Nem prova, nem convicção de PowerPoint.
É o que apontou o ministro relator Sérgio Banhos, ao manter a absolvição dos vereadores de Gravataí Bombeiro Batista, Dilamar Soares e Dimas Costa em decisão monocrática do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no julgamento do Recurso Especial Eleitoral 483-46.2016.6.21.0173, apresentado pelo Ministério Público, que poderia levar à cassação dos mandatos pela suposta inscrição de ‘candidatas laranja’ no preenchimento da cota feminina da coligação PSD-PRTB nas eleições de 2016.
O ministro manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de 2018, que, por 7 a 0, observando “falta de prova robusta de fraude” reformou a sentença da Justiça Eleitoral de Gravataí que no mesmo ano tinha condenado os três parlamentares a partir de denúncia feita pelo Ministério Público Eleitoral em 2017, como já tratei em Como foi o julgamento que absolveu Bombeiro, Dilamar e Dimas e nos links relacionados no artigo.
Com a confirmação da falta de provas, o ministro citou a Súmula 24, do próprio TSE, que não permite a análise de novas evidências nesta fase do processo. Era a tese sustentada pelos advogados Cláudio Ávila, de Dimas; e José Luis Blaszak, de Bombeiros e Dilamar.
Sempre alertei sobre a fragilidade das denúncias.
‘Desembargador Martinelli’, brincam amigos e leitores, com ironias para o bem e para o mal, quando faço análise sobre coisas da Justiça – o que convenhamos me parece cada vez mais pertinente, e necessária, em tempos nos quais o povo conhece melhor a escalação do Supremo do que a da ‘selecinha’.
Gravataí pós-gradua articulistas políticos com favorito de eleição pedindo música no Fantástico em impugnações, golpeachment contra prefeita e prefeito julgado pelo TRF4.
Mas, em 2 de fevereiro de 2017, no artigo O kafkiano caso da cassação por laranjas, publicado pelo Seguinte:, já alertava para a punição draconiana recomenda à época pela promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja, que tinha no currículo do ano anterior o pedido de impugnação de Daniel Bordignon – ação que também perdeu, registre-se, já que o ex-prefeito, com a vitória nas urnas homologada pelo TSE, só não assumiu pela eleição ter sido anulada sete horas depois com a suspensão de seus direitos políticos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Quando o processo dos três vereadores subiu para TSE, alertei para o imponderável, mas não deixei de opinar sobre as semelhanças com O Processo, de Kafka. Bombeiro, Dilamar e Dimas representam o Josef K., perguntando “inocente de quê?”. E, ouvindo os advogados e outros juristas, lembrei da tal Súmula 24, e de outros julgamentos análogos ao dos gravataienses, escrevi em Decisão do TSE em 2018 indica absolvição de vereadores de Gravataí; é ’O Processo’, de Kafka:
– Se a ministra Rosa Weber não mudar o voto, como fez em 2018 no julgamento de habeas corpus para Luiz Inácio Lula da Silva no Superior Tribunal Federal (STF) sobre a prisão de segunda instância, os três vereadores de Gravataí ameaçados de cassação já podem suspender o rivotril, que recomendei em Decisão do TSE sobre ’candidaturas laranjas’ ameaça 3 vereadores de Gravataí com cassação; é O Processo, de Kafka, artigo que detalha o caso no texto e em links relacionados.
O ministro Sérgio Banhos cita em seus votos a mesma jurisprudência.
O que dificulta um novo recurso do Ministério Público à absolvição.
Nunca o fiz por torcida ou secação. São os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos. Como não sou jornalista caça-cliques, que explora o mau humor do eleitor, não permito aos políticos apenas a presunção de culpa, aquela que parece valer apenas quando a laranja podre é do vizinho.
Sobre a fraude, o ministro-relator indica na sentença:
– Não passa de presunção.
Mais trechos:
– Com efeito, não há, nos autos, nenhuma prova contundente de que a candidatura de (…) foi forjada para enganar a justiça eleitoral (…) Assim, inviável a conclusão de que a sua candidatura foi "fictícia", visando burlar a lei.
– Desse modo, a conclusão em sentido diverso do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul implicaria nova incursão no contexto fático-probatório, encontrando óbice no verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral.
Sobre outra suposta ‘laranja’, que também pediu música no Fantástico, mas em número de mudanças no depoimento, o ministro vota:
– A situação posta leva à dúvida sobre qual dos depoimentos merece crédito. A única certeza que sobressai, da instrução processual, é que (…) mentiu, não havendo, no meu sentir, convicção sobre qual dos momentos teria ocorrido a falsidade. Ainda que a ratificação do segundo depoimento tenha ocorrido em juízo, sob o crivo do contraditório, não se pode esquecer que, sendo ouvida como parte – e não como testemunha – não foi advertida pela magistrada de que mentir em juízo é crime.
Ao estilo Gilmar Mendes, conclui a decisão:
– A meu ver, essa mudança de versão no mínimo fragiliza a credibilidade da depoente, gera dúvida e, é cediço, uma ação desta magnitude, com tão graves consequências, não pode ser decidida com base em única e duvidosa prova.
Mas, no trecho do voto que considero o mais contemporâneo em tempos de ‘Vaza Jato’ e polêmica sobre o projeto contra o abuso de autoridade, o ministro observa:
– Em última análise, tem-se, de um lado, a vontade de quase seis mil cidadãos gravataienses que se dirigiram às urnas e exerceram a soberania popular por meio do voto, como determina a Constituição Federal; de outro, uma prova controvertida, fragilizada pela mudança de rumo.
O pilar da denúncia é uma delação. Sem provas incontroversas.
Ao fim, por mais que correntes do Direito Criativo sustentem a necessidade de ouvir a vontade das ruas, e seu arendtiano punitivismo, o que considero um perigo, seja o lado da ferradura que estiver no poder ou como gerente da metafísica do momento, a pesquisa mais sagrada do que o Ibope é a das urnas.
A DECISÃO COMPLETA
Siga abaixo a decisão na íntegra, publicada pelo TSE. É bem fácil de ler, sem muito juridiquês, narra o processo do início ao fim e dá nomes.
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 483-46.2016.6.21.0173 – CLASSE 32 – GRAVATAÍ – RIO GRANDE DO SUL
Relator: Ministro Sérgio Banhos
Recorrente: Ministério Público Eleitoral
Recorridos: Dilamar de Souza e outro
Advogados: José Luis Blaszak – OAB: 107055/RS e outro
Recorrido: Dimas de Souza da Costa
Advogados: José Eduardo Rangel de Alckmin – OAB: 2977/DF e outros
Recorrido: João Batista Portella Pereira
Advogados: Nelcir Reimundo Tessaro – OAB: 22562/RS e outro
Recorridos: António Valdir dos Santos e outros
Advogado: Nelcir Reimundo Tessaro – OAB: 22562/RS
DECISÃO
O Ministério Público Eleitoral interpôs recurso especial (fls, 1.548-1.566) em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (fls. 1.530-1.542v) que, por unanimidade, negou provimento ao recurso do Parquet eleitoral e deu provimento aos recursos dos representados, para julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo, fundada em fraude quanto ao cumprimento dos percentuais de gênero exigidos no art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97.
O acórdão regional tem a seguinte ementa (fls. 1.530-1.530v):
RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADORES. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS 2016. CASSAÇÃO DOS MANDATOS. NULIDADE DOS VOTOS. PROCEDÊNCIA NO PRIMEJRO GRAU. PRELIMINARES AFASTADAS. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ILEGITIMIDADE PASSIVA. NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. COTAS DE GÉNERO. NÚMERO MÍNIMO DE VAGAS FEMININAS. ART. 10, § 3°, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE À LEI. ABUSO DE PODER. NÃO COMPROVADOS. REFORMA DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO DO M PE. PROVIMENTO DOS RECURSOS DOS CANDIDATOS.
1. Preliminares afastadas.
1.1. Inexistência de preclusão relacionada ao pedido de multa por litigância de má-fé. Enfrentamento do tema pelo magistrado de origem, que entendeu pela inaplicabilidade da sanção.
1.2. Ilegitimidade passiva não caracterizada. Todos os integrantes da coligação indicados no DRAP REspe n° 483-46.2016.6.21.0173/RS detêm legitimidade passiva para integrar o feito, independentemente de terem sido diplomados ou não.
1.3. Ausência de omissão, contradição ou qualquer circunstância apta a ensejar nulidade processual.
1.4. Demais questões arguidas examinadas com o mérito da demanda.
2. Recurso ministerial. Irresignação contra a sentença que desacolheu o pedido de litigância de má-fé. Alegada divulgação de informações do processo violando o segredo de justiça. Não vislumbrada a ação temerária do impugnado ao atribuir responsabilidade pela divulgação à promotora. Incabível a presunção da má-fé.
3. Recursos dos candidatos. Suposto lançamento de candidaturas fictícias do sexo feminino para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A ação de impugnação de mandato eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. A reserva de género prevista no art. 10, § 3°, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos a observância dos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo. Entretanto, a inexistência ou pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral, a desistência ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial. Conjunto probatório frágil, formado por depoimento contraditório, insuficiente para acarretar a séria consequência da cassação de mandatos obtidos por meio do voto popular. Prejudicada a análise do abuso de poder e da gravidade das circunstâncias.
4. Reforma da sentença. Negado provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral. Provimento dos demais recursos.
Em razões recursais, o Parque traduz, em suma, que:
a) o acórdão de origem violou os arts. 14, § 10, e 10, § 3°, da Lei 9.504/97, porquanto há provas robustas quanto à existência de fraude no registro de candidatura de Simone Silva dos Santos e de Cátia Berenice Vaiadas de Souza;
b) a votação nula, a ausência de atos de campanha, a realização de campanha para candidato da chapa majoritária e a inexistência de arrecadação de recursos e de gastos de campanha são fatos hábeis de comprovar a candidatura fictícia de Simone Silva dos Santos;
c) embora a Corte de origem tenha reconhecido a confissão de Cátia Berenice Vaiadas de Souza a respeito de que sua candidatura teria se dado apenas para o preenchimento de quota de gênero, valorou de forma negativa a referida prova, pois considerou que houve contradição no seu depoimento;
d) o Tribunal de origem divergiu do entendimento dos Tribunais Regionais Eleitorais de Rio de Janeiro e São Paulo, porquanto examinou os mesmos pressupostos fáticos e concluiu de forma diferente.
Requer o conhecimento e o provimento do recurso especial, a fim de reformar o acórdão regional, reconhecendo a configuração do art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97.
Foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial (fls. 1.596-1.617) por Dilamar de Souza Soares e João Batista Pires Martins.
A douta Procuradoria-Geral Eleitoral emitiu parecer (fls. 1.621-1.630), opinando pelo provimento do recurso especial eleitoral.
Dimas Souza da Costa apresentou contrarrazões ao recurso especial, às fls. 1.633-1.638, postulando o desprovimento do apelo, com a consequente manutenção do acórdão regional.
Por decisão de fls.1.645-1.646, o então relator, Ministro Admar Gonzaga, determinou o sobrestamento do feito até a conclusão do julgamento do REspe 193-92.
Em razão do término do biênio do Ministro Admar Gonzaga, os autos foram redistribuídos à minha relatoria.
A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou à f l. 1.650, comunicando do julgamento ocorrido nos autos do REspe 193-92 e pugnando pela preferência no julgamento do presente recurso especial.
É o relatório.
Decido.
O recurso especial é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado pessoalmente do acórdão recorrido em 7.3.2018 (f l. 1.546v), e o recurso especial foi interposto em 13.3.2018 (f l. 1.548), tempestivamente, conforme a certidão de f l. 1.586, em peça subscrita pelo Procurador Regional Eleitoral.
Na espécie, o Tribunal Regional Eleitoral gaúcho negou provimento ao recurso do Parquet eleitoral e deu provimento aos recursos dos representados, para julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo, fundada em fraude quanto ao cumprimento dos percentuais de gênero exigidos no art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97.
Nas suas razões recursais, o Parquet alega que o Tribunal de origem violou os arts. 14, § 10, e 10, § 3°, da Lei 9.504/97, porquanto há provas robustas quanto à existência de fraude no registro de candidatura de Simone Silva dos Santos e Cátia Berenice Vaiadas de Souza.
Aduz que a votação nula, a ausência de atos de campanha, a realização de campanha para candidato da chapa majoritária e a inexistência de arrecadação de recursos e de gastos de campanha são fatos hábeis de comprovar a candidatura fictícia de Simone Silva dos Santos.
A esse respeito, destaco os seguintes trechos do acórdão regional (fls. 1.537v-1.538v):
(…)
No caso concreto a situação que se apresenta é a seguinte:
Em relação à candidatura de SIMONE, a tese apresentada pela defesa, sustentada pela candidata quando ouvida em juízo, é que havia real interesse em se candidatar ao cargo de vereador, mas por falta de apoio e de tempo, uma vez que trabalhava como recepcionista em Porto Alegre, acabou desistindo da campanha, não tendo comunicado o presidente do partido por vergonha e por desconhecimento da legislação eleitoral.
A procedência da ação teve como fundamentos a aparente contradição entre a alegação de desistência da candidatura por falta de tempo e a realização de campanha para candidato da majoritária, admitida pela própria impugnada; a ausência de postagens na rede social Facebook, referente à sua candidatura; e a ausência de gastos e de qualquer propaganda eleitoral, aliados ao resultado das urnas, igual a zero votos.
Efetivamente, são indícios fortes de que SIMONE teria se candidatado apenas para ajudar a coligação a preencher os 30% de candidatas do sexo feminino e, assim, viabilizar o deferimento do registro dos candidatos homens.
Mas não passa de presunção.
Com efeito, não há, nos autos, nenhuma prova contundente de que a candidatura de SIMONE foi forjada para enganar a justiça eleitoral.
Isso não ameniza a responsabilidade do partido/coligação que deveria garantir que as candidaturas levadas a registro fossem, de fato, efetivas. Requerer um registro de candidatura e deixar o candidato "ao léu", sem qualquer acompanhamento, respaldo ou orientação é dar pouca importância ao cumprimento da lei.
Especificamente sobre a ausência ou baixo número de votos e de gastos eleitorais, é fato que se repete em candidatura dos dois gêneros, como é o caso do candidato Acivaldo Roger Pereira Ferreira, que concorreu pela mesma coligação Gravatai Melhor para se Viver, obtendo apenas um voto e não registrando gastos de campanha. (http://divulgacandcontas. tse.jus. br/divulga/#/municipios/2016/2/86835/candidatos).
Logicamente não é normal que um candidato tenha como resultado zero votos, ou seja, que nem sequer tenha votado em si próprio, que não realize gastos de campanha ou, pior, que nem tenha feito campanha eleitoral, mas no caso de SIMONE, a desistência, embora não formalizada, justificaria a situação.
Sobre a ausência de propaganda eleitoral no perfil de SIMONE na rede social Facebook, há uma certidão lavrada por assessora da promotoria eleitoral dando conta que, por ordem da Promotora de Justiça, realizou pesquisa na rede social Facebook e, tendo encontrado o perfil de Simone Silva dos Santos, verificou inexistir, em 07.12.2016, postagem alusiva à sua candidatura.
Tenho que tal situação, igualmente, não tem força suficiente para provar a alegada fraude, porque é incontroverso o fato de que SIMONE não fez campanha eleitoral. Tivesse ela dito que fez algum tipo de propaganda, esse seria um ponto relevante a ser confrontado, pois a propaganda na internet, nas modalidades autorizadas – obrigatoriamente gratuita -, não demanda muito tempo, tampouco recursos financeiros ou técnicos do candidato.
Mas não foi o que ocorreu. SIMONE, em todas as oportunidades que se manifestou, seja nos autos do procedimento preparatório, seja por ocasião da defesa, das alegações finais, do recurso, bem ainda, quando depôs em juízo, manteve firme a tese de que desistiu da candidatura logo no início da campanha eleitoral.
Sobre o fato de ter a candidata trabalhado em prol da campanha majoritária quando poderia ter feito campanha para si, fato que no entendimento da sentença seria contraditório, houve esclarecimento de SIMONE de que logo no início do processo eleitoral tentou fazer um trabalho porta a porta, mas percebeu que, sozinha, teria dificuldade. Afirmou que para a majoritária trabalhou só nas horas de folga, enquanto para ela própria necessitaria uma dedicação maior.
Destaco que o depoimento de SIMONE é firme e coeso acerca do seu interesse inicial em se candidatar, não havendo nos autos elementos aptos a derrubar a sua versão de que queria de fato,concorrer, mas veio a desistir da candidatura pelos motivos que alegou.
Assim, inviável a conclusão de que a sua candidatura foi "fictícia", visando burlar a lei.
Como se vê, a Corte de origem, soberana no exame de fatos e provas, entendeu que não foi comprovada a alegada fraude eleitoral no tocante à candidata Simone Silva dos Santos, em razão de não haver nos autos elementos capazes de macular a sua versão, no sentido de que desistiu da candidatura logo após o início da campanha eleitoral.
Desse modo, a conclusão em sentido diverso do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul implicaria nova incursão no contexto fático-probatório, encontrando óbice no verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral.
O agravante sustenta que, embora a Corte de origem tenha reconhecido a confissão de Cátia Berenice Vaiadas de Souza a respeito de que sua candidatura teria se dado apenas para o preenchimento de quota de gênero, valorou de forma negativa a referida prova, pois considerou que houve contradição no seu depoimento.
Ao examinar a questão, a Corte Regional assentou o seguinte (f Is. 1.539-1.542):
(…)
Já em relação à candidata CÁTIA a situação é mais complexa.
Vejamos.
Ao ser ouvida nos autos do Procedimento Preparatório que instrui a presente ação, disse que resolveu concorrer porque estava filiada ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro — PRTB há um ano, à época. Que recebeu, "do partido do Dr Levi, PSD", santinhos e adesivos com o seu número e chegou a fazer campanha panfletando aos amigos e vizinhos.
Afirmou que teria feito campanha por pouco tempo, depois teria desistido para apoiar a irmã, ROSANE BITENCOURT VALADAS, que também foi candidata ao cargo de vereador (não eleita), pelo mesmo partido, mas não informou à Justiça Eleitoral sobre a desistência porque não sabia ser necessidade essa providência; que ligou para avisar o presidente do partido acerca da desistência, mas que a ligação estava ruim, "então disse para ele que iria ajudar a Rosane", tendo passado, então, a pedir votos para a irmã; informou que entregou os documentos necessários ao presidente do partido, o qual se encarregou de apresentar a sua prestação de contas à Justiça Eleitoral ff/s. 326/327).
Depois, quando já havia nos autos defesa formulada em seu nome, em conjunto com outros investigados, CÁTIA compareceu à sede da Promotoria, desacompanhada do seu advogado, e mudou a versão anteriormente apresentada, dizendo que conheceu o Sr. Ariovaldo na casa da sua irmã; que não sabia ao certo o nome do partido, mas sabia que estava coligado com o partido do Dr. Levi, PSD; que no primeiro depoimento "decorou" a sigla do partido antes de comparecer ao Ministério Público.
Afirmou ter recebido convite de ARIOVALDO para concorrer à vereança, mas que teria recusado porque tinha uma filha pequena (dez meses, à época do depoimento) e não teria como fazer campanha; que houve insistências posteriores, mas que sempre recusava o convite.
Que mais próximo das eleições foi procurada novamente pelo Sr. Ariovaldo, o qual teria prometido, caso ela se candidatasse, ajuda para tratamento do filho que tem déficit de atenção, o que incluiria um exame de ressonância magnética, cujo custo era de R$ 5.000,00; que ele teria dito que precisava completar o número de candidatas mulheres em face de uma desistência; que com a candidatura seria abraçada por toda a comunidade, receberia ajuda, como creche e alimentos para seus filhos; que não deveria pedir cestas básicas, e sim "coisas grandes".
Que então teria aceitado que seu nome fosse utilizado pelo partido como candidata, mas teria deixado claro que não faria campanha eleitoral; que um dia depois das eleições foi procurada em casa pelo ARIOVALDO para que assinasse um pedido de desfiliação, o qual não assinou; que ARIOVALDO teria dito que havia dado problema porque ela não recebeu nenhum voto e que poderia ser presa e ter que pagar uma multa de mais de R$ 5.000,00 e que a solução seria ela mentir que desistiu da candidatura para apoiar a sua irmã.
Na sequência, relatou ter sido orientada pela secretária do partido, Gisele, a manter essa versão inclusive para um advogado que iria procurá-la na sua casa. Tal advogado, no dia do seu primeiro depoimento, teria apresentado à depoente o colega que o assistiu, isso num encontro previamente marcado na lancheria que fica ao lado da sede da promotoria, ocasião em que "combinaram que a depoente manteria a história falsa de que havia desistido de concorrer para auxiliar a irmã"; que o advogado a acompanhara até a Escola Barbosa, ocasião em que "ameaçou dizendo que Seu Ariovaldo tinha as costas quentes, que todos tinham as costas quentes, que era para cuidar o que falava e que cuidasse da sua família, que era um conselho que lhe dava".
Consta no depoimento, ainda, que a mudança de versão teria sido motivada por medo.
Em juízo, ratificou o segundo depoimento. Perguntada sobre material de campanha, disse que recebeu o material de ARIOVALDO, o qual teria ido acompanhado da esposa à sua casa para fazer a entrega.
Disse também que, no início, teria entendido a fala do ter sido uma ajuda, em forma de aviso para que se cuidasse. Ainda, sobre o encontro com os advogados, na lancheria, momentos antes de prestar o primeiro depoimento ao Ministério Público, disse: "não tenho certeza se eles sabiam ou não do que eu ia falar, até porque isso foi falado na minha casa, não na lancheria".
Reiterou que naquele dia (da audiência), pensando bem, achava que nenhum dos advogados que estava presente no encontro na lancheria sabia da história que contaria. Que a Gisele, secretária de ARIOVALDO, teria dito "a história vai ser essa"; "daí ele chegou e eu contei a história… e ele acreditou".
Fiz questão de mencionar detalhes dos três depoimentos prestados pela demandada CÁTIA – o primeiro, quando foi chamada à sede da Promotoria; o segundo, quando compareceu espontaneamente para mudar a versão anterior; e o terceiro, em juízo – porque, sem dúvida, a chamada confissão foi elemento essencial para o juízo de procedência da ação.
A situação é um tanto peculiar.
Tem-se, de um lado, um depoimento inicial, prestado ainda em sede de instrução do Procedimento Preparatório. De outro, depoimento em sentido oposto, prestado em momento posterior ao ajuizamento da ação, quando já tinha constituído advogado, apresentou-se à Promotoria e prestou novo depoimento, em direção oposta ao primeiro.
Em juízo, respondendo às perguntas que lhe foram feitas, manteve a segunda versão, mas com uma contradição em relação ao conhecimento, ou não, pelos advogados que a encontraram na lancheria sobre a "história" que seria contada: no segundo depoimento, disse que combinaram – ela e os advogados – que sustentaria a história falsa de que teria desistido da candidatura para ajudar a irmã. Em juízo, afirmou mais de uma vez que achava que eles não sabiam da história falsa, a qual teria surgido por orientação de Gisele.
A situação posta leva à dúvida sobre qual dos depoimentos merece crédito. A única certeza que sobressai, da instrução processual, é que CÁTIA mentiu, não havendo, no meu sentir, convicção sobre qual dos momentos teria ocorrido a falsidade. Ainda que a ratificação do segundo depoimento tenha ocorrido em juízo, sob o crivo do contraditório, não se pode esquecer que, sendo ouvida como parte – e não como testemunha – não foi advertida pela magistrada de que mentir em juízo é crime.
A meu ver, essa mudança de versão no mínimo fragiliza a credibilidade da depoente, gera dúvida e, é cediço, uma ação desta magnitude, com tão graves consequências, não pode ser decidida com base em única e duvidosa prova.
Os candidatos eleitos e diplomados são: Dimas Souza da Costa (o segundo mais votado em Gravataí), com 2.880 votos; Dilamar de Souza Soares, com 1.597 votos e João Batista Pires Martins, com 1.314 votos. Juntos, obtiveram 5.791 votos.
Em última análise, tem-se, de um lado, a vontade de quase seis mil cidadãos gravataienses que se dirigiram às urnas e exerceram a soberania popular por meio do voto, como determina a Constituição Federal; de outro, uma prova controvertida, fragilizada pela mudança de rumo.
Analisei atentamente o caderno probatório e não vislumbrei prova segura que corroborasse a última versão de CÁTIA.
Não se está, em hipótese alguma, negando o valor probatório de depoimento da parte ou de inquirição de testemunha, mas para acarretar tão séria consequência – cassação de mandatos obtidos por meio do voto popular – seria necessário que ao menos se tratasse de depoimento firme e seguro, contundente quanto aos fatos narrados, que não deixasse margem para dúvidas. Aquele que, de plano, convencesse o julgador. Ocorre que não estou convencido.
Efetivamente, formei convicção de que a dita "confissão" é no mínimo tumultuada, estranha, desprovida de força probatória para fundamentar a procedência da AIME e, em consequência, acarretar a declaração de nulidade de todos os votos recebidos pela coligação.
Esse entendimento coaduna-se com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se extrai da seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÓMICO E POLÍTICO. PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. RELATÓRIO DE AUDITORIA. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. NATUREZA INDICIARIA. RECURSO PROVIDO.
1. Na dicção do art. 128 do Código de Processo Civil, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Desse modo, é vedado ao magistrado decidir com base em fatos não constantes da petição inicial.
2. A cassação do mandato em sede de ação de impugnação de mandato exige a presença de prova robusta, consistente e inequívoca, o que não ocorreu nos presentes autos. Precedentes.
3. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo.
(Recurso Especial Eleitoral n. 428765026, Acórdão, Relator Min. José António Dias Toffoli, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 46, Data 10.3.2014, Páginas 93/94.)
Ademais, CÁTIA recebeu material de campanha da coligação. Primeiro, disse que distribuiu aos amigos e vizinhos. Depois, em audiência, afirmou que o presidente do PRTB, Sr. Ariovaldo, foi pessoalmente entregar adesivos e santinhos na sua casa, mas que não chegou a distribuí-los.
A prestação de contas da candidata, por sua vez, apresentou movimentação de R$ 798,85, na modalidade "recursos estimáveis em dinheiro", recebidos de outro candidato. O próprio MPE, em contrarrazões, reconhece a arrecadação e realização de despesas por parte de CÁTIA, mas argumenta que tal quantia seria insignificante para um candidato em campanha eleitoral.
Contudo, a experiência no julgamento de recursos em autos de prestação de contas de campanha, especialmente de vereadores, mostra que a quantia não è tão inexpressiva, sobretudo considerando-se a desistência tácita da candidatura.
Acrescento que foram ouvidos os investigados Dimas Souza da Costa, João Batista Pires Martins, Regis Fonseca Alves, João Batista Portella Pereira, Vail Carlos Corrêa, Simone Silva dos Santos, Cátia Berenica Vaiadas de Souza, Dilamar de Souza Soares (fIs. 727-730) e Ariovaldo José Mendes de Almeida (fls. 805-806), e inquiridas as testemunhas Aline Nagera (fls. 805-806), José Paulo Dorneles Cairoli (fls. 868-869) e Luís António Behrensdorf Gomes da Silva (fls. 1115-1117).
Os impugnados que foram candidatos declararam nada saber sobre a ocorrência de ilícito no preenchimento de quota de gênero e afirmaram que cada um cuida da sua candidatura.
Dimas, diplomado, disse que chegou a receber pedidos de militantes que queriam se lançar candidatos, mas a nominata já estava completa; João Batista afirmou não ter recebido apoio do partido; Régis disse ser normal alguns candidatos receberem mais materiais de campanha; Vail disse que os materiais disponibilizados pelos partidos são insuficientes. Dilamar relatou que a orientação do Ministério Público quanto à cota de gênero foi lida em convenção. João Batista Portella Pereira, presidente do PSD, disse que a nominata de candidatos foi construída ao longo do período eleitoral, que os materiais eram a eles disponibilizados, mas nem todos retiravam.
Paulo, ouvido por precatória, não compromissado, teceu comentários acerca da formação da lista de candidatos e relatou que o atendimento da reserva de gênero fica a cargo da direção executiva de cada partido, bem ainda ser comum no início da candidatura haver promessa de suporte financeiro, a qual, quando não cumprida, leva o candidato a dizer que não vai mais fazer campanha.
O depoimento de Aline não guarda pertinência com o objeto dos presentes autos.
Ariovaldo, presidente do PRTB, disse ter feito a filiação de Cátia, quando ainda era secretário do partido e, depois, na condição de presidente, o seu registro de candidatura. Que o partido confeccionou material de campanha para a candidata a partir das informações por ela prestadas, tanto que teve uma reclamação da Pastoral, pois foi divulgado no material publicitário que ela fazia parte da entidade, quando na verdade era só beneficiária.
A rigor, pode-se dizer que nenhum dos ouvidos acrescentou alguma informação contundente, capaz de fundamentar um juízo tanto de condenação quanto de improcedência da ação.
Nesse cenário, concluo que a alegada fraude nos registros de candidatura apresentados pela Coligação "Gravataí Melhor para se Viver" não restou devidamente provada. Existem, de fato, indícios da sua existência, mas, como dito, não se pode, com base em presunção, levar a efeito a cassação de mandatos obtidos nas urnas, pena de fragilizar o próprio processo eleitoral.
Assim, tenho por razoável, desacolhendo a tese de candidatura fictícia, dar provimento aos recursos, ao efeito de JULGAR IMPROCEDENTE a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo promovida pelo Ministério Público Eleitoral de Gravataí, mantendo hígidos os mandatos obtidos pela Coligação "Gravataí Melhor Para se Viver".
Em consequência, prejudicada a análise da alegação recursal quanto ao abuso de poder e gravidade das circunstâncias, a qual estaria atrelada à procedência da ação.
O Tribunal de origem consignou que a alteração do depoimento da candidata "no mínimo fragiliza a credibilidade da depoente, gera dúvida e, é cediço, uma ação desta magnitude, com tão graves consequências, não pode ser decidida com base em única e duvidosa prova" (fl. 1 .540v).
Asseverou, ainda, que "a dita 'confissão' é no mínimo tumultuada, estranha, desprovida de força probatória para fundamentar a procedência da AIME e, em consequência, acarretar a declaração de nulidade de todos os votos recebidos pela coligação" (f l. 1 .541).
A revisão desse entendimento, inclusive no que diz respeito à suposta contradição da prova testemunhal, demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária, a teor do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral.
Como se percebe, a Corte Regional Eleitoral se manifestou, de forma fundamentada, a respeito dos aspectos fáticos suscitados pelo recorrente, ainda que em desabono da tese de ocorrência de fraude. Entendeu, em suma, que "existem, de fato, indícios da sua existência, mas, como dito, não se pode, com base em presunção, levar a efeito a cassação de mandatos obtidos nas urnas, pena de fragilizar o próprio processo eleitoral" (f l. 1 .542).
A partir dessa moldura fática, ressalto que o entendimento da Corte de origem está de acordo com a orientação firmada no REspe 193-92, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, recentemente julgado por esta Corte, oportunidade em que se assentou que a votação irrisória e a semelhança da prestação de contas são circunstâncias apenas indiciarias, de modo que o reconhecimento do ilícito demandaria a existência de outras circunstâncias aptas a corroborar a existência da fraude. Cito, a esse propósito, trecho do voto proferido pelo Ministro Jorge Mussi:
(…)
2.3. Fraude em Cinco Candidaturas Femininas
Há prova robusta a evidenciar a burla quanto às candidaturas de Maria Neide da Silva Rosa e Ivaltânia Vieira Nogueira Pereira da Silva (Coligação Compromisso com Valença l) e, ainda, de Magally da Silva Costa, Maria Eugenia de Sousa Martins e Geórgia Lima Verde Brito (Coligação Compromisso com Valença II).
O primeiro aspecto que levou o TRE/PI a concluir pela fraude é comum a todas as candidaturas ilícitas e diz respeito às contas de campanha.
De acordo com a Corte Regional, a extrema semelhança dos registros de campanha – tipos de despesa, valores, data de emissão das notas fiscais e, inclusive, a sequência numérica destas – denota claros indícios de maquiagem contábil, nos seguintes termos (fl. 995):
No caso em tela, a despeito da apresentação das suas prestações de contas à Justiça Eleitoral, a análise conjunta dos documentos de fls. 414/709 evidencia alguns aspectos que, no mínimo, apontam indícios de tentar burlar o disposto no art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97.
Essa constatação é indiscutível levando em conta a semelhança dos registros lançados, quais sejam: uma única compra de combustível e pagamento de serviços jurídico e contábil, utilizando-se de recursos financeiros próprios; todos os registros de bens estimáveis refere-se à cessão de uma moto e serviços de motorista, a exceção de Maria Neide da Silva Rosa, que registrou a cessão de seu próprio automóvel.
Todos os abastecimentos foram feitos no mesmo estabelecimento (José Maria de Sousa CIA LTDA), em valores não muito divergentes (R$ 100,00; R$ 93,00; R$ 90,00; R$ 200 e R$ 90,00). As emissões das notas fiscais foram realizadas apenas nos dias 30/09 e 01/10, com uma sequência numérica adjacente (5.914; 5.915; 5.917; 5.924 e 5.927).
Esses fatos, como já manifestei, representam claros indícios de que houve uma tentativa de demonstrar a regularidade da campanha eleitoral através de uma prestação de contas de campanha. Entendo, contudo, com base apenas nessas circunstâncias gerais, que não se pode concluir pela existência de fraude apta a revelar a certeza de que as candidaturas de Magally da Costa, Ivaltânia Vieira, Geórgia Lima Verde, Maria Eugenia e Maria Neide foram registradas com único propósito de preencher a cota de género destinada ao sexo feminino, sem atendimento aos verdadeiros desígnios da norma eleitoral de promover inserção das mulheres no cenário político-partidário.
Acolher a alegação dos recorrentes de que as semelhanças nas movimentações financeiras decorreriam de greve bancária à época demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.
As circunstâncias acima, que isoladamente seriam em princípio apenas indiciarias, foram corroboradas por diversos outros elementos específicos das cinco candidatas.
Quanto a Ivaltânia Vieira Nogueira Pereira da Silva (Compromisso com Valença I), chama a atenção o insólito fato de que seu filho – e também recorrente – Leonardo Nogueira Pereira concorreu exatamente ao mesmo cargo pela mesma coligação, obtendo 827 votos contra apenas um de sua genitora, sem qualquer notícia de eventual animosidade familiar ou política que justificasse a disputa de ambos nesse quadro, em que um poderia usurpar votos do outro.
Além disso, é indene de dúvida a ausência de propaganda pela recorrente, que não apenas não realizou despesas com material de publicidade, como também, de modo em absoluto contraditório por parte de quem almeja cargo eletivo, trabalhou para a candidatura do filho em detrimento da sua. Confira-se trecho do aresto regional (fl. 996v):
A referida candidata obteve apenas 01 voto. O que chama a atenção no caso específico é a circunstância de que o seu filho também foi candidato e disputou o mesmo cargo e pelo mesmo partido.
Não parece ser razoável que em uma cidade do porte de Valença possa ter dois familiares próximos, mãe e filho, disputando o mesmo cargo. Isso fica mais evidente com a discrepância de votos obtidos entres os dois familiares: enquanto ela obteve 01 voto o seu filho alcançou 827 (oitocentos e vinte e sete).
É bem verdade, embora seja exceção, que em determinadas cidades do interior existem algumas divergências políticas e pessoais entre familiares, o que leva a ocorrer cisão política, mas, no caso específico, nada foi demonstrado nesse sentido, ao contrário, a sentença recorrida chega a afirmar que a mãe trabalhou para a candidatura do filho, fl. 823.
De outro lado, a prestação de contas trazida por Ivaltânia deixa patente ainda inexistência de publicidade de sua candidatura, pois não contém despesas com material de propaganda para fins de divulgação de sua pretensão política.
Essas peculiaridades, somadas as circunstâncias gerais apresentadas no item anterior, levam-me a concluir que a candidatura de Ivaltânia Nogueira ocorreu unicamente para o cumprimento da cota de género. Dessa forma, entendo que deve ser mantida a sentença recorrida nesse ponto.
Constata-se situação quase idêntica no que toca a Maria Eugenia de Sousa Martins (apenas um voto) e seu esposo António Gomes da Rocha (54 votos), pois ambos disputaram o pleito proporcional pela Coligação Compromisso por Valença II, sem notícia de qualquer animosidade pessoal ou política entre eles, e com a recorrente fazendo propaganda da candidatura de seu marido na rede social facebook (fl. 997-997v):
Essa candidata foi contemplada com apenas 1 (um) voto e o que se destaca é o fato de que concorreu pelo mesmo partido e ao mesmo cargo com o seu esposo, António Gomes da Rocha ("Professor Toinho"), candidato que contou com 54 (cinquenta e quatro) votos, conforme registros oficiais contidos no banco de dados do TSE.
Conforme exaltei ao analisar à candidatura de Ivaltânia Vieira, existe possibilidade, embora remota, de pessoas pertencentes ao mesmo núcleo familiar (nesse caso, cônjuges) serem candidatos a um mesmo cargo, sobretudo diante de divergências políticas locais.
No caso, entretanto, trata-se de marido e mulher, onde não é demonstrada qualquer desarmonia pessoal ou política a justificar tal estratégia eleitoral. Tal fato fica mais evidente quando a candidata Maria Eugenia permitiu a utilização do seu facebook para promover a candidatura de seu esposo, com a divulgação de fotos e do número deste último. Ademais, mencionou o número daquele candidato no facebook de Patrícia Martins, sem fazer qualquer alusão à sua própria candidatura (documento de fls. 41/42).
A candidata valeu-se ainda da mesma estratégia de defesa adotada pelas demais, ou seja, atribuiu à crise financeira o fato de não ter tido uma campanha incisiva, ao tempo em que apresentou termos cessão de bens e de serviços estimados, comprovante de pagamento de serviços jurídicos e contábeis, além de nota fiscal de um único abastecimento de combustível, diga-se de passagem, com valores idênticos àqueles contabilizados nas demais prestações de contas acostadas aos presentes autos.
Não restam dúvidas de que somente o Sr. António Gomes era, efetivamente, candidato ao cargo de vereador nas eleições 2016, ao passo que o registro de sua esposa objetivava apenas cumprir as formalidades exigidas pela norma, sem intenção de projetá-la nas discussões político-partidárias locais.
No tocante a Maria Neide da Silva Rosa (Compromisso com Valença I), salta aos olhos sua completa indiferença com a candidatura na medida em que sequer compareceu às urnas na data do pleito e tampouco apresentou justificativa para tanto.
Some-se a isso que, nos mesmos termos de outras candidatas impugnadas, as despesas constantes do ajuste contábil de campanha são extremamente semelhantes e, ademais, não há qualquer notícia de gastos com propaganda. Extrai-se, mais uma vez, do acórdão do TRE/PI (fl. 997):
Em relação à citada candidata, a indiferença em relação à sua própria eleição ficou evidente quando sequer compareceu às urnas para votar. No dia do pleito encontrava-se em outra cidade, conforme certidão e documentos de fls. 410/412. Sobre tal fato, a mencionada candidata em nenhum momento justificou sua ausência nos presentes autos. Como bem destacou a sentença recorridaf,] "a candidata nem se manifestou sobre tal informação (certidão de fl. 410), pois não apresentou alegações finais, mas acredito que tal fato é realmente inexplicável".
Interessante destacar que a referida candidata foi notificada para fornecer elementos da existência de campanha a seu favor. Utilizando-se dos mesmos meios de provas trazidos pelas demais candidatas suspeitas, restringiu-se a apresentar registros de pagamento de despesas com recursos financeiros próprios e de doação de veículo de sua propriedade, com dados semelhantes às demais prestações de contas constantes dos autos (documentos de f Is. 166/170).
Os fatos descritos acima, associados as circunstâncias gerais relativas às prestações de contas dos demais candidatos investigados, torna evidente a transgressão ao instituto das cotas de género quando do registro da candidatura, razão porque entendo que também deve ser mantida a sentença nesse ponto.
Quanto a Magally da Silva Costa (Compromisso com Valença II), o cenário é ainda mais incomum do que no caso anterior, pois compareceu às urnas e, ainda assim, não obteve nenhum voto.
Além disso, è notória a contradição da tese da recorrente de que teve a campanha prejudicada por problemas médicos durante o período eleitoral.
Com efeito, a recorrente não apenas deixou de requerer sua substituição – o que era plenamente possível considerando que a intercorrência surgiu logo no início do período eleitoral – como também declarou em suas contas gastos posteriores à enfermidade que lhe acometeu, inclusive com recursos próprios. Traga-se à baila o acórdão do TRE/PI (fls. 996-996v):
A candidata Magally da Silva Costa, segundo comprova a folha de votação de fls. 411/412, compareceu às urnas no dia do pleito, mas, de forma inusitada, não obteve nenhum voto, em outras palavras, nem mesmo a referida candidata votou em si.
Sobre o fato narrado aduz que sua campanha foi inviabilizada por problemas de saúde ocorridos durante o período eleitoral, quando foi acometida por anemia falciforme, moléstia que colocou em risco sua gravidez, e, ainda, por suas limitações econômicas que a impediu de realizar maiores despesas com propaganda eleitoral.
Analisando os documentos de fls. 717/722, verifico que a candidata em apreço foi submetida a regime de internação hospitalar nos dias 22 e 23 de agosto de 2016, ou seja, logo após a data limite para o registro de sua candidatura (15 de agosto de 2016). No entanto, causa estranheza o fato de que, mesmo diante de tais infortúnios, a referida candidata não solicitou a sua substituição.
Ao contrário, as provas colacionadas aos autos demonstraram a clara contradição com sua tese de defesa. Consta dos autos que não realizou nenhum ato que indicasse a desistência da candidatura ou seu desinteresse motivado por problemas de saúde, pois a mesma, pelo menos formalmente, teria utilizado serviços estimáveis (motorista e outros) em relação ao transporte cedido e, ainda, aplicado recurso financeiros próprios, conforme verifica-se na prestação de contas de fls. 643/710, mesmo após a alegada enfermidade.
Os contratos de cessão de uso de veículo e os correspondentes serviços gratuitos de motorista tem por termo final o dia anterior ao pleito. Frise-se que o contrato de prestação de serviços gerais em prol de sua campanha, também a título gratuito (fl. 681), foi firmado por Magally no dia 03 de setembro de 2016, com vigência até do dia do pleito (02 de outubro daquele ano).
Se efetivamente o seu problema de saúde fosse fato que estivesse provocado o seu desinteresse ou impossibilidade de continuar sua suposta campanha, não seria crível imaginar que a mesma continuasse a realizar despesas até o dia próximo ao pleito.
Ao meu sentir, o fato de não votar em si, aliado às circunstâncias fáticas que contrariam sua tese de defesa, deixam claro que Magally Costa associou-se à Coligação "COMPROMISSO COM VALENÇA II" tão somente para cumprir a cota de género, utilizando-se do processo de prestação de contas como artifício para fins de tentar esquivar-se de tal fato, razão pela qual entendo que deve ser mantida a cassação do seu registro.
Por fim, também se verifica a burla em relação a Geórgia Lima Verde Brito (Compromisso com Valença II), a despeito da divergência surgida no particular no âmbito do TRÉ/PI.
Com efeito, além dos aspectos contábeis e de a recorrente ter obtido apenas dois votos, a moldura do voto vencedor no ponto demonstra que ela é reincidente na prática de se candidatar a cargo eletivo apenas para preencher a cota de género e, assim, obter licença remunerada do serviço público no período de campanha. Confira-se (fls. 1.003v-1.004):
Sr. Presidente, ouvi atentamente o voto do eminente Relator, entretanto meu voto é pela manutenção in totum do pronunciamento do juízo a quo, inclusive em relação à candidata Geórgia Lima Verde Brito, cuja abordagem ocorreu no trecho da sentença descrita abaixo:
"A candidata Geórgia apresentou em sua prestação de contas números semelhantes aos de sua colega Maga//.
Surpreendentemente, ela havia realizado um depósito, em sua conta, no valor de R$ 100,00, em 05 de setembro de 2016, e de R$ 653,00, incrivelmente, também em 26 de outubro de 2016, após o ajuízamento desta investigação e na data em que apresentou a primeira manifestação nos autos (fls. 132/137).
A destacada candidata é servidora efetiva da Prefeitura Municipal, auxiliar administrativo da Secretaria Municipal de Finanças, e já é conhecida por sempre se candidatar ao cargo de vereador com o propósito de preencher a cota mínima legal, tendo como recompensa a licença de afastamento para fins de campanha eleitoral, o que merece até análise do órgão ministerial no que tange a improbidade administrativa e outros delitos (…)."
Acrescente-se que, ao contrário do que assentado nos votos vencidos quanto a este ponto específico, não se está aqui consignando a possibilidade de a Justiça Eleitoral apurar infrações administrativas de servidores públicos de outras esferas, mas apenas se examinando se a conduta possuiu intuito eleitoreiro, o que se provou de forma cabal.
Concluir em sentido diverso – em relação à fraude perpetrada quanto às cinco candidaturas femininas — esbarraria, mais uma vez, no óbice da Súmula 24/TSE.
A gravidade dos fatos – pressuposto do art. 22, XVI, da LC 64/90 – é incontroversa tanto pelas circunstâncias acima, explorando-se mulheres com o objetivo de burlar regras constitucionais e legais que visam estabelecer a plena isonomia de género, como pela repercussão da conduta na legitimidade da disputa.
Com efeito, embora, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, aspectos quantitativos – a exemplo do número de votos potencialmente obtidos com a prática – não se afigurem decisivos para que se caracterize o ilícito, trata-se de fator que pode ser aquilatado no exame de cada caso concreto.
Na espécie, o registro de duas e três candidaturas femininas fraudulentas em cada coligação permitiu número maior de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, foi contabilizada em favor das respectivas alianças, culminando, ao fim, em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então eleger mais candidatos aos cargos de vereador.
No ponto, ressalte-se que, de acordo com o art. 1 75, §§ 3° e 4°, do Código Eleitoral, a negativa dos registros de candidatura somente após a data do pleito, como ocorreu na espécie, implica no aproveitamento dos votos em favor das coligações, evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.
Em conclusão, caracteriza fraude, para fins eleitorais, a burla à quota mínima de género de 30% de candidaturas (art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97), em verdadeira afronta ao princípio da isonomia (art. 5°, l, da CF/88) e, ainda, aos esforços envidados pelo legislador, pela Justiça e pela sociedade para eliminar toda e qualquer conduta que, direta ou indiretamente, diminua ou exclua o relevante e imprescindível papel das mulheres no cotidiano pessoal, profissional e político do país.
Essa compreensão foi posteriormente reafirmada, conforme os seguintes feitos, todos julgados na sessão do dia 3.10.2019:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). FRAUDE. ART. 14, § 10, DA CF/88, COTA DE GÉNERO. ART. 10, § 3°, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 24/TSE. DESPROVIMENTO.
1. Na decisão monocrática, manteve-se aresto unânime do TRE/MG de improcedência dos pedidos em Ação de Impugnação de Mandato Eietivo (AIME) ajuizada com supedaneo em suposta fraude em candidaturas femininas proporcionais de duas coligações no Município de Pedra Dourada nas Eleições 2016.
2. A prova da fraude à cota de género (art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97) deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias f áticas do caso (REspe 193-92/PI, de minha relatoria, sessão de 17/9/2019).
3. Na espécie, não há prova de cometimento do ilícito. Segundo o TRE/MG, "o fato de não terem obtido número de votos expressivo no pleito, não demonstra, por si só, a ocorrência de fraude no registro de candidaturas, sobretudo porque não há nos autos nenhuma comprova&a