ciao, Gravataí

A estabilidade até 2021 na Pirelli; da depressão ao grito

Moacir Bitencourt está na direção do sindicato da borracha há mais de três décadas

Moacir Bitencourt desfez as malas e cancelou a viagem de férias para a Costa Rica assim que cruzou o Oceano Atlântico, pelo cabo submarino EllaLink, de um laptop do último andar da suntuosa sede da Pirelli em Milão para o computador comum do Sindicato da Borracha, o comunicado mortal, irredutível, irrevogável e inegociável de que, em 2021, a empresa italiana dará um ciao Gravataí.

Antes de seguir com a personagem, um pouco de contexto.

Os detalhes do ultimato e da estratégia dos italianos para, garantindo um investimento de 120 milhões de euros entre 2019 e 2021, buscar com menos funcionários mais lucros no Brasil, você lê nos artigos Pirelli vai fechar fábrica de Gravataí e demitir 900 empregadosAnúncio da Pirelli tem impacto maior no futuro dos empregados, Pirelli, uma fábrica em depressão; entenda o que está acontecendo, Pirelli já era; choremos juntos e shallow now e Sindicatão italiano pressiona Pirelli por Gravataí, que provocaram reação na direção nacional da grife mundial de pneus.

O que interessa ao leitor do Seguinte: é que, no rastro da notícia que atropelou as mais pessimistas projeções de analistas do mercado, especialista no setor, sindicalistas, governantes e os próprios executivos brasileiros da empresa, restou a Gravataí que absorve nove em cada dez dos 900 funcionários que serão demitidos da fábrica de pneus que fica no Parque dos Anjos – possivelmente o lugar mais triste do mundo desde 13 de maio, quando os indicadores de produção entre os melhores do país não ‘salvaram’ a contabilidade da quarentona empresa que, com o fechamento, levará a um rombo de pelo menos R$ 6 milhões/ano na economia aldeana.

É a terra de Moacir, o ‘Colono’, como é conhecido pelos antigos da Pirelli o menino de Morungava, de pais analfabetos, que acordava às 4h para buscar as vacas para tirar leite, e às 6h já tinha que ir para a escola, onde o obrigaram a usar conga azul bico branco, porque só queria andar descalço, e que se tornou encarregado da oficina e, nas demissões de 87, transformou o sentimento de injustiça numa faculdade de Direito que o fazem hoje um dos mais bem-sucedidos advogados trabalhistas do Rio Grande do Sul.

Presidente por três décadas do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Artefatos de Borracha de Gravataí (o segundo maior da região, atrás apenas dos metalúrgicos do complexo automotivo da GM) e hoje vice do sucessor Flávio Quadros, Moacir talvez conheça a Pirelli melhor do que novos diretores, além de gozar de prestígio no chão da fábrica por ter encaminhado negociações que criaram o imaginário pirelliano do ‘emprego dos sonhos’, com ganhos salariais médios de R$ 60 mil por ano e uma participação nos lucros e resultados que chegou a R$ 12 mil em 2018.

Por isso fui ouvi-lo, em meio a tanto silêncio, da grande mídia, do prefeito Marco Alba e, principalmente, do governador Eduardo Leite – talvez por informações privilegiadas apontarem que a decisão da empresa já está tomada e não há como o Rio Grande do Sul e seus 18% de ICMS bater os 12% de São Paulo e o pacotão de incentivos fiscais que João Dória e seu secretário da Fazenda Henrique Meirelles podem estar oferecendo para a Pirelli, como o fazem para a GM.

– Antes de tudo precisamos manter a esperança de que a Pirelli não vá embora. Mas o que escreveste foi correto: a fábrica está em depressão. Estamos negociando para que haja uma retomada e os trabalhadores não percam mais dinheiro. Para contornar o sentimento de tristeza, de revolta, levamos à empresa uma proposta de estabilidade no emprego para os atuais funcionários, enquanto seguimos a mobilização para a empresa ficar em Gravataí – resume o sindicalista que senta à mesa com italianos que trajam Armani risca de giz, vestindo ele um histórico de lutas que ecoa as reivindicações na porta da fábrica em duas cornetas de som num Fusca verde-abacate, e a memória dos 300 que pararam a Pirelli por 20 dias por uma aproximação aos salários com Santo André, operários de um lado, pelotão de choque da polícia do outro, dois anos antes de, em 88, o direito de greve ganhar a Constituição.

A cada dia, os números diagnosticam a depressão da Pirelli Gravataí. Os indicadores, que eram de 102%, numa produção de 17,5 mil pneus, despencaram para 70% após o comunicado de fechamento em maio. Para render PPR, o mínimo é 90%. Para se ter uma ideia, Campinas, que drenará o investimento dos italianos, produz 10 mil com 280 funcionários.

– Temos proposta para eliminar do cálculo esses meses de depressão e retomar a produção. Estamos tentando acalmar a fábrica enquanto negociamos com a direção da empresa e buscamos apoio externo. A estabilidade é essencial para que, ao menos, os trabalhadores negociem as rescisões sem a pressão das demissões. Até agora a empresa não respondeu – alerta Moacir, anunciando que o grito dos ‘borracheiros’ ganhará os microfones da Câmara de Vereadores de Gravataí, em audiência pública em conjunto com a Assembleia Legislativa, nesta segunda, 24, a partir das 14h.

Na caldeira das más notícias, que ganham hoje ares de tragédia com o ‘ciao, Gravataí’ da Pirelli, e nos últimos anos também representaram a perda de 100% da produção de pneus de bicicleta (à época a maior do mundo importada pelas mãos do ex-diretor Gilberto Gil), Moacir tenta trazer um mínimo de alento aos trabalhadores. Ele ainda não entende o movimento da Pirelli, que deixará 70% das máquinas na área de 57 hectares que compartilha com os chineses da Prometeon Tyre Group, que fabricam pneus pesados.

– O que vai ficar em maquinário de ponta tem capacidade para 600 funcionários, além de um sistema de uso de água em circuito fechado que tira apenas 10% do Rio Gravataí e devolve melhor do que pegou – calcula, apesar da pouca esperança de que os chineses absorvam parte significativa dos demissionários.

Mas ele admite também a ideia acachapante de que a Pirelli apenas não moveu um parafuso da fábrica porque teme que os funcionários produzam ainda menos.

– Infelizmente, só quem está lá e conversa com os trabalhadores testemunha o clima. Teve cara chorando abraçado na máquina. É uma família desfeita. O ente querido morre e você chora. É velado, chora de novo. Mas quando o caixão baixa, aí é que cai a ficha… – usa da analogia perfeita para descrever o que a Pirelli justifica ser uma ação de empresa responsável, que dois anos antes anuncia o fechamento para que os funcionários programem suas vidas.

– Difícil é imaginar trabalhadores entre os mais qualificados do país se submetendo a trabalhar por R$ 1,3 mil – lamenta o sindicalista.

Hábil negociador, Moacir prefere não comentar quando pergunto sobre uma eventual estratégia da empresa de dividir o mercado com a Prometeon (Feira de Santa e Campinas para os italianos; Santo André e Gravataí para os chineses) e, aqui, usar apenas o selo Pirelli terceirizando a produção e reduzindo custos, como acontece em outros países.

O som do silêncio é respondido pelo assunto que o advogado introduz: a tese de mestrado da filha, Merilan Bittencourt, sobre o artigo 477 A da reforma trabalhista que permite demissões em massa como se apenas uma demissão fosse.

No caso dos trabalhadores da Pirelli, é o ‘ciao’ para qualquer chance de receber uma boa indenização coletiva de uma empresa que, em mais de uma oportunidade turbinada por isenções fiscais, ajudou a construir Gravataí mas agora buscará em outro lugar mais lucro para sua matriz na Itália.

There is no free lunch, já disse algum CEO em seu jatinho.

Paga a Senzala, mesmo com complexo de Casa Grande.

 

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