a coluna do fernie

Caça ao Tesouro – 4º e 5º dia

Antes de o despertador tocar, Rosa já havia acordado. Estava quase na hora, mas ela não sentia a mínima vontade de levantar-se. Ela queria desligar o despertador para que ele não tocasse e acordasse os outros dois, mas tinha receio de acabar dormindo de novo e perder o horário. Então, ela se levantou, ainda tonta e cansada, desligou o despertador e foi até o banheiro lavar-se.

Os pais de Gabriela já estavam de pé. Rosa foi até a cozinha e serviu-se uma caneca de café com leite. Ela ainda teve que responder algumas perguntas sobre sua volta para casa, mesmo não tendo a mínima vontade de falar com ninguém. Naquela hora, ela só conseguia pensar em voltar para casa, e encontrar-se com Carlos de novo.

Em seguida, Rosa foi até o quarto para terminar de guardar as suas coisas na mala. Faltavam ainda vinte minutos para as dez quando ela saiu de casa e foi até a parada. Ela não conseguia deixar de sentir um medo no fundo do estômago de que ela perderia o ônibus, por qualquer motivo que fosse. O tempo foi passando, e ela ficava ali, em pé, esperando sob o céu nublado, vendo as pessoas caminharem de chinelos e roupas de banho, carregando guarda-sóis e bolsas cheias de coisas, rumo ao mar. Vez ou outra passava um carro pela rua. Pouco depois das dez, um ônibus surgiu na distância. Ao chegar perto da parada, porém, Rosa percebeu que era outra linha, que ia até Tramandaí. O medo agravou-se, o tempo pareceu dilatar, e ela tinha dificuldade de manter-se calma. Ela ainda tinha mais medo que Gabriela ou Pedro fossem até ali para piorar as coisas.

Vinte minutos depois, outro ônibus surgiu. Dessa vez, não havia dúvida: era o ônibus para Porto Alegre. Rosa fez sinal, o ônibus acendeu o pisca, e em seguida parou diante dela. A porta abriu-se e ela subiu, com a mala nas mãos. O cobrador perguntou a ela se ela queria guardar a mala no bagageiro, e ela disse que não.

O ônibus estava praticamente vazio. Ela se sentou perto do fundo, em uma poltrona na janela, e logo tratou de apanhar seu walkman de dentro da bolsa. Em seguida o cobrador parou ao lado dela.

— Vai até Porto Alegre?

— Sim — ela disse, suspirando.

Ela pagou a passagem com o dinheiro de Carlos. Rosa pôs os fones no ouvido e colocou uma de suas fitas para tocar.

O ônibus seguiu pela mesma estrada onde a lotação para Arroio do Sal seguia. Ela não pôde deixar de lembrar o significado que aquele caminho ganhara. Fora ali que tudo começou. Mesmo tendo sido um início menos do que ideal, ainda assim era o início da coisa mais bela que já havia lhe acontecido até então. Aos poucos, os sentimentos ruins da noite anterior davam lugar a uma tristeza calma, e também à esperança de logo estar junto de Carlos novamente, longe de tudo que poderia fazer-lhe mal.

A viagem era vagarosa e barulhenta. O ônibus trepidava por estradas mal cuidadas, arrastando-se de praia em praia, de rodoviária em rodoviária, com passageiros subindo e descendo ao longo do trajeto. Ainda assim, a paisagem era bela, quase bucólica. O mar e a vegetação ao longo das estradas faziam-lhe companhia, e as praias eram todas parecidas com Arroio do Sal, com aquele clima tranquilo e pacífico que a fascinava.

Eventualmente, o ônibus chegou a Capão da Canoa, uma cidade bem mais urbanizada e movimentada do que as outras. Após uma parada relativamente longa na estação rodoviária, o ônibus seguiu uma larga avenida, afastando-se da praia, atravessou a Estrada do Mar e seguiu na direção dos morros. Rosa não conhecia aquele trajeto e nem sabia onde estava indo, mas tentou ficar calma. As pilhas do walkman começaram a fraquejar, e ela teve que parar a fita e tentar sintonizar alguma rádio. O sinal era muito ruim, então ela desligou o aparelho e ficou apenas olhando o cenário.

Depois de parar em uma minúscula estação rodoviária, o ônibus arrancou e acelerou pela BR-101. O cenário agora não lembrava nem um pouco a praia, mas ainda era pacato e calmo. Algum tempo depois, o ônibus entrou na cidade de Osório, e fez uma longa parada na rodoviária. Alguns passageiros desceram, e logo voltaram com latas de refrigerante, salgadinhos e bolachas. Logo em seguida, o ônibus continuou a andar por tortuosas ruas e desvios, até chegar à Freeway e partir rumo a Porto Alegre.

Quando o ônibus finalmente estacionou na rodoviária de Porto Alegre, Rosa estava com fome. Ela desceu do ônibus, já cansada da monotonia, no meio da multidão ocupada e apressada do centro da cidade. Rosa detestava aquele ambiente, e queria sair dali o mais rápido o possível. Ela foi até a parada de ônibus na frente da rodoviária, e em alguns minutos conseguiu pegar o seu ônibus, pagando a passagem com o que sobrara do dinheiro de Carlos. O ônibus seguia até o fim da linha no centro, e depois dava meia volta e seguia em direção ao bairro onde ela morava. Felizmente ela não precisava caminhar tanto.

O dia estava quente em Porto Alegre. Estava úmido e abafado; essa era a única coisa que fazia a ideia de voltar para a praia parecer quase razoável. A curta viagem de ônibus foi ainda mais exaustiva, por causa do calor e do movimento da cidade. Rosa desceu na parada de sua casa, e só depois de entrar é que se deu conta das incontáveis explicações que ela teria que dar à sua família sobre sua volta repentina. Ela apenas queria entrar no seu quarto, cair na cama e arranjar algo para fazer enquanto esperava o telefonema de Carlos. Mas não: primeiro foi necessário dizer o que houve, por que e como ela voltou tão cedo, se estava tudo bem, se o passeio fora bom, se ela havia tomado sol na praia, etc.

Rosa sentiu um profundo e fresco alívio ao entrar finalmente em seu quarto. Imediatamente ela abriu a mala e pôs-se a arrumar suas coisas e colocar tudo em seu lugar devido. Para sua frustração, sua mãe havia mexido em algumas de suas coisas, tirando-as de seus lugares. Ela detestava isso, mas sabia que não adiantava reclamar, pois a resposta sempre era a mesma—nessa casa sou eu que mando e coisas do tipo.

Ter passado aquele tempo fora, e ter tido uma experiência tão imprevisível e contraditória, dava-lhe um gosto renovado pelo seu quarto, seu mundo particular, inviolável (ou quase). Seu quarto era seu porto seguro, o único lugar do mundo onde ela podia ser realmente ela, sem infindáveis questionamentos, nem deboches nem palpites de ninguém.

Agora, o que restava fazer era esperar que Carlos ligasse. Ela tentava calcular mentalmente o horário no qual ele deveria ligar, levando em conta as distâncias e as velocidades, mas era difícil ter uma ideia precisa pois o horário da partida era uma incógnita. Ela pensava que, talvez, caso ele não ligasse, ela poderia tentar ligar para ele lá pelas 8 horas da noite. 8 horas parecia razoável. Mas certamente ele havia de ligar.

O tempo foi passando, e ele não ligava. Eram 6 horas da tarde, e ela já estava angustiada. Rosa tentava concentrar-se em seus desenhos, ou seus livros, para acalmar-se e deixar o tempo passar. Quanto mais o tempo passava, porém, com mais frequência ela consultava o relógio. Ficava difícil concentrar-se, e mais coisas a distraíam. O vozerio na casa, o ruído da TV e os barulhos diversos a irritavam cada vez mais.

Eram 8 horas em ponto quando ela decidiu, enfim, ligar para ele. Ela tinha medo sequer de aproximar-se do telefone, porém. Algo parecia tornar difícil sua caminhada, mas eventualmente, ela chegou lá. Rosa pegou o telefone e discou. Foram dez toques, e ninguém atendeu. Ela desligou, pensando que eles não haviam chegado ainda.

8 e meia, ela ligou de novo. Novamente, dez toques e ninguém atendeu. 9 horas, ela tentou de novo. Foram quinze toques dessa vez, e nada. A mãe de Rosa questionou para quem ela estava ligando com tanta insistência.

— É pra um amigo meu — ela disse, sem entusiasmo.

Ela já estava um pouco preocupada, pois era tarde. Ela ligou novamente às 10 horas, e de novo, ninguém atendeu. Rosa decidiu que o melhor seria ir dormir e esperar pelo dia seguinte, porém a angústia deixava-a inquieta. Ela tomou banho e pôs sua roupa de dormir, e antes de ir para cama, perto das 10 e meia, ela tentou ligar uma última vez. Nada.

 

Rosa, por que tu não vai lá fora brincar com as tuas primas?”

Eu não quero, pai.”

Então vai ficar a tarde toda enfurnada aí dentro, sozinha? Vai lá fora.”

Eu tô bem aqui.”

Eu mandei ir lá pra fora, agora!”

 

5º dia

Rosa não conseguia parar de pensar em Carlos a manhã inteira. A cabeça dela zunia, e os barulhos e as vozes dentro de casa martelavam seus ouvidos. Rosa não queria falar e responder perguntas, mas sua mãe irritava-se se ela dava respostas muito curtas ou evasivas; era sempre “responde direito”, ou “eu tô falando contigo, menina”, e coisas do gênero. Se ela se frustrava, era ainda pior.

Perto das 10 horas, ela decidiu ligar de novo, mesmo temendo que pudesse ser inconveniente ligar tão cedo. A angústia era maior, no entanto.

O telefone tocou algumas vezes, e alguém atendeu. Era voz de mulher.

— Bom dia — ela disse, um pouco nervosa. — Meu nome é Rosa, eu sou… amiga do Carlos. Eu gostaria de falar com ele.

A mulher do outro lado demorou um pouco para responder. — O Carlos… não tem como falar agora. Ele tá no hospital.

Rosa ficou paralisada por um momento. — Por quê? O que aconteceu?

— Foi um acidente de carro. Ele se machucou, e tá se recuperando.

— Ele vai ficar bem?

— Vai sim. Felizmente ele só fraturou o braço, mas ele vai ficar em observação no hospital mais um tempo.

— Eu posso visitar ele?

— Se tu quiser, pode — a mulher disse. — Ele tá no HPS.

A mulher, que era mãe de Carlos, deu a Rosa os detalhes da visita. Rosa agradeceu e desligou o telefone. Sem saber o que pensar, ela foi para o quarto e fechou a porta. Ela não sabia se devia sentir-se triste por ele ter passado por aquilo, ou aliviada por ele estar vivo e recuperando-se. Ela imaginava o quão grave devia ter sido o acidente, e qual a causa. Ela não costumava dar muita atenção às notícias de acidentes de carro, por serem coisas tão distantes de sua realidade. Agora, alguém tão próximo e querido fora vitimado por isso, e mesmo assim o máximo que aconteceria com ele é virar estatística em uma matéria rápida no RBS Notícias.

Aquilo não parecia certo, e racionalizar aquela situação parecia impossível. O pior é que ela não sabia como devia reagir ao encontrar Carlos. Ela nunca estivera em uma visita de hospital, muito menos de um lugar terrível como o HPS. Ela não sabia como Carlos estaria, se poderia tocar nele, se deveria abraçá-lo, se deveria dizer que estava feliz em vê-lo ou que estava triste por vê-lo ali e daquele jeito. Esse tipo de dúvida quase tirava-lhe a vontade de ir, mas ela sabia que precisava dele, e certamente ele queria vê-la também.

Rosa saiu de casa sem dar muita explicação—o que sempre incomodava seus pais—, pegou o ônibus e desceu na parada do hospital. Entrar naquele lugar dava-lhe um certo medo que ela não conseguia explicar. Algo opressivo e triste parecia misturar-se no ar e invadir suas narinas, causando-lhe um tipo de sufoco, uma agonia muda. Mesmo assim, ela foi adiante, na direção de onde estava Carlos.

Ele estava deitado em uma cama, com sua mãe—ao menos conforme a dedução dela—de pé ao lado, conversando com ele. O braço esquerdo dele estava engessado. Bastante nervosa, ela se aproximou dele pelos pés da cama.

Carlos teve um sobressalto ao vê-la. — Rosa!

Ele imediatamente estendeu a mão para ela. Rosa segurou-a, de leve, e ficou junto dele. Carlos puxou a mão dela para o seu rosto, respirando profundamente, como se quisesse sentir o cheiro dela.

— Eu precisava tanto te ver! — ele disse. — Durante esse tempo todo eu só pensava em ti, eu só queria te ver.

A mãe de Carlos logo ficou em silêncio, percebendo de que aquilo se tratava.

— Como tu tá se sentindo? — Rosa disse, sem convicção em suas palavras. Era a única coisa que ela conseguia pensar em dizer.

— Não muito bem — ele respondeu. — Mas considerando que eu tô vivo, e que tu tá aqui comigo agora, eu até que tô feliz.

— Tu sente alguma dor?

— Um pouco, só — ele disse. — O médico disse que, fora o braço, parece que tá tudo bem comigo. Se tudo der certo, hoje de tarde eu tô indo pra casa.

Rosa reparou que a mãe de Carlos, assim como ele, tinha alguns curativos no rosto e nos braços.

— Na verdade, eu só tô aqui pra observação, pra eles terem certeza de que não houve mais nada comigo. Eles disseram que lá pelas 6 eu vou ser liberado. Se tu quiser voltar aqui de tarde pra me esperar, eu vou ficar feliz.

— Pode ser — ela disse. A mãe de Carlos, discretamente, saiu dali. Rosa não soube se era para dar-lhes liberdade, ou se ela ficara incomodada com alguma coisa.

— Eu fiquei chateada por isso ter acontecido contigo — Rosa disse. — Isso não devia ter acontecido.

Carlos suspirou, triste. — Meu pai sabia do risco. Ele sabia, ele só não tava nem aí. Eu tive sorte de colocar o cinto de segurança assim que eu percebi que tava ficando muito perigoso. Ele é um irresponsável — ele disse, com um olhar longínquo, que Rosa não sabia decifrar. — Ele tá na UTI, sabia? Os médicos ainda não sabem como ele vai ficar depois disso. Eu devia ficar triste por ele, mas sinceramente? Eu não consigo. Foi ele mesmo que provocou isso. E além disso, talvez ele finalmente me deixe em paz agora. Talvez eu devesse respeitar mais o meu pai, mas do jeito que ele sempre me tratou, eu acho que ele não merece.

Rosa não sabia direito o que dizer. — Eu acho que tu tem razão.

— Será? — ele disse. — Eu não sei. Eu me acho muito egoísta pensando assim.

— Tu não merece que ele te bata — ela disse, reparando que ele ainda estava com o olho roxo, porém menos do que dois dias atrás.

— Pois é. Eu só acho ruim que isso tenha que ter acontecido. Seria melhor se ninguém precisasse se machucar. Me ajuda a levantar?

Rosa enrijeceu o braço, para servir de apoio para que ele pudesse sentar-se na cama. Ela se sentou ao lado dele.

— Rosa, eu tô tão feliz que tu veio — ele disse. — É triste que tu tenha que vir aqui, nesse lugar horrível, e me ver desse jeito, mas eu precisava tanto.

— Eu posso te dar um beijo? — Rosa disse.

Ele apenas sorriu para ela. Desajeitada, ela se aproximou dele e beijou-lhe os lábios. Carlos fechou os olhos e respirou fundo. Algo parecia sacudi-lo por dentro. O toque dos lábios de Rosa era suave, um pouco inseguro, porém quente, vivo.

Antes que ela terminasse, porém, ela viu uma porção de pessoas entrando no quarto, acompanhados da mãe de Carlos. Ela se afastou rápido, e ele logo virou-se para ver. Era uma porção de parentes dele, que estavam vindo visitá-lo. Rosa enrubesceu, levantou-se da cama sem saber o que fazer, e apenas ficou ali parada, de pé, enquanto alguns dos parentes lhe cumprimentaram.

— Essa é a Rosa — ele disse —, uma amiga que eu conheci lá na praia.

Rosa não percebeu, mas poucos dos parentes dele levaram a sério o termo “amiga”. Ela não queria ficar ali, no meio daquele monte de gente desconhecida, mas também não queria afastar-se de Carlos. Aos poucos ela foi indo para um canto do quarto, enquanto assistia, tensa, a toda aquela conversa e aquele burburinho.

Já Carlos sabia que, inevitavelmente, ele teria que dar centenas de explicações a respeito de sua “amiga”. Era apenas questão de tempo até que ela virasse o centro das atenções, e ele percebia que ela não gostava da ideia. Por enquanto, as conversas estavam mais focadas em sua saúde, na situação de seu pai, no passeio da praia e em algumas trivialidades.

Rosa pôde captar que alguns daqueles parentes estiveram com Carlos na casa da praia, e voltaram às pressas para Porto Alegre assim que ficaram sabendo do ocorrido. Além deles, alguns outros parentes ainda estavam chegando para a visita. Os homens que estavam ali, que pareciam ser tios de Carlos, falavam alto, como se quisessem se mostrar masculinos. Em certo ponto, Carlos já nem falava nada, e apenas ficava ouvindo, e olhando para Rosa.

— E tu — um dos homens disse, de repente, para Rosa —, vem mais pra perto.

Era o que Rosa mais temia.

— Não constrange ela, tio — Carlos disse, completamente inseguro —, ela é tímida.

— Vem cá, que tu não é bicho-do-mato — o outro tio disse. Carlos irritou-se com isso, mas sabia que não haveria jeito.

Rosa aproximou-se com passos curtos e lentos.

— Tu conheceu ele lá na praia, é?

— Sim — ela disse, olhando para Carlos.

— Ó, mas toma cuidado com ele! — o primeiro tio disse. — Ele tem essa carinha de inocente aí, mas é só a guria dar mole que ele ataca mesmo!

Carlos esfregou o rosto, respirando fundo como se estivesse sufocado. Alguns ali riram, sem reparar no desconforto de Rosa.

— Ou vai dizer que não? Não é tu que é o terror das guriazinhas lá da faculdade?

— É, eu sou, tio — Carlos disse, frustrado. — É só eu chegar que elas saem correndo de medo.

— Tem que agarrar elas, rapaz! — o outro tio disse —, que nem tu fez com essa aí!

— Ô, pai, que horror!— uma menina disse, com uma voz apagada no meio das vozes altas dos homens —, vocês tão assustando ela, coitada!

— Assustando por quê? A gente não morde nem nada!

— Não, tio, é sério, acho que esse não é o melhor lugar nem a melhor hora pra isso — Carlos disse.

Os parentes de Carlos continuaram insistindo no assunto, e Rosa era incapaz de acompanhar. Ela se sentia fisicamente enjoada com aquela situação. Nesse mesmo instante, outras pessoas entraram no quarto; eram mais parentes de Carlos, e logo começou a série de cumprimentos e vozes altas. Carlos desapareceu no meio daquela multidão, e Rosa concluiu que a única opção para ela era desaparecer também.

Rosa saiu do prédio e a luz forte do Sol ofuscou sua visão, e uma repugnância incontrolável explodia dentro dela e fazia-a verter lágrimas, no meio da calçada, da pressa e dos estranhos. Ela tentava controlar-se e manter a compostura para conseguir voltar para casa, mas era impossível conformar-se com o fato de que ela fugira de Carlos, justamente no momento em que ele mais desejava vê-la.

Na viagem de volta para casa, ela tentava racionalizar a situação, pensando que certamente aquele monte de parentes ficaria lá até o fim do horário de visita. A sensação que ficava, porém, era a de traição: ela desaparecera, sem dar qualquer explicação; e, depois que a nuvem de pessoas e de vozes se dissipasse, Carlos estaria sozinho de novo; tão sozinho quanto deveria estar aquele tempo inteiro no hospital. Mesmo assim, era difícil livrar-se da angústia e do nojo de ficar no meio de uma situação daquelas, no meio de tantos estranhos, ouvindo tais coisas desagradáveis. Ela não tivera escolha.

Rosa entrou em casa e foi direto para seu quarto, trancando a porta. Ela enfiou a cabeça no travesseiro e ficou lá, por um tempo que não se podia medir.

Era perto das 5 da tarde quando ela se lembrou de Carlos dizendo que seria liberado perto das 6. Sem saber de onde vinha o ímpeto, ela decidiu voltar ao hospital e tentar encontrá-lo de novo.

Na entrada do hospital, ela pediu informações—coisa que era difícil para ela, principalmente em um lugar tão opressivo como um hospital—e disseram que ela deveria aguardar ali mesmo, na entrada. Assim Rosa o fez, e aguardou por sabe-se lá quanto tempo. Já era mais de 6 horas, e nada, mas dessa vez ela não desistiria tão fácil. Ela não saberia o que era pior: se Carlos tivesse que ficar, por qualquer motivo terrível que fosse, ou se aquele monte de parentes voltaria para acompanhá-lo até em casa. Depois do que acontecera, ela imaginava Carlos como um animal indefeso sendo perseguido implacavelmente por um enxame de abelhas, e bastava ela pensar no nome dele para ouvir de novo aquele zumbido de vozes e comentários ácidos.

Eis que, de repente, quase vinte minutos antes das 7, Carlos surgiu acompanhado da mãe. Rosa levantou-se, e ele a viu, abrindo um sorriso largo e indefeso. Ela foi até ele, desajeitada, sem saber o que fazer direito diante do braço engessado e pendurado no pescoço, e da presença de sua mãe. Ela quis ao menos abraçá-lo, mas não parecia adequado.

— Veio aqui pra me esperar? — ele disse, com um tom meio infantil.

— Vim sim, Carlos — ela respondeu. Ela queria dizer mais, mas não achava o momento propício. — Eu queria te ver de novo.

— Obrigado, Rosa. Tu sabe que a tua companhia aqui é o que eu mais precisava. — Os três foram caminhando lentamente para fora do hospital, longe da dor e do sofrimento de pacientes enfermos e moribundos de todas as doenças possíveis, e para a rua, onde o Sol ainda dava seu brilho, e as pessoas andavam com pressa. — Tu quer me acompanhar até em casa?

— Claro — ela disse, mal conseguindo conter a felicidade.

Os três se encaminharam até uma parada de ônibus perto do parque da Redenção, e ficaram esperando por um bom tempo até que o ônibus surgisse. Rosa logo notou que o trajeto que ele fazia ia em uma direção diferente das que ela estava acostumada. Carlos e Rosa falavam pouco, e mais olhavam-se e trocavam sorrisos bobos e sem motivo. A mãe de Carlos ia sentada num banco atrás deles, mas não intervinha. Eles desembarcaram em uma avenida movimentada, desceram uma rua transversal, e entraram na casa de Carlos.

Ele suspirou aliviado ao por os pés dentro de casa. “Não via a hora de voltar,” ele disse, mais para si mesmo do que para os outros. Rosa apenas olhava para ele, um pouco atônita pelo misto de emoções indecifráveis que ele parecia emitir. — Rosa, se tu não se importa, eu preciso tomar um banho pra tirar essa inhaca de hospital.

— Não tem problema — ela disse.

— Quer ajuda?— a mãe dele disse, entrando na cozinha.

— Não precisa, mãe — ele disse, indo para o quarto. — Eu dou um jeito.

Carlos pegou uma muda de roupa e foi para o banheiro. Vinte minutos depois ele surgiu, já com as roupas trocadas. Rosa esperava na sala.

— Quer conhecer o meu quarto?— ele disse. Ela acenou com a cabeça, levantando-se.

Ele a levou para o seu quarto, e sem pensar, fechou a porta. Ele foi até a cama e caiu sobre ela, suspirando. — Eu não via mais a hora de poder deitar aqui. Pode sentar, Rosa!

Ela se sentou na borda da cama. Carlos levantou-se para ficar sentado ao lado dela, agora com o braço engessado apoiado sobre as pernas.

— Eu tô tão feliz de tu ter vindo comigo — ele disse.

— Carlos — Rosa disse, então, em um tom grave. — Eu queria te pedir desculpa por eu ter ido embora de repente lá da tua visita, sem me despedir de ti. Eu não conseguia…

A fala dela foi interrompida por soluços impertinentes, e ele a puxou delicadamente para o seu ombro. — Não fica assim, Rosa. Tudo bem! Eu percebi como tu tava incomodada. Infelizmente os meus tios são assim mesmo. Mesmo que eu tentasse, eles não iam parar de te incomodar. Minha mãe tinha me avisado que eles iam, e eu ia te avisar! Mas eu não imaginava que viriam tantos, e que eles chegariam tão cedo! Eles me pegaram de surpresa. Mas a culpa foi minha, mesmo assim. Eu fiquei chateado por tu ter passado por aquilo.

— Eu queria ficar contigo, Carlos! — ela disse chorando.

— Rosa — ele disse, afagando seus cabelos —, tá tudo bem. O que importa pra mim é que tu tá comigo agora. Os meus tios estão em casa, bem longe. Tu tá aqui. E é só isso que me interessa agora. Tudo bem?

— Tá bom — ela murmurou. Rosa foi se acalmando. O leve abraço acolhedor de Carlos tinha um poder inexplicável de fazer tudo parecer bem, de uma hora para outra. — Como é que foi o acidente?

Carlos respirou profundamente, puxando pela memória. — Eu nem sei direito. A gente tava na Freeway, já quase em Porto Alegre, eu acho. Meu pai tava correndo, tava indo a uns 110 por hora. E ele tinha bebido. Ele tava fazendo umas ultrapassagens que não tinha necessidade. Pelo que eu me lembro, ele ultrapassou um carro pela direita, e o outro tava indo bem rápido também, só que a gente tava numa curva, e o meu pai perdeu o controle. A gente rodopiou e o outro carro bateu em nós, no lado do motorista. Minha mãe conseguiu sair do carro e pedir ajuda. Ela foi a que menos se machucou, ainda bem.

Rosa se endireitou e limpou as lágrimas do rosto. — Eu fiquei muito chateada por isso ter acontecido contigo. Não parece justo.

— É, Rosa — Carlos disse —, nem sempre o mundo é justo. Mas fazer o quê? Já aconteceu. O pior já passou. Agora, quem tá sofrendo mais as consequências disso tudo é o meu pai, e a culpa foi dele mesmo. Eu não consigo me preocupar com ele, sabe? Minha mãe acha isso errado, ela me diz “ele é teu pai”, e coisa. Ela tem razão, mas poxa… ele ameaçou a vida de todo mundo. Agora ele tá lá, na UTI, nem sabem direito como ele vai ficar. Eu não consigo ter pena. E ele ainda dizia que eu é que sou o imprestável…

Carlos olhou de relance pelas frestas da veneziana de seu quarto, e viu que estava escurecendo. — Rosa, tu vai querer ir pra casa? Ou tu prefere passar a noite aqui?

— Não sei, Carlos — ela disse. — Não vai atrapalhar se eu dormir aqui?

— Capaz, Rosa! Eu arrumo umas cobertas e eu durmo no chão, e tu dorme na minha cama. Não tem problema nenhum.

Ela olhou para o chão, pensativa. — Não poderíamos nós dois dormir na tua cama?

Carlos olhou para ela com um certo susto. — Bah, Rosa, acho que a minha mãe não ia gostar.

— Por quê?

Ele coçou a cabeça. — É que a gente se conhece a tão pouco tempo, e aí vai parecer que… tipo, por mim não teria problema, entende? Mas a minha mãe não acha certo toda essa intimidade.

— É que não tem nada a ver com intimidade — ela disse, perdendo o entusiasmo.

— É, eu sei que não, mas fazer o quê? — ele disse. — É a maneira como as pessoas veem.

— Tá, tudo bem.

— Só que tu precisa avisar a tua mãe, né?

— Sim, sim — ela disse, sem dar muita bola para isso. — Posso te dar um beijo?

Carlos sorriu. — Tu nem precisa pedir isso, Rosa.

Sem titubear, ela se inclinou para frente e beijou-o. Carlos achava divertido o jeito que ela vinha rápido e sem rodeios, beijava-o longamente, e depois se afastava, satisfeita.

— Carlos… tu te casaria comigo?

Ele foi pego de um sobressalto quase fatal, tentando entender se aquilo que ele tinha ouvido era exatamente aquilo que ele tinha ouvido. — Rosa, eu… eu não… tu quer dizer, quando?

— Não sei, algum dia — ela disse.

— Mas por que tu tá perguntando isso?

— Eu só queria saber isso de ti, Carlos — ela disse, um pouco frustrada.

— Sim, mas, eu não sei o que responder — ele disse. — Se eu me casaria contigo? Depende. Depende de muita coisa.

— Não foi uma pergunta tão complicada assim — ela disse. — Eu só queria saber se, algum dia, não sei quando, mas algum dia, tu teria vontade de se casar comigo.

Carlos parou por um instante, e decidiu dar a resposta simples. — É quase certo que sim, Rosa. Se o nosso namoro ficar mais firme, é provável que sim.

Ela deu um sorriso encabulado, e pareceu contentar-se com a resposta. — E tu… faria sexo comigo?

Ele quase engasgou-se com sua própria saliva, e começou a rir um riso descabido. — Rosa…!

— Por que tu tá rindo?

— Desculpa, Rosa, eu não tô rindo de ti!— ele disse, sem conseguir controlar-se.

— Então tá rindo do quê?

Carlos fazia gestos vagos enquanto tentava recompor-se. — Eu tô rindo de mim mesmo! — ele disse. — Eu não esperava essa pergunta.

— Carlos, eu só quero conversar contigo — ela disse.

— Eu sei, Rosa, me desculpa — ele disse, recuperando o fôlego. — Eu não queria rir assim, me desculpa.

— Tu pode responder?

Ele olhou para ela, sorrindo, tentando amenizar o desconforto. — É claro que eu faria, Rosa — ele disse. — Tu acha que não?

— Não é por isso — ela disse. — É que… quando eu penso nisso… sinceramente, me dá um pouco de medo.

— Medo? Por quê?

Rosa olhou para o lado, evitando o olhar dele. — É que isso é tão novo pra mim… Entende que, até alguns dias atrás, eu nunca imaginava que algum guri algum dia se interessaria por mim, jamais. E agora, a gente tá aqui… e tu me diz coisas tão bonitas… e tu é tão bonito, e a gente tá tão próximo… mas, se a gente fosse… fosse fazer isso, eu não sei o que fazer, ou como reagir — ela disse.

— Rosa, isso é novo pra mim também — ele disse. — Eu acho que eu ficaria mais perdido do que tu.

— Eu não me sinto preparada pra isso — ela disse. — Não é que eu não queira. Eu acho que seria ótimo se a gente pudesse fazer essas coisas todas, mas se tu quisesse transar comigo, eu não me sinto pronta.

Carlos pegou sua mão, gentilmente. — Rosa, olha só, no dia em que tu te sentir pronta pra isso é que eu vou propor alguma coisa. Eu jamais vou te pressionar a fazer nada, entendeu? Eu nunca vou te pressionar a nada.

— Mas tu tem direito a isso — ela disse. Carlos mal acreditou que isso poderia sair da boca de Rosa.

— Isso não é questão de direito! — ele protestou. — Isso é uma coisa que nós dois temos que querer e fazer juntos, quando a gente decidir que for melhor. Quem foi que te disse essa coisa de ter direito?

— Ninguém me disse. É só o que todo mundo acha.

— Não é o que eu acho — ele respondeu. — Eu acho que não é assim. Não pensa isso. Tu não precisa sentir medo nem preocupação quanto a isso, Rosa, entendeu?

Ela olhou para ele, ainda encabulada. — Entendi.

— Então me dá um abraço.

Rosa o abraçou, e eles ficaram assim por um bom tempo, sem se preocupar em contar o tempo que passava. Mesmo depois de afastarem-se, eles se mantiveram em silêncio, até que a porta do quarto se abriu de repente e a mãe dele surgiu.

— Carlos, a comida daqui a pouco tá pronta.

— Tá bom — ele disse. — Mãe? A Rosa vai passar a noite aqui.

A mãe dele estranhou, mas não reclamou. — Tu já avisou a tua família, Rosa?

— Ainda não, mas eu ligo daqui a pouco — ela disse.

— Tá bom, mas vê se não esquece.

— Pode deixar, mãe — Carlos disse.

A mãe dele saiu e fechou a porta.

— Desculpa, Rosa — ele disse —, ela costuma entrar sem bater.

— Tudo bem — ela respondeu.

Carlos riu sozinho. — Imagina se a gente estivesse transando?

Rosa desatou a rir, em descrédito de ter ouvido aquilo, mas também divertindo-se com a ideia. — Seria estranho!

Ele ria também. — E constrangedor!

— É — ela disse —, constrangedor!

Cada vez que ela tentava parar de rir, ela ria mais alto, apoiando o rosto nas mãos e sacudindo os ombros. Ele ria mais pela reação dela do que pelo comentário em si. Rosa jogou-se na cama, ainda rindo.

Ao que ela parou de rir, Carlos apenas ficou olhando para ela, maravilhado. — Essa é a primeira vez que eu te vejo rir.

Rosa fechou os olhos, emocionada com aquilo, e suspirou. — Eu não sei… como tu consegue fazer isso comigo — ela disse. — Tem tanta coisa dentro de mim… e parece que tu consegue tirar tudo isso pra fora. E só tu consegue fazer isso.

Ele acariciou a testa dela com as costas dos dedos. — Essa é a minha definição de amor — ele disse, sorrindo.

Ela sorriu também. — É uma definição válida.

— Mas a tua ainda é melhor — ele disse.

— Pode ser.

Pouco tempo depois, Carlos aconselhou-a a ligar para casa e avisar que ela não voltaria naquela noite. Carlos ficou afastado, ainda assim prestando atenção ao que ela dizia.

— Mãe? Eu vou passar a noite aqui na casa do meu amigo, o Carlos… Sim, a mãe dele tá aqui.

A conversa parecia ficar cada vez mais difícil para Rosa, até que ela pediu que Carlos chamasse sua mãe. Só depois de uma longa e detalhada conversa entre as respectivas mães deles foi Rosa então autorizada a passar a noite lá.

O jantar foi servido logo depois. Nada de sofisticado: arroz com feijão, carne de panela e salada de pepino. Para Rosa, estava mais do que ótimo.

— Carlos, amanhã eu vou ir lá ver o teu pai — a mãe dele disse. — Tu não vai comigo?

— Acho que não — ele disse, sem entusiasmo algum.

— Tu vai ter que ir algum dia — ela respondeu.

— Eu sei, mãe. Eu só não sei se eu tô preparado ainda.

— Então vê se te prepara. Ele é teu pai, não te esquece.

— Eu sei — ele disse, já exausto da conversa. — Eu não tô dizendo que eu não quero ir. Eu vou, só não amanhã.

— Tá bom.

Rosa, já desconfortável com a conversa, tentava concentrar-se na comida. Ela notou, com o canto dos olhos, que Carlos estava olhando para ela.

— Mãe — ele disse, com um tom meio solene —, a Rosa é a minha namorada.

Rosa fez força para engolir.

A mãe dele acenou com a cabeça, suspirando. — É, eu já imaginava. Eu só espero que vocês tenham juízo.

Carlos deu um olhar cúmplice para Rosa. Ele pensava, o que seria exatamente “juízo”? “Bater nos filhos é juízo?” ele pensou.

Depois da janta, Carlos trocou de roupa, e foi com Rosa para o quarto dele para arrumar algumas cobertas no chão para servir de cama.

— Carlos — ela disse, quanto estava tudo pronto —, eu acho melhor que tu durma na tua cama. Dormir no chão pode fazer mal pro teu braço.

— Que nada, Rosa! — ele respondeu.

— Não, eu insisto. Por favor, eu não quero que tu fique pior.

Carlos olhou para ela, e viu que ela parecia irredutível. — Tudo bem. Como tu quiser.

Rosa se deitou na sua cama improvisada, e ele apagou a luz do quarto, deitando-se em seguida.

— Não tá desconfortável aí? — ele disse.

— Não, tá tudo bem — ela disse.

— Então tá. Boa noite, meu amorzinho.

— Boa noite. Eu te amo.

Ele suspirou, ainda tenso por ouvir essas palavras.

— Eu também te amo, Rosa.

Ele respirou profundamente, deitado para cima, olhando para o que dava para ver do teto.

— Tem algum poema pra recitar pra mim? — ele disse.

Rosa puxou pela memória, e a única coisa que ela conseguia lembrar de cabeça era o Soneto de Fidelidade, de Vinícius. Ela recitou da melhor maneira que podia. Carlos fechou os olhos e escutou cada verso, cada entonação, cada respiração. Aquilo era como música.

 

E tu, Rosa, já decidiu o que tu vai pedir pro Papai Noel?”

Eu quero o livro do Mário Quintana!”

Livro?” a mãe dela disse. “Isso não é presente de Natal. Por que não pede uma boneca, um brinquedo?”

Mas eu já tenho, mãe.”

Tá, mas pede uma boneca nova! É o que todas as gurias da tua idade querem! Agora livro? Isso não é presente que se ganhe de Natal.”

Mas é o que eu quero, mãe.”

Tá, esquece isso,” o pai dela interferiu. “Quem decide isso é Papai Noel.”

 

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