Bombeiro Batista (Republicanos) atirou em Lula, acertou Bolsonaro e vai ter que agasalhar decisão do governo Eduardo Leite (PSDB) contra censura.
O vereador de Gravataí associou-se à extrema direita na sugestão de censura ao livro antirracista “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, vencedor da categoria de melhor romance no Prêmio Jabuti em 2021, principal reconhecimento literário brasileiro.
Em postagem em suas redes sociais Bombeiro uniu-se a outros políticos na viralização de vídeo gravado pela diretora da Escola Estadual Ernesto Alves, Janaina Venzon, de Santa Cruz, considerando “imprópria” a linguagem da obra por usar “palavras de baixo calão” e descrever cenas eróticas.
– Governo federal, por favor, deixe as escolas cuidarem dos seus estudantes, onde os valores, o respeito, a conduta, os bons costumes e a ética prevaleçam. E vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse? – diz a professora que, conforme informado pelo Ministério da Educação e pela Companhia das Letras, responsável pela publicação no Brasil, como diretora escolheu o livro em um catálogo previsto no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) desde 2019.
– É um total desrespeito com nossas famílias e crianças – concorda o vereador bolsonarista no post que você acessa clicando aqui, sobre o livro que é destinado a estudantes a partir do Ensino Médio.
Neste domingo, a Secretaria Estadual da Educação (Sedac) emitiu nota afirmando que a obra será usada nas escolas estaduais e desautorizando orientação do responsável pela 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (CRE) Luiz Ricardo Pinho de Moura para que o livro não fosse distribuído nas bibliotecas e nem aos alunos do ensino médio.
A Secretaria da Educação afirmou não ter orientado que a obra, integrante do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino.
“O uso de qualquer livro do PNLD deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores. A 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários”, diz a nota.
O Ministério da Educação (MEC) também soltou nota dizendo que “a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir de um Guia Digital onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores” e “diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo, como se o Ministério da Educação enviasse os livros a despeito de qualquer manifestação dos educadores pelo envio dos livros, os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”.
Vamos a análise.
O deputado estadual Matheus Gomes – que leu O Avesso da Pele – faz uma defesa da obra, que considero definitiva não só pelo seu lugar de fala como negro, em tuíte onde lembra fake news sobre o “kit gay” e da “mamadeira de piroca”.
Trazendo a polêmica para Gravataí por meio da personagem da aldeia, desconfio Bombeiro associou-se à pauta da extrema direita mais por saudade de cliques do que outra coisa.
Desde que passou a ocupar cargos no governo Luiz Zaffalon (PSDB), o vereador não postou mais as denúncias que fazia, principalmente nas UPAs, que rendiam curtidas e seguidores no Grande Tribunal das Redes Sociais.
Porém, o tiro, obviamente no governo Lula, acabou acertando no governo de seu mito Bolsonaro, que autorizou tecnicamente em 2019 a distribuição do livro, que agora Leite – governador do partido de Zaffa – corretamente não vai permitir que seja censurado.
Fiz contato no sábado com Marilza Pacheco Ramos, responsável pela 28ª Coordenadoria Regional de Educação, mas até o fechamento do artigo neste domingo, não tive resposta sobre quantas escolas de Gravataí já solicitaram o livro.
Sobre o mérito da polêmica, reputo esse baixo calão político – de uma extrema direita hoje restrita a pautas de costumes (sexualidade, aborto, drogas e etc) e zero economia – busca nos impor uma linguagem da hipocrisia.
Nos trechos mais coloquiais do livro, não identifico nada diferente da linguagem usada por adolescentes. O trecho de “baixo calão” referido pela diretora é usado justamente para desvelar preconceitos.
Pergunte agora para seu filho ou filha adolescente se nunca ouviu a ‘piada’ sobre o negro ter “pau grande”. No livro, a personagem que namora um negro é questionada por amigas sobre. E isso é uma simulação do racismo estrutural.
Inegável é, também, que passagens consideradas eróticas estão em clássicos da literatura brasileira e mundial consumidos por décadas nas escolas.
A sexualidade faz parte da adolescência, queiram ou não os mais conservadores.
Lendo comentários em postagens críticas ao livro, resta-me a certeza de que algumas famílias não conhecem ou fingem não conhecer seus filhos e não sabem, ou fingem não saber, o que está em seus celulares.
Talvez estejamos diante de um grupo de pessoas que nasceu adulto (em idade), que nunca experimentou a ‘ditadura dos hormônios’ ou foi refém da testosterona, progesterona ou estrogênio.
Ao fim, faça-se o debate, sem proibições hipócritas. É para isso que servem a escola e obras como O Avesso da Pele, que trata sobre racismo estrutural na vida real e não tem nada de inadequado para ser consumido por alunos a partir dos 15 anos.
Pedir censura é de uma desonestidade intelectual ainda maior quando originária de simpatizantes da seita que há uma semana estava na Av. Paulista dizendo – entre o sonho de um golpe de estado e a percepção de que o país vive uma ditadura – defender a ‘liberdade’.
