas serão usadas como malas para comprar apoios para reeleições. Mas a possibilidade restará aberta. Se acontece em Brasília, por que não aconteceria aqui?”

E conclui: “Mais prudente é lutar pelo fim de todo e qualquer tipo de emenda parlamentar. Que se lave a jato essa idéia aqui na aldeia, para que nossa política não escorregue logo ali para o noticiário policial”.

Ao fim, não retiro uma linha da argumentação. Faz-me lembrar uma clássica millôriana:

A princípio os mais jovens me acham fora de tempo quando aconselho peremptoriamente: “Meu filho, seja honesto!”. Mas logo entendem o valor lúdico do meu conselho: “O pessoal vai ficar besta!”.

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