crise do coronavírus

O medo não usa máscara no hospital de Gravataí

Profissionais de saúde estão na linha de frente da guerra contra o novo coronavírus | Foto MARCELLO CASAL | Agência Brasil

Em Nova Iorque, ou em Gravataí, profissionais de saúde experimentam dias de heroísmo, angustia e incerteza. Se, conforme a Science, uma das revistas acadêmicas mais prestigiadas do mundo, seis a cada 10 terráqueos podem contrair a COVID-19 ao fim da pandemia deste ano; médicos, enfermeiras e auxiliares estão no front da guerra, entre bombas virais em aerossóis ou no campo minado das superfícies. Muitos não se sentem protegidos entre os cerca de dois mil funcionários do hospital Dom João Becker/Santa Casa.

– Há profissionais com uma máscara por turno de seis horas, quando o certo é troca de duas em duas horas – denuncia uma funcionária, sob a condição de anonimato.

– Os profissionais estão mais em pânico por não ter proteção do que os pacientes ficariam ao ver todos usando máscaras – diz outro funcionário.

Eles, que servem de porta voz principalmente para enfermeira(o)s e técnica(o)s em enfermagem, não estão na linha de frente dos atendimentos a casos suspeitos de contaminação pelo novo coronavírus, mas alertam para a circulação de profissionais, pacientes e acompanhantes por diferentes setores nos sete andares do HDJB.

– Com exceção da porta de entrada da emergência e do isolamento para pacientes suspeitos, se você andar pelo hospital vai ver profissionais e pacientes do grupo de risco sem proteção circulando por alas de obstetrícia, cardiologia, neurologia, psiquiatria, hemodiálise, exames de imagem, bloco cirúrgico e UTI – exemplifica a profissional, também citando o fato de pacientes com suspeita, em fase de testagem, frequentarem os mesmos ambientes e em um isolamento próximo à lancheria do hospital.

A insegurança aumenta pelo silencioso potencial de contaminação do vírus: 86% dos portadores não terão sintomas relevantes, mas serão responsáveis por 79% das transmissões; dos infectados, 15% poderão precisar de tratamento e 5% de internação em uma unidade de tratamento intensivo.

A morte terça-feira da técnica em enfermagem Mara Rúbia Cáceres, de 44 anos, que trabalhava no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e morava em Alvorada, elevou a tensão no hospital de Gravataí.

– Ao comunicarem a estratégia de distribuição de EPIs alertaram que possivelmente muitos profissionais contrairiam o vírus, mas que não poderíamos ficar doentes juntos. Porém, o uso de EPIs é restrito – diz o funcionário.

– É essa a carga psicológica que enfrentamos, por vocação. Há profissionais do grupo de risco, ou com pessoas vulneráveis na família. E a mulher em nossa sociedade ainda é sobrecarregada com as tarefas do lar, de cuidar dos pais – desabafa a funcionária.

Para entendimento do drama da categoria recomendo a leitura das reportagens Quem defenderá as enfermeiras?, publicada pelo Outras Palavras, e Profissionais de saúde: “ou a gente se cuida, ou adoece”, publicada pela Agência Pública, que tratam sobre os medos, pressões e também a dupla jornada de profissionais da saúde, exaustivas nos hospitais e nas tarefas domésticas e familiares.

São 2 milhões de profissionais de enfermagem distribuídos pelo país. No país, 84,7% dos auxiliares e técnicos de enfermagem são mulheres. Entre os profissionais com ensino superior, elas são 86,2%, segundo a pesquisa ‘Pesquisa Perfil da Enfermagem’ do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

– O pior da pandemia ainda nem aconteceu em Gravataí e muitos profissionais já estão abalados – alerta a funcionária, que revela que, devido às poucas informações sobre estrutura e condições de trabalho, poucos funcionários se voluntariam a trabalhar no ‘hospital de campanha’, cujas obras começaram na terça, nos fundos do HDJB, e tem previsão de funcionamento em 20 dias.

– Possivelmente será rodízio, o que colocará a todos na linha de frente – acrescenta o funcionário.

O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) lançou a campanha ‘EPI Já’. Denúncias de falta de equipamentos adequados em hospitais e unidades de saúde podem ser feitos pelo 0800 512 569, que funciona 24 horas.

Já o Sindicato dos Hospitais de Porto Alegre (Sindihospa) sustenta que “não há falta de equipamentos”, mas que “as instituições têm realizado um controle rigoroso e que a distribuição segue os protocolos da Anvisa”.

Procurado pelo Seguinte: neste sábado, Marcelo Pasa, diretor médico do Hospital Dom João Becker/Santa Casa, rapidamente enviou esclarecimentos:

– A carência de insumos para atendimento ao COVID-19 é uma realidade mundial conhecida por todos. O hospital Dom João Becker assim como todas as instituições mundo afora organiza a utilização dos recursos dentro das normas definidas pela OMS e pelo Ministério da Saúde no sentido de disponibilizar o material necessário no momento adequado.

É o mesmo argumento do diretor-geral da Santa Casa, Julio Matos: a instituição segue as diretrizes oficiais e trabalhadores da linha de frente estão equipados com os recursos necessários. Para o estoque não zerar, mais 1 milhão de máscaras foram compradas.

– Ocorre em todo o país uma falta de equipamentos porque o Ministério da Saúde está confiscando materiais, o que gera um desabastecimento em todo o sistema de saúde. Ao mesmo tempo, há uma insegurança muito grande e as pessoas pensam que estarão protegidas usando máscara. Mas máscara não significa prevenção, há protocolos que definem quais locais precisam usá-las – disse, em entrevista à GaúchaZH.

O mesmo protocolo é seguido pela Prefeitura de Gravataí nos postos de saúde, UPA e 24H.

– É compreensível o pavor neste momento, mas a distribuição de EPIs segue o manual da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Tanto na Prefeitura, quando o Becker, tem infectologistas e sanitaristas responsáveis pela correra distribuição – diz o secretário da Saúde, diferenciando a ‘máscara caseira’ do equipamento necessário para quem tem contato com pacientes suspeitos ou casos confirmados de infecção pela COVID-19.

– Não há como vestir a todos como astronautas. Não há EPIs suficientes no mundo. A estratégia é o uso racional – lamenta Jean Torman.

Ele exemplifica com profissionais que tem contato com infectados e, a cada quatro horas, ao saírem de alas de isolamento, precisam descartar o equipamento contaminado.

– Cada troca é 100 reais. E não há estoque no mercado. Desde fevereiro trabalhamos com um horizonte de 15 dias – explica, relatando o esforço de enviar equipes da secretaria para outros estados para retirar EPIs assim que o dinheiro da Prefeitura entra na conta do fornecedor.

– Pagamento só à vista. Uma máscara comum (brancas) que era contratada em janeiro por 8 centavos hoje custa 5,60. Uma máscara N95 (azuis, de maior proteção) subiu de R$ 5,90 para 35.

O cálculo do governo Marco Alba é investir cerca de R$ 10 milhões em quatro meses apenas na compra de EPIs. A média de uso de equipamentos como máscaras, luvas, aventais, macacões, óculos e capacetes de proteção podem chegar a 40 mil por dia.

Ao fim, não há vilões. Os profissionais de saúde estão compreensivelmente inseguros e os hospitais e governos também tem aceitáveis justificativas: não há verba e nem o mercado oferece EPIs em quantidade suficiente para todos.

Resta aí mais uma lição para a população respeitar o isolamento social. Médicos, enfermeiras, auxiliares e serviços gerais de hospitais não têm essa dádiva. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, o percentual de trabalhadores da saúde afetados pela Covid-19 varia entre 8% e 10%. Aplicando o percentual no 1,7 milhão de casos identificados neste sábado pela universidade americana Johns Hopkins, o contágio potencial chegaria a 170 mil. No Brasil, oito já morreram.

São rostos próximos, que não precisam ser expostos. Dos 13 casos confirmados da COVID-19, dois são de uma mesma família. A mãe, profissional de saúde em Porto Alegre, transmitiu o vírus para a filha, com quem mora em Gravataí. Contraiu trabalhando, não participando de ‘carreata da morte’, comprando chocolate ou disputando o peixe com a multidão no Mercado Público.

 

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