Temor irracional a coisas ou situações que não são realmente ameaçadoras é um mistério que guarda relação com o fascinante mecanismo mental do medo e seu controle. O Seguinte: reproduz o artigo do psiquiatra e psicanalista David Dorenbaum, publicado pelo El País.
Dizer que as fobias e o coronavírus andam de mãos dadas poderia soar a obviedade, mas será mesmo? Ansiedade por sair à rua (agorafobia) ou por ficar em casa (claustrofobia), pavor dos germes (misofobia) ou de ficar doente (nosofobia)… Como diferenciá-los dos medos protetores, e como entender que às vezes a mente nos induz a procurar aquilo que os causa? Quando nos deparamos com temores lógicos e razoáveis, mas desmesurados, nossos medos, graças à ansiedade, correm o risco de se transformarem em fobias. Conscientemente, queremos evitá-los, entretanto, como observou Sigmund Freud, junto com a fobia frequentemente existe um impulso contrafóbico, que abriga um desejo inconsciente de confrontar e dominar o que se teme, em lugar de fugir daquilo. Ou seja, estamos em conflito sobre o que tememos.
Um caso pertinente é o do engenheiro Gustave Eiffel, que sofria de acrofobia. Ele imaginou e desenhou estruturas de considerável altura, como a Estátua da Liberdade, entre os seus primeiros projetos. Eiffel desafiou a gravidade — e seus medos — ao modificar o desenho original para que pudesse suportar fortes ventos. Lá do alto, a Torre Eiffel oferece uma das vistas mais prodigiosas de Paris. Seriam então suas obras uma espécie de mecanismo compensatório mediante o qual ele tratou de lutar contra sua própria fobia de altura? O escritor Fernando Savater, em um ensaio intitulado Qué significa temblar (“o que significa tremer”, incluído no volume La infancia recuperada) — no qual descreve sua predileção pelos contos de terror —, detalha que “de tanto conviver com esse espectro que leva nosso nome chegamos a nos afeiçoar por ele. Dar espessura e cor à angústia que nos rói de certa forma nos libera dela ao projetá-la para fora; mas, acima de tudo, nos permite vê-la, isto é, admirá-la”.
Como e por que surgem as fobias é algo que continua sendo um mistério. Quando o medo alcança níveis irracionais, é muito provável que entre em jogo uma combinação de fatores genéticos, ambientais e psicológicos. Felizmente para quem as sofre, na maioria das vezes há a possibilidade de tratá-las de maneira bem-sucedida, sem necessariamente ter que elucidar sua origem. A fobia específica com relação a um objeto ou situação (a altura ou voar, por exemplo) causa ansiedades que não guardam relação de proporção com o perigo exposto, causando medo e levando a evitar a situação em questão. Com frequência a pessoa sofre mais de uma fobia, e elas vêm associadas a ataques de pânico; perduram, diferentemente das ansiedades passageiras, causam reações físicas e psicológicas intensas e podem afetar a capacidade de funcionamento normal na escola, no trabalho ou em ambientes sociais. Nem todas as fobias exigem tratamento, mas, quando interferem na vida cotidiana, uma terapia pode ajudar a superá-las.
Estudos de ressonância magnética demonstraram dois circuitos cerebrais envolvidos no medo: o primeiro, que o ativa, constituído principalmente pela amígdala cerebelosa — que é parte de uma rede mediadora das emoções e da memória —, enquanto que o segundo, composto por várias regiões do córtex cerebral, simultaneamente o inibe. Logo antes de subir no escorregador, a criança nota uma onda de adrenalina e sente o medo ativado pela amígdala. Momentos depois, o segundo sistema, que modula a reação de medo, a desliga, controla o temor e permite escorregar — este sistema duplo é uma maneira de entender as contrafobias.
Os mecanismos cerebrais do medo são parte do nosso dispositivo de sobrevivência, que detecta e responde ao perigo e ativa a amígdala. Só que simplesmente ativá-la não basta para gerar uma sensação de medo. O medo, segundo Joseph LeDoux, professor de neurociências, diretor do Emotional Brain Institute da Universidade de Nova York e pioneiro no estudo das emoções, é uma resposta psicológica que construímos, o resultado de inferências feitas por nosso cérebro. “Só os organismos capazes de serem conscientes do que está acontecendo podem experimentar o medo”, diz LeDoux. Segundo ele, temos mais controle sobre nossas emoções do que pensamos. “As experiências que temos hoje serão as previsões do cérebro amanhã”, observa.
Como é possível que enfrentar a situação fóbica, durante tratamentos de exposição aos fatores desencadeantes do pânico, possa melhorar o comportamento fóbico, se antes o piorava? Citando Savater, “onde o perigo espreita é que cresce também o que o alivia ou, de forma mais simples, o conhecido ditado latino: ‘similia similibus curantur’ [os semelhantes curam-se pelos semelhantes]”. Quando a ameaça é percebida de maneira consciente e confrontada em forma deliberada, com passos individualizados, manejáveis e escalonados, consegue-se dominar o medo. Trata-se, por assim dizer, de uma fuga ao contrário, como acontece com as crianças, que gostam de sentir medo num ambiente seguro. Por outro lado, é menos provável que as fobias com um significado mais complexo — como as causadas por experiências traumáticas — respondam exclusivamente a uma terapia de exposição. Todos temos defesas inconscientes, e é difícil tornar consciente o que foi reprimido, ou desfazer-se delas por conta própria. Nessa situação, o objetivo é entender a fobia em sua profundidade e modificar os processos mentais que escapam à consciência, como forma de ajudar a modificar o comportamento. “Não é no mundo que o cerca que o sujeito situa o perigo, e sim no interior do seu próprio psiquismo”, aponta o autor Pierre Mannoni em seu estudo sobre o medo.