opinião

O dia em que a Câmara de Gravataí foi o STF; e deu empate!

Alan Vieira é vereador de Gravataí em segundo mandato

A Câmara de Gravataí teve seu dia de Supremo Tribunal Federal (STF) na votação de moção, proposta pelo vereador Alan Vieira (MDB), em apoio ao projeto de emenda constitucional que determina a prisão após condenação em segunda instância – para alguns, uma PEC anti-corrupção, para outros uma ‘Lei Lula’.

Na pesquisa que fiz nesta tarde no site do legislativo, e na experiência de 23 anos cobrindo a política da aldeia, nunca vi resultado igual: empate triplo! Foram sete votos a favor, sete contra, seis abstenções e uma ausência. A moção restou arquivada.

Vamos às informações, a um resumo contextualizado e analítico que faço dos votos daqueles vereadores que se manifestaram e, ao fim do artigo, comento e depois reproduzo o vídeo da sessão na íntegra para quem quiser escutar os argumentos na voz dos parlamentares e tirar suas próprias conclusões.

Antes de tudo é bom ler, clicando aqui, o texto e a justificativa de Alan para a moção, que pela robustez jurídica poderiam bem ter sido assinados pelo procurador-geral do município Jean Torman.

Siga em 13 tópicos conforme os vereadores subiram à tribuna.

 

1.

Rosane Bordignon (PDT) foi a primeira a falar contra a moção. Lembrou experiência doméstica, pessoal, política e partidária de 2008, quando o marido Daniel Bordignon teve a candidatura impugnada na estreante ‘lei da ficha limpa’ (marketing político de Lula e Dilma!), mesmo que uma aberração jurídica que contraria a presunção de inocência, cláusula pétrea da Constituição.

À época, Bordignon foi condenado no Tribunal de Contas da União (TCU) pela falta de prestação de contas pelo secretário da Saúde Neio Lúciom Pereira (PCdoB) em um convênio de R$ 12 mil, onde equipamentos para detectar tuberculose chegaram, mas as notas fiscais foram extraviadas.

Favorito na eleição, o prefeito entre 1996 e 2000, a quatro dias da eleição, indicou como candidata à Prefeitura a vice, Rita Sanco, que fez a maior votação da história de Gravataí até hoje, 68 mil votos.

Passada a eleição, após recurso de Bordignon, o TCU absolveu-o por unanimidade.

Alertando que “lei não é vingança”, Rosane citou Voltaire:

– É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente.

 

2.

Dilamar Soares (PSD, mas PDT a partir da janela de transferência partidária sem risco de perda de mandato), repetiu o que tinha antecipado na sessão na última quinta: votaria contra a moção.

O vereador entende a PEC que prevê a prisão em segunda instância casuística, ou seja, voltada a atender interesses do momento político e social.

– Hoje promotores e juízes agem como deuses que a todos condenam, mesmo sem provas – observou, citando o constrangedor exemplo da juíza Gabriela Hardt, a substituta de Sérgio Moro na Lava Jato de Curitiba, que teve sentença anulada após um ‘Control C + Control V’ de argumentos.

O ex-emedebista e ex-líder do governo Marco Alba lembrou o caso do próprio prefeito, absolvido após 10 anos de acusações de corrupção, por fraudes em licitações, pelo Tribunal Regional Federal (TRF4).

– Foi inocentado, mas se condenado estaria preso e teria perdido o mandato.

Dilamar classificou a moção como “oportunista”:

– Mexe com cláusula pétrea da Constituição – resumiu, repetindo a citação de Voltaire, feita por Rosane, candidata a vice de Anabel Lorenzi, de quem ele é a voz na Câmara.

 

3.

Wagner Padilha (PSB) anunciou o voto contra relatando uma experiência pessoal traumática:

– Fui vítima dos desmandos do Judiciário, condenado injustamente por gravar vídeos mostrando problemas da cidade – contou, referindo-se a condenação por postagens no YouTube que fez travestido de Floriano Flor de Tuna, em seu canal Tô de Olho no Buraco, criticando o governo Marco Alba antes de ser eleito vereador.

Wagner disse ter sido ameaçado de prisão, após ter excluído inclusive vídeo onde participava de programa na TV Record.

– Por que essa mídia poderosa não foi processada? Porque só o cara da vila é condenado, o patrão nunca – disse, lembrando ter tido uma condenação pecuniária de R$ 20 mil determinada pelo Judiciário, quando o Ministério Público indicava no máximo R$ 5 mil.

– Num país que solta o rico e prende o pobre, quero o máximo de instâncias antes da prisão.

 

4.

Paulo Silveira (PSB) também foi contra. Ele alertou para o risco de “seguir a maré” e esquecer a Constituição.

– Defendo a garantia a ampla defesa, ainda mais em um país onde há presos sem provas – resumiu, denunciando o judiciário “corrupto e com olhos” para os poderosos, quando não deveria tirar a venda da justiça.

– A lei não é igual para todos: se condenam pretos, pobres, minorias e desfavorecidos.

 

5.

Dimas Costa (PSD) também votou contra a moção.

– É cláusula pétrea! – disse, criticando, mesmo sem citar nomes, o ex-juiz e hoje político Sérgio Moro.

– Vivemos em um país onde juiz o político conforme seu interesse e depois vira político.

O vereador também alertou para “poderosos que com suas relações próximas a juízes e desembargadores” mudam eleições usando do tapetão judicial.

– É mentira que assassinos e estupradores serão soltos. Não tem nada a ver uma coisa com outra. Essa PEC é só para jogar para a torcida – disse, espertamente mudando o foco para moção de sua autoria em repúdio ao decreto 201, de 1967, assinado pelo presidente Castelo Branco, na ditadura militar, que permite cassação de políticos por maioria parlamentar sem a necessidade de condenação por improbidade administrativa.

– Não dá para o político criticar o juiz se quando ele, o político, é o juiz, vota pela cassação de uma pessoa honesta, tomando de assalto o poder sem ter o voto popular. Há democratas que, quando lhes convém, se socorrem de leis da ditadura – disse, mais ou menos assim, frente a um público que reunia professores estaduais em greve mas, principalmente, ‘cassada e caçadora’: Rita Sanco (PT) e a Anabel Lorenzi, hoje candidata a prefeita pelo PDT de Rosane e Daniel Bordignon, mas em 2011 vereadora que votou a favor do golpeachment contra a prefeita.

 

6.

Decano da Câmara, Nadir Rocha (MDB), quinto mandato e por duas vezes ‘camerlengo da sé vancante’ como prefeito interino, foi o primeiro a se manifestar a favor da moção.

– Todo dia a gente vê na TV a Polícia Federal prendendo alguém ligado política. E agora vemos livres ex-presidente, ex-deputados, lobistas, gente grande para quem um milhão é um real. Não vi ser solto um ladrão de galinha – disse, avaliando que só ganham com tantas instâncias de recurso “aqueles que podem pagar bons advogados”.

– Me citem um ‘Pedrinho do valão’ que é beneficiado com a lei como está hoje que voto contra – desafiou, dizendo que “cada partido tem seu ladrão e seu corrupto” e sente “vergonha” pelo seu MDB, mas não troca de sigla por oportunismo eleitoral.

– Quem não deve não teme!

 

7.

Alan Vieira (MDB) não entrou na técnica jurídica apresentada em sua justificativa para a moção, cujo link para leitura indiquei acima. O político falou mais alto que o advogado.

Lembrando que tinha 18 anos quando acompanhou o “processo doloroso” de cassação de Rita Sanco, “a primeira prefeita que começou a respeitar Lei de Responsabilidade Fiscal, o que Acimar (da Silva, MDB) e Marco Alba (MDB) aprofundaram, ajustaram as contas e conseguiram as certidões negativas de débitos”, que hoje permitem contrair R$ 100 milhões em empréstimos para investir em obras, Alan contra-atacou Dimas.

Citou-me, inclusive:

– O jornalista Rafael Martinelli, que já foi seu chefe de gabinete no PT, chama de ‘Dr. Golpeachment’ o advogado Cláudio Ávila (autor da denúncia de impeachment contra Rita) que é chefe da campanha de Dimas à Prefeitura.

(Dimas pediu à presidência ‘questão de ordem’, dizendo se uma “inverdade” que Ávila comanda sua campanha; e acrescentou que o hoje filiado ao seu partido “advogou, não votou” na cassação de Rita, que chamou de “golpe”)

Alan seguiu dizendo que a apresentação não tinha “interferência do governo”, isentando o prefeito Marco Alba do constrangimento que se criou na base de governo, que votou dividida.

– Apanhei quieto quando o que Marco fazia não era compreendido. Hoje a cidade assiste às obras. Estou no lado e na ideologia em que sempre estive. Prefiro perde uma eleição e dormir tranquilo do que me unir a sem-vergonha.

 

8.

Bombeiro Batista (PSD) disse que iria embora da sessão para cuidar da filha hospitalizada, mas criticou a moção.

– Sou um legalista e essa PEC é inconstitucional. Mas não tenho bandidos de estimação. Já votei no Lula, na Dilma e no Bolsonaro. Se cometerem erros, são eles a errar, não eu. Só acho que não é papel da Câmara discutir esse assunto. É oportunismo político. Não vou votar, porque meu voto não muda nada na vida das pessoas – disse, pouco antes de sair do plenário.

 

9.

Carlos Fonseca (PSB) anunciou voto favorável como símbolo para a necessidade de uma mudanças nas leis.

– O Judiciário está falido e nos torna reféns da interpretação dos ministros do Supremo. Em uma manhã votam de um jeito, à noite de outro – criticou.

Fonseca considera duas instâncias de julgamento, com amplo direito de defesa, suficientes para uma condenação ou absolvição.

– Não pode um ministro pela manhã julgar um tema de uma forma, e à noite de outra.

 

10.

Roberto Andrade (PP) evocou a condição de bacharel em Direito para justificar a abstenção, apesar de lembrar que a presunção da inocência é “cláusula pétrea da Constituição”:

– Não me sinto confortável para votar a moção. Até porque não muda nada, não é uma questão sob a qual a Câmara tenha influência.

O vereador criticou o debate sobre o tema em Gravataí:

– Já apanhamos por questões locais, agora seremos julgados pelo voto em uma questão nacional? Não sou daqueles que jogam para a torcida.

 

11.

A votação veio e o resultado foi:

A favor da moção: Alan Vieira (MDB), Carlos Fonseca (PSB), Evandro Soares (DEM), Jô da Farmácia (PTB), Mario Peres (PSDB), Nadir Rocha (MDB), Neri Facin (PSDB).

Contra a moção: Airton Leal (PV), Alex Peixe (PDT), Dilamar Soares (PSD), Dimas Costa (PSD), Paulo Silveira (PSB), Rosane Bordignon (PDT) e Wagner Padilha (PSB).

Abstenções: Alex Tavares (MDB), Demétrio Tafras (PDT), Fábio Ávila (Republicanos), Paulinho da Farmácia (MDB) e Roberto Andrade (PP).

Ausência: Bombeiro Batista (PSD).

 

12.

Coube o ‘Voto de Minerva, que acontece apenas em caso de empate, para o presidente Clebes Mendes (MDB):

– O Regimento Interno diz que preciso votar e não desempatar. Tenho o direito a votar conforme quiser. Então, me abstenho.

 

13.

O resultado de empate fez com que, conforme decisão da Presidência da Câmara, a moção fosse arquivada.

 

Analiso.

Começo usando trecho da justificativa do próprio Alan Vieira no texto da moção:

– A busca por integridade não tem a ver com direita, esquerda, centro ou qualquer lugar do espectro político. Nem tampouco com moralismo. Tem a ver com civilização, progresso, humanismo.

Assim penso, vereador, como já tinha me manifestado no artigo A ladaia e a fake news no julgamento do STF; a cadeia moral, no qual, antes da decisão do STF, procurei desmentir a farsa de que 190 mil criminosos seriam soltos.

Por mais que alguns tentem colocar entre ‘Constituição’ e ‘Federal’ um ‘É Verdade Este Bilhete’, o artigo 283 do Código de Processo Penal, confirmado como ‘legal’ pelo Supremo na votação sobre prisão em segunda instância, repete o conteúdo do Inciso LVII do Artigo 5º, que é cláusula pétrea.

Socorro-me (e dou uma de Gabriela Hardt, com a diferença de que sou réu confesso) do, como debochou o patético Deltan Dallagnol, ‘jurista Reinaldo Azevedo' (jornalista que não é um ‘petralha’, mas o criador da expressão e autor de ‘O País dos Petralhas’, I e II).

O Parágrafo 4º do Artigo 60 da Constituição estabelece que:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais….

O Artigo 5º da Constituição, com seus 78 Incisos e quatro parágrafos, compõe o "Capítulo I" do "Titulo II" da Carta e tem um nome, estampado em caixa alta: "DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS".

O constituinte, portanto, gravou na própria Constituição os elementos que só podem ser abolidos por uma nova Carta. Emendas constitucionais podem acrescentar direitos ao referido artigo, mas nunca suprimi-los.

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é nada menos do que o Inciso LVII do Artigo 5º. E notem que é uma garantia individual que vem expressa na forma de uma vedação sem brechas.

Se tal inciso pode ser alterado, qual não pode? Se não é mais cláusula pétrea o que a Constituição diz ser, então o que será? Se o Inciso IV do Parágrafo 4º do Artigo 60 pode ser ignorado, por que as demais vedações não poderão um dia?

Em resumo, o trecho que estava em exame no STF, do Artigo 283 do Código de Processo Penal, define:

– Ninguém poderá ser preso senão (…) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado.

Obviamente, isso é compatível com a garantia individual, que é cláusula pétrea, do Inciso LVII do Artigo 5º:

– Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

É um incentivo a rasgar a Constituição.

Avança na pauta popular, de ‘prender bandidos’, e depois o caminho fica livre para tirar o direito que for, do rico, do remediado e, mais provável, do pobre.

Ao fim, Alan pode caçar-cliques nas redes sociais dizendo que é a favor da luta contra a corrupção, que ama Sérgio Moro e que, os adversários, no caso da Câmara, Dimas e Rosane, são defensores de bandidos, adeptos ao Lula Livre e contra o chefe da Vaza Jato. 

Mas, como tantos outros políticos, o próprio sabe que arrisca que esse mau humor das pessoas, que moções como essa alimentam contra a política, o legalismo e as garantias individuais, um dia pode se voltar contra ele próprio.

Ou alguém acha que, se Alan estivesse com uma corda no pescoço, alguém favorável ao ‘político bom é político morto’ não chutaria o banquinho?

 

Siga o debate a partir do minuto 53

 

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