crise do coronavírus

Aumenta violência contra mulher em Gravataí; a esposa do procurador

Desde que o coronavírus chegou ao Brasil, entidades que prestam assistência a mulheres vítimas de violência doméstica estão em alerta. Para essa parcela da população, ficar em casa confinada com o parceiro por um período ainda indeterminado de tempo pode ser tão arriscado como a contaminação pelo coronavírus. Prova é que a notícia é que mulher de procurador do município de Gravataí denunciou ser agredida em casa. No seu relato, diz sofrer agressões ao longo do seu casamento. Separados e morando na mesma casa, ela conseguiu ter a coragem de denunciá-lo. 

Já são 47 casos de violência contra a mulher a mais em Gravataí, na comparação entre 2019 e 2020. Amanhã, quem será a próxima vítima?

Das 97 mulheres assassinadas no Rio Grande do Sul em 2019 por questões de gênero, 65 foram mortas na casa delas ou dos autores do crime. Com o isolamento e os serviços públicos parcialmente fechados ou com atendimento remoto, existe a possibilidade real de um crescimento no número de casos de violência que ficarão represados neste período por causa da pandemia. Diante dessa perspectiva, Judiciário, Defensoria e ONGs de apoio passaram a oferecer atendimento online. Somente as primeiras solicitações de medidas protetivas de urgência, as MPUs, feitas pelas vítimas, continuam sendo feitas presencialmente nas delegacias.

Neste mês de Agosto a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, fez 14 anos de sua existência. Em razão disso, agosto foi escolhido o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher. No meio de tantas campanhas e lutas todos os dias aqui em Gravataí, uma mulher sofre algum tipo de agressão, seja ela física ou verbal. 

Um X vermelho de batom estampado na palma da mão, um botão de pânico num aplicativo de loja online de eletroeletrônicos e até um vídeo fake de automaquiagem que, na prática, orienta a fazer denúncias. Por meio de formas inusitadas como essas, governo, empresas e organizações da sociedade civil se mobilizam para ajudar a mulher a buscar socorro em caso de violência doméstica nesses tempos de pandemia do coronavírus. Isolada dentro de casa e, na maioria das vezes, tendo de conviver com o agressor, um número crescente de brasileiras está sendo vítima de abuso doméstico na quarentena.

Tenho feito diversas buscas e análise dos diferentes casos de violência contra a mulher, formalizados em boletins de ocorrência (BO) na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), no estado e no município de Gravataí. Trata-se de uma pesquisa realizada no site do Departamento de Planejamento e Integração Observatório Estadual de Segurança Pública do Estado do RS, com base nos dados divulgados no período do ano de (2019/2020). As ocorrências foram diferenciadas conforme o período e o tipo de agressões. 

A violência contra a mulher se caracteriza como um fenômeno sociocultural com impacto na saúde pública. Avanços significativos foram conquistados no Brasil em relação à proteção das mulheres em situação de violência, como a criação das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). As DDM tornaram possível para a mulher que deseja realizar a denúncia de agressão, ter um local especializado e com equipe técnica multiprofissional para atendê-la. No entanto, alguns entraves, como o horário de funcionamento das DDM, põem em xeque o ideário de proteção das mulheres.

No Estado do Rio Grande do Sul, as DDM não ficam abertas ao público em tempo integral, o que faz com que os casos de violência ocorridos durante a semana após as 18h horas e aos sábados, domingos e feriados sejam formalizados em Delegacias Civis e encaminhados para as DDM no próximo dia útil. Esses casos são caracterizados como sendo de plantão. Nas Delegacias Civis, os casos são abordados dentro do conjunto de violências que ocorre no período noturno e de final de semana, sem uma abordagem específica, quer das vítimas, quer de seus familiares e amigos.

A luta por uma lei específica que punisse o agressor continuou até a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. Essa lei incorporou a modalidade de pena e a competência para julgamento, além da natureza jurídica da ação penal nos crimes de lesão corporal, caracterizando-os, como violência doméstica. A lei também incorporou o modelo de abordagem intersetorial para as mulheres em situação de violência, focando na articulação e interação de princípios e diretrizes previstos nas diferentes políticas de: Assistência Social, Saúde e Segurança Pública8. Além disso, a lei viabilizou maior rapidez nas medidas emergenciais de proteção, pois, após a instituição, a própria delegada pode solicitar ao juiz o afastamento do agressor.

As DDM surgiram com a função de proteger, amparar as mulheres e frear a crueldade masculina, priorizando a recepção e o acolhimento de mulheres em situação de violência em um local propício direcionado para a peculiaridade do seu caso e, principalmente, visando enfrentar situações degradantes ocorridas e atribuídas ao espaço privado24. Contudo, nove anos após a implantação da primeira DDM em Gravataí, o serviço não está disponível à noite, nos feriados e nos finais de semana, o que dificulta o acesso a um serviço especializado e capacitado para atender essa demanda e enfraquece o ideal de proteção e acolhimento trazido com a criação das DDM. Portanto, é um retrocesso ter que formalizar denúncia de violência doméstica no plantão policial, pois, a DDM foi uma alternativa a esse modelo de serviço, que muitas vezes impedia, diminuía e desqualificava as situações de violência vivenciadas pelas mulheres, reforçando posicionamentos machistas e opressores.

O imediatismo e a gravidade das queixas de violência, formalizadas no plantão policial, revela a importância de se trabalhar esse tema preventivamente nos serviços de saúde, de assistência social e nas DDM, conforme estabelecido pela Lei Maria da Penha. A referida lei preconiza, inclusive, a promoção de ações ampliadas, integradas e intersetoriais de prevenção dos vínculos familiares e comunitários com foco na independência e no protagonismo dos indivíduos, nesse caso, das mulheres em seus territórios de abrangência.

Porém, apesar dessas políticas terem incorporado em seus objetivos e diretrizes formas de se abordar e prevenir situações de violência contra a mulher, a efetivação dessas na prática ainda é incipiente. O fato é que a violência contra a mulher ainda é invisível nos serviços de atenção primária à saúde e nos serviços de proteção social básica.

Dada à relevância do tema, aponta-se a necessidade de realização de estudos em delegacias de municípios de maior porte com vistas a verificar a existência de diferenças conforme apresentado no presente estudo, e subsidiar mudanças no funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher de modo a valorizá-las como porta de entrada de uma atenção em rede que avance na consolidação dos direitos da mulher.

Se o objetivo é salvar vidas, precisamos unir forças instituições públicas, ONGs, casas de acolhimento entre outras entidades para informar a população sobre os meios de acesso ao Judiciário e a Polícia neste período.

 

Referencias:

https://www.ssp.rs.gov.br/indicadores-da-violencia-contra-a-mulher

Schraiber LB, d’Oliveira AFPL, Portella AP, Menicucci E. Violência de gênero no campo da saúde coletiva: conquistas e desafios. Cien Saude Colet 2009; 14(4):1019-1027.

Pasinato W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Rev Direito GV 2015; 11(2):407-428.

Santos CM. Da delegacia da mulher à lei Maria da Penha: lutas feministas e políticas públicas sobre violência contra mulheres no Brasil Coimbra: Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra; 2008.

Nobre MT, Barreira C. Controle social e mediação de conflitos: as delegacias da mulher e a violência doméstica. Sociologias (Porto Alegre) 2008; 10(20):138-163.

Souza L, Cortez MB. A delegacia da mulher perante as normas e leis para o enfrentamento da violência contra a mulher: um estudo de caso. Rev Adm Publica 2014; 48(3):621-639.

Brasil. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 8 ago.

Brasil. Presidência da República. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2007.

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